Presos provisórios, os sem destino a não ser o crime
Como ele
mesmo confessou, o ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal
Federal, disse ao presidente Jair Bolsonaro, ou mandou dizer (não
lembra direito) que estava tudo okey com o juiz das garantias. A nova
figura poderia ser criada, sim. E, num prazo de seis
meses, o novo sistema começará a funcionar – um juiz para dar conta de
todos os procedimentos de um processo, outro para dar a sentença. Cerca
de 40% das comarcas só dispõem de um juiz. E daí? Sem problema, dá-se um
jeito rápido.
Toffoli deu uma de
assessor informal de Bolsonaro. De alguma maneira antecipou seu voto na
hipótese de o Supremo ser provocado a decidir sobre a legalidade do ato
presidencial que criou o tal juiz. [atualizando: a criação, a paternidade do ato é do Congresso Nacional;
o presidente Bolsonaro apenas sancionou a criação legislativa, abrindo mão, em nome da celeridade legislativa, tendo em conta que se vetasse o veto seria derrubado.] Mas por aqui essas coisas acontecem,
ora!
Há muitas Cortes no mundo
onde os juízes só falam nos autos. Nesses lugares seria inconcebível
que um chefe de Estado consultasse presidente da Corte para saber se uma
decisão sua será bem acolhida por lá. Por aqui, soa normal.
Quando estourou o
escândalo do mensalão do PT, o ministro Nelson Jobim, presidente do
Supremo, procurou líderes de partidos para aconselhá-los a ser
prudentes. Lula temia que seu governo fosse abaixo. Jobim ajudou para
que não fosse. Foi o próprio Toffoli que
contou que em meados deste ano, o governo Bolsonaro correu risco de
cair. A reforma da Previdência não andava no Congresso. Filhos do
presidente disparavam contra militares. E um deles já estava encrencado
com a Justiça.
Que fez Toffoli, segundo
ele mesmo? Reuniu-se mais de uma dezena de vezes com os comandantes dos
demais poderes. Costurou uma espécie de pacto entre eles. E o pior
passou. Mais tarde, sustou as investigações sobre os rolos de Flávio, o
Zero Um. Se é possível, com boa
vontade, superar obstáculos; se mudança tão ampla no processo penal como
essa, do juiz das garantias, deverá entrar em vigor já, já, não seria o
caso de se apressar soluções para outros problema graves que atravancam
a Justiça? [ou a rapidez só está disponível quando a medida atravanca mais o que já está atravancado?]
Em texto aqui publicado,
transcrito do jornal O Globo, o colunista José Casado abordou a situação
dos chamados presos “provisórios” no Brasil. Em agosto último, eram 337
mil (41,5% do total de 818,8 mil encarcerados). Cumprem pena sem
condenação. São quase todos jovens,
periféricos, pobres, negros e mulatos, alguns quase brancos ou quase
pretos de tão pobres, escreveu Casado, socorrendo-se da letra da música
“Haiti”, de Caetano Veloso. Sobrevivem, ou tentam, nas 2,6 mil cadeias
do país.
A maioria está trancada
há pelo menos quatro anos, 48 meses ou 192 semanas à espera da decisão
de um juiz sobre o seu destino: vida em liberdade ou “no exército
oferecido pelo estado brasileiro aos 80 grupos criminosos que controlam
presídios”.
Fora os parentes e as
entidades que defendem os direitos humanos, ninguém aqui fora parece
interessado na sorte desses jovens. E certamente há muitos inocentes
entre eles. O sistema penitenciário brasileiro só serve para produzir
criminosos.
Toffoli e seus colegas de toga poderiam dar um jeito nisso. Por que não dão?
Blog do Noblat - Ricardo Noblat, jornalista - VEJA
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