Operadores experientes do Judiciário apostam que o discurso aparentemente ambíguo de Jair Bolsonaro em relação ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) não tem nada de gratuito e segue uma lógica bem pragmática.
Na segunda-feira (7), ao receber os ministros Edson Fachin e Alexandre de Moraes, [?] que vão comandar o TSE, Bolsonaro disse que precisava haver "mais diálogo" entre eles. [saiba mais sobre a visita, com plateia, dos ministros ao presidente Bolsonaro, clicando aqui.]
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Três dias depois, em sua live semanal, ele colocou mais uma vez em dúvida a segurança das urnas, dizendo que técnicos do Exército tinham encontrado vulnerabilidades nos equipamentos e sugerindo que a corte se recusava a dar explicações – o que há tempos estava previsto para esta segunda-feira (14), numa reunião da Comissão de Transparência das Eleições.
Na interpretação de ministros das cortes superiores com quem conversei nos últimos dias, o morde-e-assopra do presidente visa preservar algum canal de interlocução com a corte eleitoral e ao mesmo tempo manter viva a narrativa de fraudes, para poder alegar perseguição caso o tribunal tome alguma medida contra ele.
O risco maior, para o presidente, está no inquérito
administrativo em curso na corregedoria-geral do TSE a respeito da
famosa live das urnas eletrônicas. Na transmissão, em agosto passado, Bolsonaro divulgou dados
de uma investigação sigilosa da Polícia Federal sobre a invasão de um
hacker nos sistemas do tribunal em 2018, sugerindo que houve fraude - o
que nunca ficou comprovado. [lembrete: o delegado que comandava a investigação já declarou que o sigilo do inquérito foi decretado no dia seguinte ao da realização da live.]
No inquérito concluído na semana passada sobre a live, a delegada da Polícia Federal Denisse Rios afirma que Bolsonaro cometeu um crime. Mas, no entorno do presidente, a aposta é de que o procurador-geral da República, Augusto Aras, a quem cabe dar seu parecer, não vai dar denunciar Bolsonaro ao Supremo.
Só que há também um inquérito administrativo sobre o mesmo caso no TSE – e esse ainda não acabou. O foco da corregedoria-geral da corte é averiguar se houve abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação de Bolsonaro na live. A apuração leva em conta os mesmos documentos do inquérito das fake news conduzido no Supremo, compartilhados pelo ministro Alexandre de Moraes. Em tese, se o presidente for considerado culpado, a punição pode ser tornar o presidente da República inelegível – o que é altamente improvável, ainda mais a poucos meses das eleições.
O motivo também foi abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação, pela divulgação de dados falsos sobre a vulnerabilidade das urnas eletrônicas em uma transmissão pela internet para centenas de milhares de pessoas.Em seu voto, o ministro que vai relatar a investigação sobre Bolsonaro, Mauro Campbell, foi direto: "diante da Justiça Eleitoral, os candidatos detentores de cargo público se despem da quase totalidade de suas prerrogativas para a disputa da eleição, sob pena de violação da isonomia da disputa."
Traduzindo: para o ministro que comanda o inquérito sobre Bolsonaro no TSE, estar no poder não impede o candidato de ser punido.
A espada está afiada, e Bolsonaro sabe disso.
Malu Gaspar - Blog em O Globo