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sexta-feira, 14 de junho de 2019

Descompasso orçamentário

Os Poderes têm de ser harmônicos na alegria e na tristeza


A  crise fiscal da maioria dos Estados lança luz sobre o descompasso orçamentário que há entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, além do Ministério Público (MP) e da Defensoria Pública (DP). Estadão/Broadcast teve acesso aos relatórios financeiros enviados ao Tesouro Nacional e fez um levantamento que mostra que, nos Estados, o Executivo parece sofrer sozinho os efeitos da queda na arrecadação.

No final de 2018, enquanto os Executivos estaduais enfrentavam dificuldade para pagar despesas e salários, pensões e aposentadorias, os Poderes Legislativo e Judiciário, o MP e a DP acumulavam uma sobra de R$ 7,7 bilhões em seus orçamentos. Este montante, composto por “recursos livres”, poderia ser usado para custear outras despesas, não necessariamente as do Poder ou órgão que detém a sobra.

O quadro é injusto, sobretudo quando se considera que a fonte dos recursos que mantêm os Poderes e instituições como o Ministério Público e a Defensoria Pública é uma só: o contribuinte. E é justamente o contribuinte quem, ao fim e ao cabo, sofre as mais perversas consequências de uma crise fiscal, tanto pela retração da atividade econômica como pela queda da qualidade dos serviços públicos. No entanto, por mais injusta que possa parecer, não se está diante de uma situação ilegal.

Governadores e prefeitos são obrigados a repassar integralmente aos Poderes Legislativo e Judiciário e ao MP e à DP a parcela mensal de recursos destinados a eles no orçamento, o chamado duodécimo. Em um cenário de crise fiscal, isso leva os governadores ao corte de verbas destinadas à segurança pública, saúde e educação, por exemplo, já que o Poder Executivo não pode manejar os valores destinados àqueles outros Poderes e instituições.

O artigo 168 da Constituição determina que “os recursos correspondentes às dotações orçamentárias, compreendidos os créditos suplementares e especiais, destinados aos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública, ser-lhes-ão entregues até o dia 20 de cada mês, em duodécimos, na forma da lei complementar a que se refere o artigo 165, § 9”.
Há fundamento no dispositivo da Lei Maior. A intenção do constituinte foi assegurar a autonomia dos Poderes Legislativo e Judiciário, além do MP e da DP, de tal modo que não ficassem à mercê dos humores do chefe de turno do Poder Executivo para obter os recursos financeiros necessários à manutenção de suas atividades.  O fato de não se estar diante de uma situação ilegal não significa que o abismo entre o estado das contas entre os Três Poderes na esfera estadual, o MP e a DP não enseje a revisão dos fundamentos legais que mantêm este desequilíbrio.

A Advocacia-Geral da União (AGU) enviou parecer aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) defendendo o uso de um dispositivo da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) que permite aos governadores bloquear recursos dos demais Poderes caso estes não adotem medidas saneadoras em situações de “frustração de receitas”. De fato, há casos em que Judiciário, Legislativo, MP e DP usaram as sobras em seus orçamentos para conceder aumento salarial aos servidores, não obstante a terra arrasada que os circundava. “Não pode haver primo rico e primo pobre. Devemos, sim, todos ser solidariamente responsáveis pelo sucesso do Brasil”, disse ao Estado o ministro-chefe da AGU, André Mendonça.

O compartilhamento de recursos já é uma realidade no âmbito da União. A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) federal estende os efeitos do contingenciamento aos Três Poderes. Nos Estados, nem sempre o Poder Executivo tem a força política para incluir tal dispositivo na LDO. Por sua vez, Legislativo e Judiciário poderiam devolver ao Tesouro estadual as sobras de seus orçamentos, mas isso raramente acontece.  É esperado que o STF julgue a validade do dispositivo da LRF no próximo dia 26. Será bom para o País que o declare constitucional. Os Poderes têm de ser harmônicos na alegria e na tristeza.