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domingo, 9 de outubro de 2022

Bolsonaro quer cheque em branco [tava demorando !!! ] - O Globo

Miriam Leitão

Bolsonaro quer tirar a independência do STF, cláusula pétrea da Constituição

O presidente Jair Bolsonaro, durante entrevista no Palácio da Alvorada

O presidente Jair Bolsonaro, durante entrevista no Palácio da Alvorada Reprodução/Facebook

O presidente Bolsonaro avisou que recebeu uma proposta de mudar a composição do Supremo Tribunal Federal e que vai tratar disso depois das eleições. Então o que ele está pedindo aos eleitores brasileiros é que votem nele apesar de ele estar avaliando um projeto que vai ferir de morte a independência dos poderes da República, e informa que tratará disso depois de eleito. Na entrevista à “Veja”, ele mostrou claramente que seus propósitos para o segundo mandato são exatamente os que se temia.[Entendemos que cláusulas pétreas da Constituição podem ser modificadas, sem violar o texto constitucional, desde que através de uma Assembleia Nacional Constituinte; tendo o presidente maioria no Congresso Nacional, pode convocar uma Assembleia,  que terá competência para modificar na Constituição o que considerar  melhor para o Brasil.]

Do lado de Lula, as propostas também estão vagas sobre como enfrentar a crise fiscal e orçamentária criada por Bolsonaro. Esse assunto tem sido muito discutido na campanha, e várias propostas têm estado na mesa desde o começo. Pode vir a ser a volta da meta de superávit primário, uma meta de gastos de custeios e de investimentos separados, ou um compromisso de redução da dívida líquida.

Se Lula vencer, seja qual for o instrumento de política fiscal escolhido, será preciso primeiro atravessar 2023. O Orçamento que o governo enviou para o Congresso não fica de pé. Vai ser inevitável flexibilizar a regra de controle de gastos no ano que vem por causa do que está sendo deixado. Mas o importante será ter uma regra que dê previsibilidade, transparência e que haja prestação de contas com idas frequentes do ministro ao Congresso Nacional —explicou um economista petista.

A economia precisa ter previsibilidade não porque esta seja uma exigência doutrinária de alguma corrente econômica. É porque será preciso fazer no curto prazo um aumento de despesas e do endividamento. E isso ocorre enquanto o mundo está vivendo uma crise sem precedentes e que é até difícil dimensionar, na opinião do economista José Roberto Mendonça de Barros:—A última vez que a economia global parou por causa de um vírus foi na gripe espanhola, a última vez que a Europa teve uma guerra quente foi em 1919 e 1945. A última vez que o mundo desenvolvido teve inflação de dois dígitos foi no fim dos anos 1970. E estamos tendo tudo ao mesmo tempo. Os bancos centrais farão uma elevação de juros que em algum momento pode levar à recessão do mundo desenvolvido. É uma coisa totalmente sem precedentes.[logo surgirão narrativas atribuindo tais desastres ao presidente Bolsonaro. Antes de 'narrar',não esqueçam que os números do Brasil, quando comparados aos das grandes potências econômicas, estão melhores.]

LEIA TAMBÉM: IPCA mostrará DEFLAÇÃO DE ALIMENTOS em setembro.

A política fiscal responsável garante a estabilidade da economia, que permite políticas sociais consistentes e governabilidade. Contudo, os economistas do Real fizeram um gesto que foi antes de tudo político. Sabem que o que está em jogo é o futuro da democracia.

Bolsonaro deu razão a eles, e a todos que se preocupam com a questão democrática, quando, em entrevista à “Veja”, avisou que depois das eleições vai estudar o projeto que chegou às suas mãos — não disse quem foi o remetente — para mudar a composição do Supremo. Ele pede votos, sem explicar esse gravíssimo ponto. O presidente está ameaçando cláusula pétrea da Constituição.

Míriam Leitão, jornalista - Com Alvaro Gribel (de São Paulo)- Em O Globo - MATÉRIA COMPLETA


quinta-feira, 23 de setembro de 2021

Parlamentares querem incluir elite do Judiciário na reforma administrativa - O Globo [cabe perguntar: os parlamentares também serão incluídos?]

Câmara retoma discussão hoje

Sessão que debatia o tema na noite desta quarta-feira foi suspensa.
 
 Regras vão mudar apenas para novos servidores
 
A comissão especial da Câmara dos Deputados que analisa a proposta de reforma administrativa retoma debates e votação do texto-base nesta quinta-feira. A sessão que debatia o tema na quarta-feira foi encerrada às 23h19 sem que houvesse o recolhimento dos votos por parte dos deputados. 
 
Parlamentares que integram a comissão querem incluir a elite do Judiciário nas novas regras, já que o texto original do governo deixou essas categorias de fora da reforma. 

[não temos procuração para defender os MEMBROS do Poder Judiciário = na manchete chamada elite = nem eles precisam.
Mas segundo peritos no assunto o que complica é que servidor simples, parlamentares eleitos, magistrados concursados ou nomeados, promotores, todos são SERVIDORES PÚBLICOS = o patrão é único = O POVO BRASILEIRO = O CONTRIBUINTE.
A diferença surgiu na regulamentação - o servidor público, o antigo 'barnabé'  passou a ser regido pelo 'estatuto do servidor público' que foi substituído pela Lei n° 8.112/90.
 
- Só que alguém teve a ideia de uma lei específica para o Poder Judiciário e nela os magistrados passaram à condição de MEMBROS do Poder Judiciário - a classificação 'servidor público' sumiu e os magistrados passaram a MEMBROS;
 
- outro alguém resolveu regulamentar a legislação para deputados, senadores, e todos os eleitos para cargos no Poder Legislativo, abrangendo vereadores, deputados estaduais e federais e senadores = todos passaram a ser MEMBROS do Poder Legislativo - municipal, estadual e federal. Por óbvio, sumiram da 8.112/90;
 
- dizem as más línguas, na época eu era criança, que na Constituição de 1988 cogitaram do MP, ser 'revitalizado' - transformar em um quarto poder, seria complicado. Então denominaram promotores, subprocuradores, procuradores MEMBROS do Ministério Público e todos foram, felizes da vida, excluídos da 8112.
Com isso, qualquer medida que atinja servidor público, especialmente se for desfavorável, NÃO ALCANÇA MEMBROS. Assim, se os parlamentares querem realmente incluir a elite do Poder Judiciário na reforma administrativa , os atingidos serão os MEMBROS do Poder Judiciário.
 
MEMBRO por MEMBRO fica justo, inevitável, que os MEMBROS do Poder Legislativo e do Ministério Público sejam alcançados.
Logo alguém vai ter a feliz ideia de que a reforma alcance apenas servidores públicos e os MEMBROS fiquem todos de fora.] 

Policiais:  Governo lança programa habitacional para profissionais de segurança pública, que integram base política de Bolsonaro

Para facilitar a aprovação da reforma, o relator, deputado Arthur Maia (DEM-BA), fez várias concessões em relação ao texto enviado pelo governo. Além de manter a estabilidade a todos os servidores públicos, não só nas carreiras típicas de Estado, ele condicionou a redução de jornada e de salário da categoria a situações de crise fiscal.

Parlamentares que integram a comissão querem incluir a elite do Judiciário no texto da reforma administrativa Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo
Parlamentares que integram a comissão querem incluir a elite do Judiciário no texto da reforma administrativa Foto: Pablo Jacob -  Agência O Globo

Pensão vitalícia
Além disso, ele cedeu à pressão dos profissionais de segurança e incluiu no texto um trecho que altera a regra da pensão, tornando o benefício vitalício e integral em caso de morte no exercício da função para todos os policiais federais.

Viu isso?  Governo e Congresso negociam ampliação da desoneração da folha enquanto tentam prorrogar medida para 17 setores

A medida aumenta as despesas da União. Com a reforma da Previdência, em vigor desde novembro de 2019, o cálculo da pensão é feito de forma proporcional. Maia também incluiu no texto outro trecho que atende os policiais federais e reforçou o direito à aposentadoria integral e mesmo reajuste dos ativos para quem ingressou na carreira até novembro de 2019. O Tribunal de Contas da União (TCU) havia se posicionado contra esses dois benefícios. 

Uma das principais mudanças introduzidas pela reforma é o desligamento do servidor por mau desempenho. A proposta torna obrigatória a avaliação periódica para todos os servidores, atuais e novos.

Além disso, permite a contratação temporária no serviço público por período de até seis anos e realização de convênios com a iniciativa privada para prestar serviços, com compartilhamento de estrutura física e recursos humanos, com ou sem contrapartida.

Economia - O Globo

 


quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

O que sempre fomos - William Waack

O Estado de S. Paulo

Governo Bolsonaro dominado pelo Centrão é a política como sempre foi

O que é o governo Bolsonaro dominado pelo Centrão? É a política brasileira como sempre foi nas últimas décadas, a ponto de se duvidar se realmente tivemos uma alternância de poder de esquerda para direita. Talvez a periodização à qual historiadores costumam recorrer indique como último grande divisor de águas na política brasileira o processo de redemocratização do período entre 1985 e 1989 (sim, quatro anos decisivos).[o quadriênio decisivo não para a redemocratização do Brasil e sim para a instalação e inicio da consolidação da chamada 'nova república' e da roubalheira que imperou no Brasil daquela época até janeiro 2019.]

Visto com uma distância de três décadas, o que se iniciou ali foi uma tentativa fracassada de estabelecer no Brasil um estado de bem-estar social aos moldes do sul da Europa, sem que cuidássemos que nossa economia de baixa produtividade e competitividade conseguisse financiar gastos públicos que subiram sempre acima da inflação, não importa qual fosse o governo. O encontro com a verdade chama-se crise fiscal.

Com maior nitidez desde aquele período grupos diversos foram capturando a máquina de Estado – ou ampliaram o domínio já existente (como ocorre com a elite do funcionalismo público, espalhada por autarquias, estatais e Judiciário [o Legislativo precisa e deve ser incluído neste rol.]). A política foi se reduzindo à negociação entre grupos esparsos, com cada vez menos direção central, para acomodar às custas dos cofres públicos interesses setoriais e regionais dos mais variados. Dentro de um ambiente de ideias que o sociólogo Bolívar Lamounier chama de “maçaroca ideológica”.

O “desenho” do nosso sistema de governo, que opõe o vitorioso num plebiscito direto (o presidente da República) a um Legislativo fracionado e de baixa representatividade (mas cheio de prerrogativas), com partidos dominados por caciques, “funcionou” nesses moldes até a quebra dos cofres públicos. A atuação desses “donos do poder” foi muito facilitada pelo fato de os setores privados da economia brasileira não terem sido capazes de desenvolver um “projeto nacional”, uma visão de conjunto que fosse muito além do que sempre foi o “norte” para gerações de empresários e banqueiros: garantir a amizade e a proximidade do rei.

A reforma de Estado ensaiada por FHC foi tímida, assim como as privatizações. O projeto petista do “nacional-desenvolvimentismo” (para dar um rótulo aos 13 anos) era uma obra conjunta com o Centrão, entendido como esse conjunto de forças políticas setoriais, regionais, unidas apenas no intuito de se apoderar de pedaços da máquina pública. Como se constata nos índices, a tal “preocupação pelo social” tão propalada naquele período não alterou fundamentalmente o País em termos de sua desigualdade e misérias relativas.

Ironicamente, a política brasileira parece ter mudado tanto nos últimos quatro anos (desde o impeachment de Dilma) para desaguar no mesmo lugar: no papel essencial dessas forças do Centrão, agora carregando consigo um presidente de escassa capacidade de liderança e que não entendeu onde reside seu poder: na possibilidade de ditar a agenda política, e não na tinta da caneta em suas mãos (que, aliás, encolheu bastante nos últimos dois anos).[poder é como elástico, encolhe, mas pode voltar e quando volta vem mais forte.]

Ao celebrar o entendimento político com os dois novos homens do Centrão no comando do Legislativo, Bolsonaro voltou a escancarar o fato de não ter estratégia nem saber o que quer, além de se reeleger. Trinta e cinco prioridades entregues ao Congresso é o mesmo que dizer que não tem nenhuma. Nessa “shopping list”, em parte a pedidos de seu ministro da Economia, estão matérias prometidas desde sempre (como reformas administrativa e tributária, além de privatização de estatais) que não progrediram basicamente pela incapacidade ou falta de interesse político por parte do chefe do Executivo.

É possível que o dia 1.º de fevereiro de 2021, data da oficialização do comando do Centrão nas principais esferas da política, talvez sirva aos historiadores no futuro para marcar o fim de um intenso período nessa linha do tempo, o da onda disruptiva de 2018. É também a data da dissolução da força-tarefa da Lava Jato, sem a qual essa onda é impossível de ser entendida. Talvez os historiadores no futuro considerem que não foi mera coincidência.

William Waack, jornalista - O Estado de S. Paulo 

 

 

segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

Mercado e costumes - Denis Lerrer Rosenfield

O Estado de S. Paulo

Não há demagogia que resista a doença, morte, desemprego, queda de renda e de expectativas

As eleições para as Mesas Diretoras da Câmara dos Deputados e do Senado cruzam-se com as intenções demonstradas pelo presidente de uma minirreforma ministerial, tendo como pano de fundo as eleições de 2022. Mais importante ainda, como chegará o Brasil até lá, atolado em grave crise fiscal, desemprego, queda do produto interno bruto (PIB) e numa pandemia que não dá sinais de arrefecer? Nada é aleatório na correlação de forças que assim se estabelece.

No que diz respeito à reforma ministerial anunciada, há dois tipos de projetos em questão. Um seria uma reforma pró-mercado, mexendo com os Ministérios do Meio Ambiente, da Economia e das Relações Exteriores; outro seria pró-costumes, mexendo com os Mistérios da Cidadania, do Turismo, a Secretaria de Governo e a recriação do Ministério dos Esportes. Sob outra óptica, o mesmo estaria ocorrendo na disputa pelas duas Casas Legislativas, principalmente na Câmara, com as candidaturas em voga sinalizando para o mesmo cenário: o candidato do presidente adotando uma postura pró-costumes e o do grupo do deputado Rodrigo Maia, pró-mercado. À esquerda caberá escolher entre as duas, guardando a posição de partícipe espectadora. Pode ser decisiva por seus votos, porém perdeu protagonismo do ponto de vista das ideias.

A reforma ministerial pró-mercado estaria voltada para enfrentar os problemas do Brasil, a saber, crise fiscal, de investimentos, desemprego, renda e imagem no exterior. Isto implicaria o presidente ter uma visão de longo prazo, permitindo-lhe, se houver sucesso, a sua própria reeleição. O problema, contudo, é que Bolsonaro não tem visão de longo prazo, nem chega a ter clara noção da gravidade da crise atual, que se deve desdobrar com força no próximo ano. Ademais, isso implicaria uma reorientação do seu governo para o centro, abandonando posições ideológicas e cessando de compreender a política sob a forma da relação amigo/inimigo.

Outro tipo de reforma ministerial estaria voltada para o atendimento da pauta de costumes, como é o caso, por exemplo, do decreto presidencial que libera a importação de armamentos. No meio de uma enorme crise fiscal e sanitária, com pessoas sendo hospitalizadas e morrendo, o presidente preocupa-se com a cloroquina, os armamentos e políticas antivacina como se fossem uma questão de liberdade de escolha. Nesse sentido, suas negociações com o Centrão estão focadas em assegurar uma base parlamentar que lhe permita avançar em propostas desse tipo, para além de lhe assegurar um final de mandato tranquilo do ponto de vista legislativo.

Outra ordem de problemas se apresenta nas disputas pelas presidências da Câmara e do Senado. O presidente decidiu entrar pesado, procurando emplacar pessoas de sua estrita confiança. Na Câmara, seu candidato está afinado com sua pauta de costumes, embora tenha afirmado que também defenderia uma posição liberal, numa tentativa de agradar aos que se sentem relegados. O liberalismo não é porém, para ele, a questão central. Na oposição, a pauta pró-reformas econômicas é prioritária, na contramão do que o governo tem feito, uma vez que este, apesar de seu discurso, não tem avançado nessa área. Esboça-se aqui uma disputa entre posições conservadoras e liberais.

Ressalte-se ainda que a discussão sobre o tipo de reforma ministerial põe em cena os mais diretos interesses partidários por cargos e emendas. Uma reforma ministerial pró-mercado pouco oferece em benefícios, pois os ministérios envolvidos são de caráter técnico, não se adequando muito bem a perfis partidários. Não são, nesse sentido, objeto de interesse. Não é o caso dos Ministérios da Cidadania, dos Esportes e do Turismo, com muitos recursos e se adaptando a pleitos partidários, assegurando aos parlamentares influência eleitoral em seus respectivos Estados. Logo, estão mais propensos a esse tipo de reforma pró-costumes. Note-se, contudo, que o cenário eleitoral de 2022 em muito dependerá da situação econômica do País, que não será boa se nada até lá for feito. A pauta pró-costumes pode se mostrar insuficiente para os objetivos partidários. Não há discurso, não há demagogia que resistam à doença, à morte, ao desemprego, à queda de renda e de expectativas.

No curto prazo, a posição pró-costumes pode render dividendos ao presidente, mas no longo prazo tende a se esgotar na ausência de um efetivo enfrentamento da questão econômica, com a necessária realização de várias reformas, dentre as quais a tributária, a administrativa e a aprovação da PEC emergencial. Ou seja, o presidente Bolsonaro, se mantiver o seu olhar focado em seus ganhos imediatos, traduzindo-se por aproximadamente um terço de apoio do eleitorado, pode chegar exaurido a 2022 e, com ele, o Brasil. O País está sendo testado em sua resistência. De nada adiantam os discursos liberais de sua equipe econômica, se nada for feito na prática. A questão aqui é que as ideias liberais estão sendo politicamente contaminadas, desgastando-se sem se terem realizado. O perigo é que o liberalismo morra sem sequer ter nascido. [somos radicalmente contra o aborto, mas temos que reconhecer que seria bem melhor para o Brasil e a maioria dos brasileiros, se alguns dos atuais políticos tivessem morrido antes de nascer.]

Denis Lerrer Rosenfield, filósofo  - O Estado de S. Paulo 


segunda-feira, 14 de dezembro de 2020

A sobrevivência dos mais gordos - Valor Econômico

Bruno Carazza

STF perpetua privilégios e contribui para a crise fiscal

Em frente ao prédio do Supremo Tribunal Federal, na Praça dos Três Poderes, repousa a escultura “A Justiça”, de Alfredo Ceschiatti. “Repousa”, aliás, é uma boa palavra para descrever o estado da obra do artista belo-horizontino: afinal, são raras as representações artísticas em que a deusa da Justiça está sentada. Mas este não é seu único detalhe simbólico.

Através dos séculos, a deusa romana Iustitia aparece em pinturas e esculturas com três componentes praticamente inseparáveis:  
a venda nos olhos (destacando a impessoalidade), a balança (fazendo referência à isonomia no tratamento das partes) e a espada (realçando a força para impor o direito sobre todos).

A escultura que simboliza o Judiciário brasileiro, porém, não possui balança - como se por lá não fosse necessário contrabalançar argumentos, sopesar direitos, medir consequências e equilibrar a teoria e a prática.

Há quem justifique a falta do instrumento afirmando que a nossa Justiça foi retratada após ter exercido o seu dever; logo, a balança já teria sido usada, e uma vez proferida a decisão, bastaria ter no colo a espada, para ser utilizada caso não a cumprissem. Ora, então não seria melhor que a Justiça estive como a deusa grega Thêmis, de olhos bem abertos para fiscalizar a aplicação de seus mandamentos?

Ceschiatti, um dos artistas recomendados por Oscar Niemeyer para ornamentar a nova capital, esculpiu “A Justiça” em 1961 num bloco monolítico de granito de 3,3 metros de altura e com linhas elegantes e econômicas - características que há bastante tempo passam longe do STF, rachado entre várias correntes e fomentando a irresponsabilidade fiscal.

Duas decisões recentes expõem como os ministros do Supremo Tribunal Federal fecham os olhos para a grave crise econômica que o país atravessa, deixam de equilibrar direitos e deveres e embainham a espada quando se trata de cortar os privilégios da própria magistratura.
Em 1º de dezembro a ministra Rosa Weber deferiu uma liminar determinando que a União deveria avalizar a um empréstimo de mais de US$ 400 milhões para investimentos do governo do Estado do Espírito Santo. Essa operação havia sido travada pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que veda a concessão de garantias federais caso entes subnacionais estejam descumprindo os limites prudenciais de gastos com pessoal. No caso do Espírito Santo, era justamente o Poder Judiciário local quem estava gastando além da conta.
Alegando violação ao princípio da intranscendência - em outras palavras, um Poder não poderia ser punido por uma falha de outro - a ministra Rosa Weber esvaziou a LRF, acrescentou mais um ônus ao sobrecarregado Tesouro Nacional e não impôs nenhuma sanção ao Judiciário capixaba por inflar sua folha de pagamentos. Decisões como essa, aliás, são bastante frequentes nas últimas décadas, e podem ser apontadas como uma das causas para a baixa efetividade da LRF e pelo descontrole orçamentário na maioria dos Estados e municípios.

Pior ainda fez o plenário do STF na semana passada - não, eu não me refiro à decisão sobre a reeleição nas presidências da Câmara e do Senado. Com a exceção solitária do ministro Edson Fachin, que votou contra, a maioria dos ministros considerou inconstitucional parte das Emendas Constitucionais nº 41/2003 e 47/2005 que estabelecia que os juízes estaduais deveriam ter seus vencimentos limitados a 90,25% do que ganham os integrantes do STF.

Novamente, o STF valeu-se de princípios abstratos - no caso, da isonomia e da unidade da prestação judicial - para atropelar normas criadas para manter as contas públicas em dia e evitar distorções. E assim, juízes de todo o país, até mesmo os recém aprovados em concurso, estão definitivamente liberados a ganhar o mesmo que um membro da Suprema Corte. E é bom não esquecer que certamente a decisão terá efeito cascata sobre o Ministério Público e os Tribunais de Contas Brasil afora.

Essa última decisão tomada pelo STF partiu de duas ações diretas de inconstitucionalidade (ADI) movidas, respectivamente, pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e pela Associação Nacional dos Magistrados Estaduais (Anamages). A Constituição Brasileira de 1988 tornou-se uma das mais progressistas do mundo ao permitir que não apenas entidades políticas (como os chefes do Executivo, do Legislativo e do Ministério Público, além dos partidos políticos), mas até mesmo confederações sindicais e entidades de classe pudessem provocar o STF para, enquanto guardião da interpretação constitucional, se posicionar se uma lei, em abstrato, fere ou não a Carta Magna do país.

Como acontece com frequência por aqui, avanços logo se transformam em abusos. Ao permitir que entidades privadas tivessem acesso privilegiado às ações mais importantes de nosso sistema processual, o controle abstrato das normas tornou-se fonte concreta de benesses. Não é à toa que, desde 1988, a AMB figura como o grupo privado que mais acionou o Supremo para questionar a constitucionalidade de leis - foram 151 vezes, boa parte delas relativa à defesa dos interesses de seus associados. A Anamages, por sua vez, propôs outras 45 ADIs.

No porto de Ringkøbing, uma cidade com menos de 10 mil almas no centro da Dinamarca, encontra-se a escultura de um homem esquálido carregando nos ombros uma mulher bastante obesa. A mulher tem os olhos fechados e carrega nas mãos uma balança desequilibrada - desnecessário dizer a quem ela faz alusão.

Feita em bronze, com 3,5 metros de altura, “Sobrevivência do mais Gordo” (“Survival of the Fattest”) é uma obra dos artistas dinamarqueses Jens Galschiøt e Lars Calmar, inaugurada em 2002. Na sua base, há a seguinte inscrição:
Estou sentada nas costas de um homem. Ele está afundando sob o fardo. Eu faria qualquer coisa para ajudá-lo. Menos descer de suas costas”.

Nada mais exemplificativo sobre o Poder Judiciário brasileiro e a atuação de sua cúpula.

Bruno Carazza, Professor, mestre em Economia e doutor em Direito. É servidor público federal (licenciado) - Valor Econômico 


quinta-feira, 9 de abril de 2020

Quando fechar, quando abrir - William Waack

O Estado de S.Paulo

Bolsonaro não é o único chefe de Estado que não sabe como sair do dilema

A realidade se encarregou de lembrar Jair Bolsonaro de que ele pode trocar de ministro quanto quiser, mas não pode trocar quanto quiser de política de saúde. Os limites aplicados às vontades do presidente – não importam méritos ou motivações – foram antes de mais nada institucionais. Em princípio, não é mau sinal. [apesar de algumas autoridades tentarem induzir no presidente a fancaria de que era falta de autoridade presidencial.
Alcolumbre, senador presidente do Senado, chegou a ligar para o presidente da República e ameaçar dizendo que o Parlamento não aceitaria a demissão do ministro Mandetta.]

Entrou como freio uma estrutura federativa que, no caso do combate ao coronavírus, concede aos operadores do SUS uma grande margem de ação. E os operadores são, em primeira linha, governadores e prefeitos. Além da eterna crise fiscal, eles se ressentem hoje sobretudo de falta de coordenação política, e estão assustadíssimos com a nada remota probabilidade de colapso de partes do sistema de saúde. Clamam por liderança. [sistema de saúde que na hora de trombar com o presidente os governadores dizem ser da responsabilidade deles e  na hora de falhas tentam atribuir ao Presidente da República.] 

É outro problema que veio junto de Bolsonaro e que a crise do coronavírus apenas escancarou. O presidente acha que seu poder vem da caneta, que ele diz não ter pavor nenhum de usar (mas não pode). Na verdade, o poder presidencial no Brasil vem de algo que o atual ocupante do Planalto renunciou a aplicar ou o faz de forma inconsistente, errática e subordinada exclusivamente ao curtíssimo prazo de redes sociais: ditar a agenda política. Sob o avanço da doença, a postura de Bolsonaro consiste o tempo todo em “salvar” seu governo, que ele enxerga exclusivamente pelo prisma de uma ameaça de crise social urdida por adversários reais ou imaginários mancomunados para destruir a economia e criar o caos. As manobras que faz para neutralizar inimigos (governadores, por exemplo) e afastar obstáculos ao que considera necessário realizar (o ministro da Saúde e o isolamento social, por exemplo) são perfeitamente racionais dentro desse quadro mental que beira a paranoia. [Vamos ser imparciais e justos:
algum dos nossos dois leitores, estando no lugar do Presidente Bolsonaro, confiaria naquele governador do Maranhão?
ou no Witzel do Rio?
no do DF? e vários outros, os três citados ilustram o assunto.] 

O problema é muito maior e, mesmo em seu jeito tosco (Bolsonaro sobre Bolsonaro), o presidente fala diariamente de um dilema para o qual os principais chefes de governo nas democracias liberais ainda não encontraram saída. 
Em termos bastante brutais, trata-se de saber até quando precisa durar o fechamento de economias antes que a devastação delas se torne irrecuperável. 
Na outra ponta, reabrindo as economias, trata-se de saber qual é o limite tolerável do número de mortos, a partir do qual a falência de qualquer carreira política é irrecuperável.
[Linkamos aqui, ou aqui, um Post do Luis Fernando Veríssimo - Weintraub na Saúde - mais pelo cômico do que por improvável realismo.
Segue um trecho:
" ...Falando sério: a teoria mais difundida no momento é a de que a pandemia teria a ver com a proliferação de novas torres de telefonia móvel, 5G, que de alguma maneira espalhariam o vírus. Dizem que não é coincidência o fato de as primeiras antenas 5G, mais potentes do que as 4G que substituem, terem sido instaladas na China, onde a pandemia começou, antes de qualquer outro lugar do mundo. ........" ]


Projeções e análises de curvas estatísticas sobre economia e saúde pública permitem no máximo contornos de cenários nebulosos, sem horizonte de tempo e qualquer “certeza”. Em outras palavras, dirigentes políticos ao redor do mundo democrático liberal estão sendo obrigados a “sentir” o dia a dia de temperaturas políticas e situações de degradação econômica e social que parecem ser, neste momento, muito mais abrangentes e que aparentemente estão reagindo timidamente ao inédito volume de medidas de estímulo e combate à recessão.

Para os que se sentem fascinados por entender qual papel exercem personalidades na História, a atual crise e sua imprevisibilidade oferecem alguns contrastes eloquentes. Donald Trump, por exemplo, ziguezagueia exibindo seu narcisismo (ele se proclamou um “gênio muito estável”). Angela Merkel, na outra ponta, demonstra uma postura próxima ao estoicismo (filha de um teólogo protestante em país comunista). E Jair Bolsonaro? [seja em qual posição se coloque ou o coloquem, Bolsonaro vai para o tronco.
Felizmente, vai também vencer em 2022 - o que desespera muitos.] 

Chegou ao Palácio do Planalto na crista de uma onda política e social que ele apenas em parte entendeu e controlou, onda que vai ficar parecendo apenas uma marola diante das proporções da crise de saúde e economia que começamos a enfrentar agora. [nenhum governante aprendeu a nadar, Bolsonaro é apenas e tão somente mais um - apesar de muitos torcerem para que ele assuma o protagonismo do fracasso.] Nela, Bolsonaro não aprendeu a nadar, e está se afogando.

William Waack, colunista - O Estado de S. Paulo


quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

Veja os principais pontos da PEC que permite redução de salário de servidor

Proposta prevê redução de jornada de trabalho de servidor e demissão de concursados sem estabilidade, em caso de crise fiscal. Comissão especial vai avaliar o texto

O caminho para permitir a redução de jornada e de salários dos servidores públicos começou a ser pavimentado nesta quarta-feira (4/12). A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou, por 39 votos a 14, a admissibilidade da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 438/2-18, que cria gatilhos para conter as despesas públicas. 

O objetivo é preservar a regra de ouro dispositivo constitucional que proíbe o governo de se endividar para custear a máquina pública —, pagar a folha salarial e bancar programas sociais. Em 2019, o Executivo teve de pedir autorização ao Legislativo para abrir crédito extraordinário de R$ 248 bilhões a fim de equilibrar as contas. “É um projeto muito importante para as finanças do Estado brasileiro”, disse o presidente da CCJ, deputado Felipe Francischini (PSL-PR).

A PEC institui 33 gatilhos 22 medidas para conter despesas e 11 para gerar receitas — que devem ser acionados quando houver um nível crítico de desequilíbrio entre gastos públicos e arrecadação tributária. Um dos pontos mais polêmicos é a permissão para redução da jornada de trabalho e do salário de servidores públicos. Também autoriza a demissão de concursados que ainda não tenham estabilidade e de funcionários que ocupam cargos em comissão.

Aprovada pela CCJ, a PEC será avaliada, agora, por uma comissão especial, determinada pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). A expectativa é de que o deputado Felipe Rigoni (PSB-ES) seja o relator da proposta no colegiado. Depois, a proposta seguirá para o plenário da Câmara, onde precisará ser votada em dois turnos, antes de começar a tramitar no Senado.

Segundo o autor da PEC, deputado Pedro Paulo (DEM-RJ), o texto cria dispositivos para buscar o equilíbrio e cumprir as regras fiscais. “São 33 gatilhos, mecanismos que usamos para atacar o problema do deficit público. Criei um projeto para ajudar o governo a nivelar receitas e despesas, assim como fazemos em casa”, afirmou. “Com as contas públicas desequilibradas, não há política pública possível, não conseguimos fazer Bolsa Família, nem pagar BPC (Benefício de Prestação Continuada). O objetivo é criar recursos para saúde, educação, infraestrutura, investimentos que geram retorno e vão beneficiar a sociedade”, explicou o deputado.

O governo também terá de reduzir incentivos fiscais, suspender repasses ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), cortar gastos com publicidade e vender ativos e bens públicos.  A proposta foi aprovada com alteração feita pelo relator, deputado João Roma (Republicanos-BA), que retirou do texto um gatilho que reduzia a contribuição ao Sistema S. A retirada foi criticada pelo deputado Kim Kataguiri (DEM-SP), que havia apresentado voto em separado, mantendo a proposta original.

O deputado Afonso Motta (PDT-RS) considerou que a redução de salário torna a PEC inconstitucional. “Entre a visão fiscalista e a dignidade humana, devemos ficar com a dignidade humana e defender os trabalhadores”, afirmou.
O deputado Alencar Santana Braga (PT-SP) criticou a possibilidade de suspensão do abono salarial, pago a trabalhadores que recebem até dois salários mínimos. “Se o governo for incompetente, quem vai pagar a conta é o trabalhador. O detentor do mandato não vai ser penalizado, mas servidores concursados e trabalhadores vão”, disse.

Cortes
 A PEC prevê 33 gatilhos, 22 medidas para redução de despesa e 11 para aumento de receita. Confira os principais itens:
  • Permissão para redução temporária da jornada de trabalho com adequação dos vencimentos.
  • Redução em pelo menos 20% das despesas com cargos em comissão e funções de confiança e exoneração dos servidores não estáveis.
  • Redução de despesa com publicidade e propaganda em pelo menos 20%.
  • Interrupção do pagamento do abono salarial no exercício financeiro subsequente.
  • Encaminhamento de projeto de lei para reduzir incentivos e benefícios de natureza tributária.
  • Encaminhamento de projeto de lei com planos para alienação de ativos.
  • Suspensão temporária de repasses do FAT ao BNDES.
  • Cobrança de contribuição previdenciária suplementar provisória de 3 pontos percentuais dos servidores ativos, aposentados e pensionistas, assim como dos militares ativos e inativos.
  • Utilização de saldos positivos de recursos vinculados para pagamento do serviço da dívida pública.
  • Redução em 10% das alíquotas das contribuições compulsórias dos empregadores sobre a folha de salários, com simultânea majoração da alíquota da contribuição social destinada à previdência social.

    Fonte: PEC nº 438/2018