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segunda-feira, 11 de dezembro de 2023

O vício da liberdade - J. R. Guzzo

Revista Oeste

 Os ministros do Supremo estão convencidos de que a liberdade só pode ser usada pelos cidadãos se for concedida pelo STF


Foto: Shutterstock

O ministro Alexandre de Moraes e os seus colegas de Supremo Tribunal Federal, com o apoio encantado da maior parte da imprensa brasileira, estão metidos numa missão impossível.  
Querem eliminar, através de despachos do STF e da força armada do governo, o princípio segundo o qual a liberdade é uma conquista da civilização humana — como a álgebra, ou a palavra escrita, ou o direito à vida.  
Decretaram que a liberdade é algo que pertence com exclusividade ao Estado, como o direito único de imprimir moeda, por exemplo, ou de passar escrituras de compra e venda de imóveis. 
Mais precisamente, estão convencidos de que a liberdade só pode ser usada pelos cidadãos se for concedida pelo STF, sob a orientação técnica da faculdade particular de Direito do ministro Gilmar Mendes, o IDP de Brasília. 
Não é um direito que todo ser humano recebe ao nascer. 
Para os ministros, e os seus sócios no consórcio Lula-STF, a liberdade é um bem tão precioso que tem de ser rigorosamente racionado. 
É uma das ideias fixas do ministro Moraes, do presidente Barroso e, agora, do seu futuro colega Flávio Dino, para quem o conceito da liberdade de expressão, como ela tem sido entendida nos últimos 300 anos, “acabou no Brasil”.

A encíclica mais recente do ministro Moraes sobre a liberdade de imprensa é um fenômeno sobrenatural — só pode ser entendida como um ataque deliberado ao direito constitucional de livre manifestação, pois não faz nenhum nexo do ponto de vista lógico. 
A primeira reação foi dizer: “Isso é uma estupidez”. Será? 
Até o porteiro do Supremo sabe perfeitamente que não há ditadura com liberdade de imprensa — ou se acaba com a imprensa livre logo no primeiro dia, ou nem adianta pensar em ditadura. 
A verdade, pelo que mostra a observação racional dos fatos, é que o STF não tomou nos últimos cinco anos uma única decisão a favor da liberdade de expressão — nem uma que seja. 
Fez exatamente o contrário. Dia após dia, tenta socar alguma nova medida de repressão ao direito de palavra dos cidadãos. 
Não tem conseguido tudo o que quer, mas sempre age na mesma direção: “Vamos continuar metendo terror em cima de quem quer falar o que pensa. Cada vez a gente ganha um espaço a mais”.  
Se nenhuma ditadura funciona com liberdade de imprensa, e se tudo o que o STF decide na prática é contra a liberdade de imprensa, qual seria a dedução mais simples? Moraes e seus colegas estão abrindo o caminho para o quê — mais democracia ou mais “cala boca”, como disse a ministra Lúcia?
 
A ministra, na única manifestação de sua carreira jurídica que tem alguma chance de merecer registro, disse que a censura não pode jamais ser admitida — mas, para a eleição presidencial de 2022, ela iria abrir uma exceção “até a segunda-feira, dia 31 de outubro”
Passou a segunda, a terça e mais um ano, e até agora a censura está aí. Não do tamanho que o STF gostaria, é claro
Mas Alexandre de Moraes está cuidando de “empurrar a história para a frente”, coisa que não se faz num dia só — e veio com mais um decreto para avançar no plano geral de deixar os meios de comunicação calados. 
Sua ideia, como se sabe, é responsabilizar os órgãos de imprensa pelo que as pessoas dizem nas entrevistas. 
Ou seja, uma autoridade pública, por exemplo, chama alguém de “ladrão”; o veículo que publicou isso pode ser processado por calúnia, injúria ou difamação. 
É censura, e censura prévia, através da ameaça. 
O que o ministro quer é que o jornal, a revista ou a emissora não publiquem entrevistas incômodas
Poderiam ser punidos com multas de R$ 1 milhão por hora, ao estilo STF. Alguém se habilita?

Até uma criança de 10 anos de idade sabe como isso vai funcionar. Um entrevistado “de esquerda”, por exemplo, pode falar o que quiser e não vai acontecer absolutamente nada.  
Pode dizer que o ex-presidente Jair Bolsonaro é ladrão de joias, racista, pedófilo, homofóbico e genocida, sem provar coisa nenhuma — e o entrevistador estará mais seguro que um ministro do STF em seu carro blindado. 
E o contrário? O contrário vai ser o contrário
A nova doutrina Moraes, se o Brasil fosse um país sério, criaria problemas sem solução. O presidente Barroso, por exemplo, disse o seguinte numa entrevista ao Roda Viva, em junho de 2020: “Não acho que a Lava Jato foi a ‘criminalização da política’. O que houve na Petrobras foi crime mesmo”. 
Como fica, então? 
A TV Cultura não fez a checagem” das informações que o ministro Moraes passou a exigir dos entrevistadores. Na verdade, não fez o menor esforço para issoe nem poderia, humanamente, fazer nada, levando-se em conta que a entrevista foi ao vivo. 
Não houve, enfim, o “dever de cuidado” — obrigação que não existe em lei nenhuma, mas que o STF dá a impressão de ter criado.

Os ministros do STF contam, em seu esforço para estatizar a liberdade, com o apoio intransigente da maioria da mídia — jornalistas e donos de veículos que não têm competência, nem energia, nem interesse em decidir o que vai ser publicado nas suas páginas e nas suas transmissões

A emissora, nesse caso, poderia ser condenada por ter colocado no ar a afirmação de que a Petrobras dos governos Lula-Dilma cometeu “crime”? E se não puder “provar” as acusações feitas por Barroso? Como o próprio ministro Moraes criou o “flagrante perpétuo”, a entrevista de 2020 pode complicar a vida da Cultura em 2023. 
O que Alexandre de Moraes sugere, então, que a emissora (ou o próprio Barroso) faça? 
Não tem pé nem cabeça — mas o Brasil do STF não é um país sério, e as coisas não precisam ter pé e cabeça. 
Na verdade, é cada vez mais inútil solicitar que os ministros tomem decisões com nexo, ou relacionadas de alguma forma com o que está na lei. Moraes não vai fazer ou deixar de fazer nada por motivos de lógica; ele tem propósitos, e, se a lógica estiver atrapalhando, pior para a lógica. Também não tem nenhum interesse em debates jurídicos sobre o espírito da lei. É legal? É ilegal? Tanto faz — não vamos, agora, ficar perdendo tempo com essas miudezas quando o Brasil precisa ser salvo para a democracia. 
Naturalmente, a democracia é o que Moraes, Barroso, Gilmar Mendes e Flávio Dino decidem que ela é. O resto é “bolsonarismo”.

O STF não está interessado em lei nenhuma. Está interessado, nesse caso das entrevistas, em fazer censura; no resto, o que quer mesmo é impor ao Brasil um novo regime em parceria com Lula, o Alto Comando do Exército e a tropa de gatos gordos que se pendura no Tesouro Nacional
É um consórcio para governar o país sem necessidade de Congresso (“pigmeus morais”, segundo Gilmar), sem eleições (só com o TSE) e sobretudo sem o povo brasileiro, com os seus 60 milhões de “fascistas” que tanto perturbam o presidente Barroso em sua encarnação atual
É isso: nenhuma outra opção é válida. Não importa, assim, se o novo decreto do ministro Moraes vai “pegar” ou não; ele vai tentar de novo, e de novo, e sempre. 
Tudo o que decidem é na mesma direção; porque iriam mudar, em matéria de censura ou de qualquer outro assunto? Seu único objetivo para valer é um Brasil com liberdade estritamente controlada, como se faz na aplicação de cortisona na veia — é o STF e mais ninguém que decide a dose correta. 
Moraes já chamou a prisão de um dos indiciados em seu inquérito de “flexibilização do direito de ir e vir”. O que estão fazendo agora é a flexibilização da liberdade de imprensa.
 
A máquina do governo Lula, naturalmente, foi posta a serviço de Alexandre de Moraes e do STF na repressão ao direito de livre expressão. 
Seu mais recente ato foi assinar um acordo com o presidente da Agência Nacional de Telecomunicações para “agilizar a remoção de fake news do ar”. Agora, em vez de serem enviadas por oficiais de Justiça, as determinações de retirada do ar de sites acusados de disseminar de informações prejudiciais ao processo eleitoral será feita eletronicamente. O objetivo, segundo o presidente da Anatel, é “proteger o eleitor e as eleições”.
 
Os ministros do STF contam, em seu esforço para estatizar a liberdade, com o apoio intransigente da maioria da mídia — jornalistas e donos de veículos que não têm competência, nem energia, nem interesse em decidir o que vai ser publicado nas suas páginas e nas suas transmissões. 
Trata-se, tanto quanto parece, de um fenômeno inédito desde a invenção da máquina de imprimir, quase 600 anos atrás: pela primeira vez, o principal inimigo da liberdade de imprensa não é a polícia — e sim os próprios jornalistas. Não é, nem de longe, coisa só do Brasil. Como em quase tudo, isso aqui é um dos últimos lugares aonde as novidades chegam: a rebelião contra a liberdade começou nos Estados Unidos, na Europa e no resto do mundo desenvolvido, e continua à toda por lá. Seja como for, o fato é que o comunicador brasileiro padrão, hoje em dia, é um dos grandes defensores da censura — que chamam de “controle social dos meios de comunicação”, como Lula e o STF. Seu sonho seria transformar toda a imprensa brasileira num veículo único, com notícias iguais e a mesma opinião, para sempre, numa espécie de grande Pravda tropical.
 
Lembra-se do “consórcio” para a publicação de notícias sobre o número de mortos da covid-19?  
Então: a covid-19 acabou, mas um noticiário fornecido exclusivamente por “fontes confiáveis” e submetido a uma posição comum para todo mundo, sem competição entre os veículos, é a situação que a maior parte dos jornalistas considera ideal. 
Acham que isso deve ser feito com um propósito nobre — evitar a publicação de “notícias falsas”, sem falar no combate ao “discurso do ódio”, aos “atos golpistas” e ao “bolsonarismo” em geral. O que querem mesmo é o pensamento único. 
Apurar com profissionalismo as informações, eliminar o que é falso e ficar com os fatos objetivos é o dever fundamental do jornalismo; quando abre mão dessa tarefa, e entrega a definição da verdade a comitês que não têm a capacidade, nem a intenção, de fazer isso, o jornalista está abandonando a sua profissão. 
Vira um agente de propaganda de quem manda na máquina estatal ou de facções ideológicas — da “inclusão”, da “igualdade”, da escolha de sexo para crianças de três anos de idade, do “Black Lives Matter”, da “crise do clima”, e por aí afora.

Um retrato em alta definição dessa maneira de se tratar a liberdade foi fornecido há pouco num seminário sobre a necessidade de estabelecer a lei e a ordem sobre as redes sociais. Um jornalista do New York Times, na sua palestra, disse que as grandes plataformas da internet viciam os leitores e, por causa disso, deveriam ser reguladas como “a indústria de cigarros”.  
No seu entender, os algoritmos utilizados pelas grandes empresas da área são destinados a fazer com que o usuário passe o máximo de tempo possível ligado na plataforma — onde estará condenado a receber, segundo ele, uma “visão de mundo deliberadamente distorcida”.  
O público não teria como se defender, porque a navegação na internet cria uma dependência física. “Sabemos por meio de estudos neurológicos que estar nas mídias sociais produz uma resposta química no corpo”, afirmou. Seria, de acordo com o jornalista, um “feedback háptico”, como nas máquinas caça-níqueis dos cassinos. Não se cogita, aí, que a suposta dependência da internet possa ser mais um hábito dos seres humanos dentro do avanço geral da civilização — as pessoas também são viciadas, ou dependentes, da luz elétrica, da água encanada e do telefone celular. 
O que se combate, no STF e entre os jornalistas, não são as enzimas e as reações hápticas. É o vício da liberdade. 

Leia também “Lula não está interessado em paz”ou dependentes, da luz elétrica, da água encanada e do telefone celular. O que se combate, no STF e entre os jornalistas, não são as enzimas e as reações hápticas. É o vício da liberdade.