Revista Oeste
Os ministros do Supremo estão convencidos de que a
liberdade só pode ser usada pelos cidadãos se for concedida pelo STF
Foto: Shutterstock
O ministro Alexandre de Moraes e os seus colegas de Supremo
Tribunal Federal, com o apoio encantado da maior parte da imprensa brasileira,
estão metidos numa missão impossível.
Querem eliminar, através de despachos do
STF e da força armada do governo, o princípio segundo o qual a liberdade é uma
conquista da civilização humana — como a álgebra, ou a palavra escrita, ou o
direito à vida.
Decretaram que a liberdade é algo que pertence com
exclusividade ao Estado, como o direito único de imprimir moeda, por exemplo,
ou de passar escrituras de compra e venda de imóveis.
Mais precisamente, estão
convencidos de que a liberdade só pode ser usada pelos cidadãos se for
concedida pelo STF, sob a orientação técnica da faculdade particular de Direito
do ministro Gilmar Mendes, o IDP de Brasília.
Não é um direito que todo ser
humano recebe ao nascer.
Para os ministros, e os seus sócios no consórcio
Lula-STF, a liberdade é um bem tão precioso que tem de ser rigorosamente
racionado.
É uma das ideias fixas do ministro Moraes, do presidente Barroso e,
agora, do seu futuro colega Flávio Dino, para quem o conceito da liberdade de
expressão, como ela tem sido entendida nos últimos 300 anos, “acabou no
Brasil”.
A encíclica mais recente do ministro Moraes sobre a
liberdade de imprensa é um fenômeno sobrenatural — só pode ser entendida como
um ataque deliberado ao direito constitucional de livre manifestação, pois não
faz nenhum nexo do ponto de vista lógico.
A primeira reação foi dizer: “Isso é
uma estupidez”. Será?
Até o porteiro do Supremo sabe perfeitamente que não há
ditadura com liberdade de imprensa — ou se acaba com a imprensa livre logo no
primeiro dia, ou nem adianta pensar em ditadura.
A verdade, pelo que mostra a
observação racional dos fatos, é que o STF não tomou nos últimos cinco anos uma
única decisão a favor da liberdade de expressão — nem uma que seja.
Fez
exatamente o contrário. Dia após dia, tenta socar alguma nova medida de
repressão ao direito de palavra dos cidadãos.
Não tem conseguido tudo o que
quer, mas sempre age na mesma direção: “Vamos continuar metendo terror em cima
de quem quer falar o que pensa. Cada vez a gente ganha um espaço a mais”.
Se
nenhuma ditadura funciona com liberdade de imprensa, e se tudo o que o STF
decide na prática é contra a liberdade de imprensa, qual seria a dedução mais
simples? Moraes e seus colegas estão abrindo o caminho para o quê — mais
democracia ou mais “cala boca”, como disse a ministra Lúcia?
A ministra, na única manifestação de sua carreira jurídica
que tem alguma chance de merecer registro, disse que a censura não pode jamais
ser admitida — mas, para a eleição presidencial de 2022, ela iria abrir uma
exceção “até a segunda-feira, dia 31 de outubro”.
Passou a segunda, a terça e
mais um ano, e até agora a censura está aí. Não do tamanho que o STF gostaria,
é claro.
Mas Alexandre de Moraes está cuidando de “empurrar a história para a
frente”, coisa que não se faz num dia só — e veio com mais um decreto para avançar
no plano geral de deixar os meios de comunicação calados.
Sua ideia, como se
sabe, é responsabilizar os órgãos de imprensa pelo que as pessoas dizem nas
entrevistas.
Ou seja, uma autoridade pública, por exemplo, chama alguém de
“ladrão”; o veículo que publicou isso pode ser processado por calúnia, injúria
ou difamação.
É censura, e censura prévia, através da ameaça.
O que o ministro
quer é que o jornal, a revista ou a emissora não publiquem entrevistas
incômodas.
Poderiam ser punidos com multas de R$ 1 milhão por hora, ao estilo
STF. Alguém se habilita?
Até uma criança de 10 anos de idade sabe como isso vai
funcionar. Um entrevistado “de esquerda”, por exemplo, pode falar o que quiser
e não vai acontecer absolutamente nada.
Pode dizer que o ex-presidente Jair
Bolsonaro é ladrão de joias, racista, pedófilo, homofóbico e genocida, sem
provar coisa nenhuma — e o entrevistador estará mais seguro que um ministro do
STF em seu carro blindado.
E o contrário? O contrário vai ser o contrário.
A
nova doutrina Moraes, se o Brasil fosse um país sério, criaria problemas sem
solução. O presidente Barroso, por exemplo, disse o seguinte numa entrevista ao
Roda Viva, em junho de 2020: “Não acho que a Lava Jato foi a ‘criminalização da
política’. O que houve na Petrobras foi crime mesmo”.
Como fica, então?
A TV
Cultura não fez a “checagem” das informações que o ministro Moraes passou a
exigir dos entrevistadores. Na verdade, não fez o menor esforço para isso — e
nem poderia, humanamente, fazer nada, levando-se em conta que a entrevista foi
ao vivo.
Não houve, enfim, o “dever de cuidado” — obrigação que não existe em
lei nenhuma, mas que o STF dá a impressão de ter criado.
Os ministros do STF contam, em seu esforço para estatizar a
liberdade, com o apoio intransigente da maioria da mídia — jornalistas e donos
de veículos que não têm competência, nem energia, nem interesse em decidir o
que vai ser publicado nas suas páginas e nas suas transmissões
A emissora, nesse caso, poderia ser condenada por ter
colocado no ar a afirmação de que a Petrobras dos governos Lula-Dilma cometeu
“crime”? E se não puder “provar” as acusações feitas por Barroso? Como o
próprio ministro Moraes criou o “flagrante perpétuo”, a entrevista de 2020 pode
complicar a vida da Cultura em 2023.
O que Alexandre de Moraes sugere, então,
que a emissora (ou o próprio Barroso) faça?
Não tem pé nem cabeça — mas o
Brasil do STF não é um país sério, e as coisas não precisam ter pé e cabeça.
Na
verdade, é cada vez mais inútil solicitar que os ministros tomem decisões com
nexo, ou relacionadas de alguma forma com o que está na lei. Moraes não vai
fazer ou deixar de fazer nada por motivos de lógica; ele tem propósitos, e, se
a lógica estiver atrapalhando, pior para a lógica. Também não tem nenhum
interesse em debates jurídicos sobre o espírito da lei. É legal? É ilegal?
Tanto faz — não vamos, agora, ficar perdendo tempo com essas miudezas quando o
Brasil precisa ser salvo para a democracia.
Naturalmente, a democracia é o que
Moraes, Barroso, Gilmar Mendes e Flávio Dino decidem que ela é. O resto é
“bolsonarismo”.
O STF não está interessado em lei nenhuma. Está
interessado, nesse caso das entrevistas, em fazer censura; no resto, o que quer
mesmo é impor ao Brasil um novo regime em parceria com Lula, o Alto Comando do
Exército e a tropa de gatos gordos que se pendura no Tesouro Nacional.
É um
consórcio para governar o país sem necessidade de Congresso (“pigmeus morais”,
segundo Gilmar), sem eleições (só com o TSE) e sobretudo sem o povo brasileiro,
com os seus 60 milhões de “fascistas” que tanto perturbam o presidente Barroso
em sua encarnação atual.
É isso: nenhuma outra opção é válida. Não importa,
assim, se o novo decreto do ministro Moraes vai “pegar” ou não; ele vai tentar
de novo, e de novo, e sempre.
Tudo o que decidem é na mesma direção; porque
iriam mudar, em matéria de censura ou de qualquer outro assunto? Seu único
objetivo para valer é um Brasil com liberdade estritamente controlada, como se
faz na aplicação de cortisona na veia — é o STF e mais ninguém que decide a
dose correta.
Moraes já chamou a prisão de um dos indiciados em seu inquérito
de “flexibilização do direito de ir e vir”. O que estão fazendo agora é a
flexibilização da liberdade de imprensa.
A máquina do governo Lula, naturalmente, foi posta a
serviço de Alexandre de Moraes e do STF na repressão ao direito de livre
expressão.
Seu mais recente ato foi assinar um acordo com o presidente da
Agência Nacional de Telecomunicações para “agilizar a remoção de fake news do
ar”. Agora, em vez de serem enviadas por oficiais de Justiça, as determinações
de retirada do ar de sites acusados de disseminar de informações prejudiciais
ao processo eleitoral será feita eletronicamente. O objetivo, segundo o
presidente da Anatel, é “proteger o eleitor e as eleições”.
Os ministros do STF contam, em seu esforço para estatizar a
liberdade, com o apoio intransigente da maioria da mídia — jornalistas e donos
de veículos que não têm competência, nem energia, nem interesse em decidir o
que vai ser publicado nas suas páginas e nas suas transmissões.
Trata-se, tanto
quanto parece, de um fenômeno inédito desde a invenção da máquina de imprimir,
quase 600 anos atrás: pela primeira vez, o principal inimigo da liberdade de
imprensa não é a polícia — e sim os próprios jornalistas. Não é, nem de longe,
coisa só do Brasil. Como em quase tudo, isso aqui é um dos últimos lugares
aonde as novidades chegam: a rebelião contra a liberdade começou nos Estados
Unidos, na Europa e no resto do mundo desenvolvido, e continua à toda por lá.
Seja como for, o fato é que o comunicador brasileiro padrão, hoje em dia, é um
dos grandes defensores da censura — que chamam de “controle social dos meios de
comunicação”, como Lula e o STF. Seu sonho seria transformar toda a imprensa
brasileira num veículo único, com notícias iguais e a mesma opinião, para
sempre, numa espécie de grande Pravda tropical.
Lembra-se do “consórcio” para a publicação de notícias
sobre o número de mortos da covid-19?
Então: a covid-19 acabou, mas um
noticiário fornecido exclusivamente por “fontes confiáveis” e submetido a uma
posição comum para todo mundo, sem competição entre os veículos, é a situação
que a maior parte dos jornalistas considera ideal.
Acham que isso deve ser
feito com um propósito nobre — evitar a publicação de “notícias falsas”, sem
falar no combate ao “discurso do ódio”, aos “atos golpistas” e ao
“bolsonarismo” em geral. O que querem mesmo é o pensamento único.
Apurar com
profissionalismo as informações, eliminar o que é falso e ficar com os fatos
objetivos é o dever fundamental do jornalismo; quando abre mão dessa tarefa, e
entrega a definição da verdade a comitês que não têm a capacidade, nem a
intenção, de fazer isso, o jornalista está abandonando a sua profissão.
Vira um
agente de propaganda de quem manda na máquina estatal ou de facções ideológicas
— da “inclusão”, da “igualdade”, da escolha de sexo para crianças de três anos
de idade, do “Black Lives Matter”, da “crise do clima”, e por aí afora.
Um retrato em alta definição dessa maneira de se tratar a
liberdade foi fornecido há pouco num seminário sobre a necessidade de
estabelecer a lei e a ordem sobre as redes sociais. Um jornalista do New York
Times, na sua palestra, disse que as grandes plataformas da internet viciam os
leitores e, por causa disso, deveriam ser reguladas como “a indústria de
cigarros”.
No seu entender, os algoritmos utilizados pelas grandes empresas da
área são destinados a fazer com que o usuário passe o máximo de tempo possível
ligado na plataforma — onde estará condenado a receber, segundo ele, uma “visão
de mundo deliberadamente distorcida”.
O público não teria como se defender,
porque a navegação na internet cria uma dependência física. “Sabemos por meio
de estudos neurológicos que estar nas mídias sociais produz uma resposta
química no corpo”, afirmou. Seria, de acordo com o jornalista, um “feedback
háptico”, como nas máquinas caça-níqueis dos cassinos. Não se cogita, aí, que a
suposta dependência da internet possa ser mais um hábito dos seres humanos
dentro do avanço geral da civilização — as pessoas também são viciadas, ou
dependentes, da luz elétrica, da água encanada e do telefone celular.
O que se
combate, no STF e entre os jornalistas, não são as enzimas e as reações
hápticas. É o vício da liberdade.
Leia também “Lula
não está interessado em paz”ou dependentes, da luz elétrica, da água encanada e do telefone celular. O que se combate, no STF e entre os jornalistas, não são as enzimas e as reações hápticas. É o vício da liberdade.
Leia também “Lula não está interessado em paz”
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