Alexandre Garcia
Embaixadores que estiveram na reunião com Bolsonaro ficaram surpresos com a denúncia do PDT. Alguns me disseram que não viram crime algum na atitude do então presidente da República
Leonel Brizola botou a boca no mundo quando percebeu que a contagem
eletrônica dos votos, feita pela Proconsult, contratada pelo TRE,
poderia conduzir à vitória de Moreira Franco, em 1982.
A denúncia do
risco de alteração dos resultados teria interrompido um processo de
fraude e garantido a Brizola o governo do Rio de Janeiro. O episódio
serviu para deixar o PDT com um pé atrás em relação à contagem
informatizada.
Em 2001, o PDT de Brizola uniu-se ao projeto do senador
Roberto Requião (PMDB-PR) por comprovante do voto. Virou lei sancionada
por FHC. Mas a Justiça Eleitoral pressionou, e a lei foi revogada em
2003.
Em 2009, os deputados Flavio Dino e Brizola Neto propuseram nova
lei de comprovante, que foi aprovada e sancionada por Lula, mas revogada
pelo Supremo. Projeto do deputado Bolsonaro foi aprovado em 2015. Dilma
vetou, e o veto foi derrubado por 71% dos congressistas.
No entanto, o
Supremo suspendeu a lei, por oito votos, antes das eleições. Depois,
declarou-a inconstitucional, por unanimidade.
Em 2021, ainda se voltou
ao assunto, com o apoio do PDT de Carlos Lupi e Ciro Gomes, mas acabou
arquivado.
Agora, o tema volta à discussão no TSE, provocado por ação
contra Bolsonaro por iniciativa — creiam — do PDT.
É questão
atualíssima, já que ano que vem temos eleições municipais.
O PDT denunciou Bolsonaro por abuso de poder político e
econômico, acusando-o de crime eleitoral por ter convidado embaixadores
credenciados no Brasil para uma conversa no Palácio da Alvorada.
A
conversa versava sobre riscos da contagem eletrônica pela ausência de um
comprovante impresso do voto digital.
]Se a denúncia tivesse sido feita
por outro partido, não seria de estranhar. Mas é irônico que tenha
partido do PDT, que teria tudo para honrar a memória de seu líder e
nunca mais querer o risco de um caso como o Proconsult.
Embaixadores que estiveram na reunião com Bolsonaro
ficaram surpresos com a denúncia do PDT. Alguns me disseram que não
viram crime algum na atitude do então presidente da República.
Que eles,
embaixadores, atenderam ao convite pelo mesmo motivo com que aceitaram
ir ao TSE para ouvir o então presidente da Justiça Eleitoral, Edson
Fachin, expressar suas preocupações sobre a aceitação dos resultados da
eleição presidencial.
Na missão desses diplomatas está a de acompanhar o
sistema de voto de um dos maiores eleitorados do mundo, num país de
grande importância estratégica. É tarefa dos embaixadores relatar aos
seus governos o andamento de um processo eleitoral para que seja
avaliada a legitimidade dos resultados. Assim, se houve crime eleitoral
no encontro do Alvorada, os embaixadores seriam todos cúmplices.
Sobre o julgamento no TSE, bolsonaristas escrevem nas
redes sociais que foi decidido antecipadamente fazer Bolsonaro carregar a
cruz e ser crucificado. Torná-lo inelegível por oito anos é aplicar
nele o que foi omitido na condenação de Dilma quando, à revelia do
parágrafo único do artigo 52 da Constituição, ela não ficou inelegível
por oito anos, no julgamento do Senado, conduzido pelo presidente do
Supremo. Por medo da força eleitoral de Bolsonaro, torná-lo inelegível,
crucificá-lo, como dizem os bolsonaristas, podem converter num Cristo
alguém que já é Messias no nome.
Como na facada, podem turbinar
Bolsonaro como um líder sem poder receber voto, mas com poder de voto
ainda maior.
Um resultado que pode ser de ganha-ganha para o
ex-presidente.
Não podendo ser eleito, e já tendo eleito tantos, ganha
ressurreição como o grande eleitor.
Alexandre Garcia, colunista - Correio Braziliense