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sexta-feira, 21 de junho de 2019

Não ao crime e ao abuso

Após diálogos de Moro com procuradores, a lei de abuso de autoridade volta à pauta

Efeito colateral dos diálogos do então juiz Sérgio Moro e procuradores da Lava Jato: o Legislativo se une a parte do Judiciário para recolocar na agenda nacional a nova lei contra o abuso de autoridade, ou seja, contra excessos de agentes públicos. A proposta, que andava adormecida, ressurgiu do nada na pauta do Senado na semana passada.  Se o presidente Jair Bolsonaro, seus filhos e o “grupo ideológico” do governo se jogam numa cruzada “antissistema”, o que era mais do que natural aconteceu: o “sistema” se articulou e está pronto não apenas para a autodefesa como também para o ataque. Como “sistema”, leia-se as instituições, à frente o Judiciário e o Legislativo.

Em intensas conversas e negociações políticas, naturais e legítimas em democracias, os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, do Senado, Davi Alcolumbre, e do Supremo, Dias Toffoli, estão em ação. Pode não ser coincidência a derrota pessoal de Bolsonaro na votação do decreto das armas, nem a reapresentação do projeto de abuso de autoridade. Cada um tem um papel: Maia é o centro das articulações e atua como porta-voz nos embates públicos com Bolsonaro e o governo. Toffoli, o mais político, ops!, o mais habilidoso dos três, mantém as pontes com o Planalto. Alcolumbre aderiu firmemente e, não por acaso, as novas surpresas para Bolsonaro partem do Senado.

A lei do abuso de autoridade sofreu o mesmo processo da reforma da Previdência: ambos foram recebidos inicialmente com enorme resistência, quando retomados há dois, três anos, mas vêm sendo mais e mais assimilados e já não parecem um bicho-papão. Antes, como hoje, há dúvidas quanto à oportunidade, ou ao oportunismo, da proposta contra o abuso. Primeiro, foi tratada como reação do meio político contra as dez medidas de combate à corrupção lideradas pelo procurador Deltan Dallagnol e pela Lava Jato. Foi parar na gaveta, mas não morreu, estava só dormitando.  Agora, a questão volta pelas mãos de Alcolumbre, já com setores que são alvo direto das futuras regras, como a Justiça, a Polícia Federal, o Ministério Público admitindo, ao menos, discuti-la. O problema é se a opinião pública e os alvos entenderem que a proposta só acordou agora para aproveitar, e aprofundar, a aparente fraqueza do agora ministro Moro e os ataques à Lava Jato. Aí, volta tudo à gaveta de novo.

Um dos cuidados já está acertado: o crime de hermenêutica está fora da proposta, ou seja, não será possível processar ou responsabilizar um juiz por suas sentenças, mesmo que elas sejam derrotadas em instâncias superiores, pela simples divergência de interpretação jurídica.  É difícil, mas o ideal seria a tramitação simultânea no Congresso tanto do pacote anticrime de Moro, que parte do mundo político vê com desconfiança, quanto do projeto do abuso de autoridade, que, aí, é a força-tarefa e os empenhados na Lava Jato que têm restrições e temores.

Em resumo, é preciso efetivamente aperfeiçoar os mecanismos de combate à corrupção e ao crime organizado, mas é também necessário evitar excessos de autoridades e que qualquer agente da lei se sinta acima da lei. O inferno está cheio de boas intenções, não é mesmo?  Como diz o ministro Gilmar Mendes, “não se combate o crime cometendo outro crime”. A Lava Jato é um ganho incomensurável para o Brasil e, ao mesmo tempo, é preciso respeitar a Constituição, as leis e as regras. Todo o respeito e admiração a quem combate a corrupção, mas dentro da lei, jamais com abusos.

Eliane Cantanhêde - O Estado de S. Paulo


quinta-feira, 27 de abril de 2017

Abuso de autoridade

Abuso de autoridade, “imbecil coletivo de direita” e vigaristas

Texto do Senado não tem como ser descaracterizado na Câmara. Por que não? Porque os senadores podem simplesmente resgatar o projeto que aprovaram

A Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou por unanimidade e o plenário da Casa por ampla maioria — 59 a 17 — o projeto que muda a lei que pune abuso de autoridade. O resultado da votação e o texto final, que vai seguir para a Câmara, evidenciaram, sem reservas ou dúvidas, a má-fé dos críticos do texto, aí incluídos membros do Ministério Público, do Judiciário e, para não variar, da direita xucra. Ora vejam que graça! Esta já pode escolher um novo líder espiritual: o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP). O ex-psolista e os xucros falavam a mesma coisa sobre o projeto.

E não! O texto aprovado no Senado não tem como ser descaracterizado na Câmara. Se essa Casa fizer alguma mudança, o projeto volta para o Senado. Se houver uma agressão àquilo que foi originalmente votado, os senadores podem simplesmente resgatar o texto por eles aprovado e enviá-lo à sanção presidencial. O diabo é que os “militontos” não estudam. Se for para malhar os políticos, afirmam o que lhe der no… Facebook! Já foi o tempo de tirar ideias tortas da própria cachola. Agora, quem pensa é o — com a devida vênia, hein, Olavão! — “imbecil coletivo”. Só que ele ganhou uma versão de direita! Adiante.

O trecho do texto em que se apontava o chamado “crime de hermenêutica” foi alterado. E por uma emenda do senador Antonio Anastasia (PSDB-MG), que está na lista de Rodrigo Janot, mais uma evidência da falácia de que os políticos estavam tentando livrar a própria cara e perseguir o MPF. Segundo o novo texto, fica estabelecido no Artigo 1º que “a divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas não configura, por si só, abuso de autoridade”. Segundo Roberto Requião (PMDB-PR), relator, ele atendeu a apelos de diversos senadores, que defendiam um consenso maior sobre essa matéria.

Na terça, Requião já havia aceitado mudar o Artigo 3ª do projeto, que permite que cidadãos comuns processem membros do Ministério Público. Neste caso, o senador reduziu de 12 para seis meses o prazo para que a ação seja proposta. O relator alterou seu parecer e adotou o mesmo texto do Código de Processo Penal.  Pronto! A pantomima precisa chegar ao fim, não é mesmo? O ator Thiago Lacerda já pode parar de se comportar como procurador, e o procurador Deltan Dallagnol — aquele que acha que o impeachment foi só uma tentativa de golpes na Lava Jato — já pode parar de se comportar como ator, estrela que é de sucessivos vídeos em que, desrespeitando a lei, propõe mobilizações contra o Senado.

Que fique claro: já não havia punição por “crime de hermenêutica”. Era uma mentira. Tratava-se apenas de uma forma de jogar pedra no projeto. O texto, como está, é satisfatório. Mas não pensem que vai contar com o apoio dos procuradores, não! Eles continuarão a fazer carga contra a projeto.  Não por acaso, Randolfe saiu-se com esta: “O texto, de fato, é melhor do que o anterior, mas ainda traz graves ameaças à atuação do Judiciário e do Ministério Público. E é inoportuno porque é um momento histórico que não encontra a necessidade desse debate nesse instante”.
Desafio o valente a demonstrar onde estão as graves ameaças.

Há mais
Atenção! Em qualquer versão, a autoridade que for processada só poderá ser denunciada pelo Ministério Público e julgada pelo Judiciário. Digam-me cá: os senhores procuradores e o senhores juízes não confiam nas instituições às quais pertencem e na lisura de seus pares? Convenham: para que se pudesse punir alguém por crime de hermenêutica, seria preciso contar com a colaboração de procuradores e juízes.
Não! Eu não escrevo essas coisas para convencer imbecis, individuais ou coletivos. Eu as escrevo para impedir que os bons sejam enganados por idiotas e vigaristas.

Fonte: Blog do Reinaldo Azevedo - VEJA