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quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

A verdade sobre o indulto



Artigo de *Torquato Jardim:

Benefício não depende de vontade judicial nem de alvitre do Ministério Público

Indulto é ato de clemência do presidente da República por expressa norma constitucional. Não depende de vontade judicial nem de alvitre do Ministério Público.

Assim, neste Natal, como em todo ano, o presidente da República editou decreto de indulto. As críticas severas que de pronto surgiram omitem valores e pressupostos fundamentais do instituto e dos critérios adotados. Imputam maliciosamente ao decreto propósitos até mesmo de ilicitude e manipulação. Nada mais longe da verdade. O primeiro a se dizer é que o decreto traça uma linha de corte absolutamente clara em 25 de dezembro de 2017. É óbvio, mas não custa reiterar: só condenados até esta data estarão enquadrados nas regras do indulto e terão sua penas perdoadas.

Afirmar, portanto, que o decreto beneficiará no futuro indivíduos hoje investigados, denunciados ou mesmo processados, esteja ele ou não ligado à Operação Lava Jato, configura ignorância ou má-fé.  Não há que se confundir Lava Jato com indulto. Não há qualquer relação de causa e efeito. Lava Jato é uma série de processos administrativos ou judiciais de investigação ora em curso ou na Polícia Federal ou no Ministério Público Federal. Processos sem conclusão, donde sem sentença judicial. Logo, processo administrativo da Lava Jato não é objeto de indulto. O indulto pressupõe decisão judicial – ainda que não definitiva.

Torquemadas contemporâneos, pseudomonopolistas da moral pública, levantaram a voz em ataque ao indulto com o argumento de que poucos são os bandidos comuns a serem beneficiados. Especificamente citam os 12% da população carcerária aprisionada por furto. Seriam esses os perdoados, já que o decreto exclui do perdão aqueles que cometeram crimes hediondos ou praticados mediante violência. Segundo dizem os críticos, o universo de beneficiados é pequeno, inexpressivo. Dizem aqui e ali que o objetivo real é beneficiar condenados por corrupção, perdoar crimes do colarinho branco.

Ocorre que, segundo a última edição do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias, disponível no website do Ministério da Justiça, há 73.781 presos por furto. Em tese, a depender do percentual da pena cumprida, são abraçados pelo indulto. Ao mesmo tempo, há 50 presos por corrupção passiva. Ao que se tem notícia, só um deles é alcançado pelo indulto. E, repito, o decreto limita o benefício a 25 de dezembro passado, a sombra de seu benefício não se estende sobre o presente ou o futuro.

Urge defendermos a ideia, como próprio do Estado Democrático de Direito, de que a norma do indulto deve ser abstrata e impessoal e tender à universalidade (princípio da isonomia). Pretender, como critério de inclusão ou exclusão do crime indultável, o de previamente alcançar este ou aquele indivíduo cuja perseguição serve ao discurso político é prática autoritária e de retorno ao arbítrio de um tempo que o Brasil rejeita e não aceita reviver.

A quebra dessa isonomia só se admite para prevalência de outros valores não menos essenciais à paz social. Por isso mesmo, ficam excluídos os que tenham praticado:  
- crimes de tortura; 
- hediondos ou a este equiparado; 
- tráfico de drogas; 
- violência contra militares e agentes de segurança pública; 
- abuso sexual, dentre outros. 

Ou ainda, por exemplo, os submetidos a regime disciplinar diferenciado ou incluídos no sistema penitenciário federal. Seja pela natureza do crime ou pela periculosidade do agente.

Assim reposto o bom senso, resta esperar que o debate se ponha em plano institucional – fiel aos conceitos legais estabelecidos e à tradição cultural da nossa gente. 

E, principalmente, despido de realismos fantásticos – apenas leal aos fatos concretos. 

*Torquato Jardim é Ministro da Justiça e Segurança Pública.