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quinta-feira, 18 de agosto de 2022

Alexandre de Moraes toma posse no TSE: talvez seja tudo exagero. Mas não é - VOZES

Paulo Polzonoff Jr.
 
Estava aqui pensando na felicidade algo histérica com que a esquerda e uns liberais ma non troppo acompanharam a posse de Alexandre de Moraes, El Grande Xerife de la Democracia, no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). 
Até escorreu uma lágrima. De raiva, mas ainda assim.
Por conta da Coroação, houve quem se prestasse ao papel de sommelier de aplauso, analisando a duração, o tom, o ritmo, o entusiasmo daqueles que ficaram com as mãos vermelhas de tanto prestar mesuras sonoras ao czar eleitoral. [um dos terrores causados por Saddam Hussein era nas reuniões do gabinetes,  em que mais de duas palavras, pronunciadas por Saddam, produziam calorosos, e demorados aplausos. 
As razões da demora era que qualquer um dos aplaudidores tinha medo de ser o primeiro a parar de aplaudir - demonstrava desrespeito ao tirano e a punição era IMPLACÁVEL - e medo de ser o último (poderia ser interpretado como deboche, com punição IMPLACÁVEL.]
 
A posse de Alexandre de Moraes no TSE foi marcada por elogios rasgados e aplausos entusiasmados. Mas o que ela prenuncia, afinal?| Foto: Antonio Augusto/Secom/TSE

Por coincidência, ao mesmo tempo em que uma jornalista exaltava a genialiade de Alexandre de Moraes e outro alguém se dizia com as esperanças democráticas renovadas (o que quer que signifique isso), apareceu em minha timeline uma frase atribuída a Simone Weil: “o futuro é feito da mesma matéria do presente”. Imediatamente pensei que, por lógica, o presente deve ser feito da mesma matéria que o passado. Isto é, de amor divino, mas também de homens falhos, de sofrimento e de soberba que sempre acompanha os tolos. Daí a começar a sentir o friozinho imaginário daquela Moscou de outubro de 1917 foi um pulo.

E não diga (ainda!) que é exagero. Talvez seja preguiça, mas não exagero. Afinal, poderia ter me esforçado um pouco mais, botado mais combustível na máquina do tempo e ido para a Paris de 1789. 
Mas calhou de ser Moscou e, sinceramente, estou levantando as mãos para o céu. Imagina se os neurônios resolvem se amotinar e me jogam na Pequim de 1949 ou na Havana de 1959! 
Tanto melhor que tenha sido num lugar onde, se eu deixar o cavanhaque crescer, posso ser até confundido com Lênin.

Por falar em Lênin, olha ele ali sobre o caixote, discursando para os camaradas. Ele fala em transformar o mundo, em proteger os pobres, em tornar a Rússia um lugar próspero e pacífico. É tudo mentira, mas quem liga?

(...)

Какое преувеличение!

Aplaudia e bajulava e chamava de “gênio” não só Lênin, mas também Trotsky, Stalin e vários outros líderes do segundo e terceiro escalão, todos com as mãos sujas de sangue. Rebeldes anônimos, burocratas com as facas nos dentes, cujas biografias marcadas pela nada espetaculosa perversidade cotidiana felizmente não chegou até nós. Também no глобус e na Лист de S. Павел da época havia defensores da liberdade e anticzaristas psicóticos que tinham certeza de que estavam “do lado certo da história”. E aqui talvez seja uma boa hora de explicar ao leitor que o lado certo e o lado vencedor da história nem sempre coincidem.

O que aconteceu com essa elite num primeiro momento apaixonada pelo humanismo puríssimo” da Revolução a gente sabe
Os que perceberam o erro a tempo deram um jeito de fugir. 
Os que insistiram no erro “só para ver no que vai dar” hoje jazem ao longo da ferrovia Transiberiana ou em covas coletivas abertas em lugares como Nazino
 
(...)
 
O cinema e a televisão carcomeram e pasteurizaram nosso imaginário, por isso muita gente só consegue conceber vilões absolutos ou revoluções comandadas por loucos de pedra dando aquela gargalhada espalhafatosa para a câmera. A realidade, infelizmente, é bem diferente disso. Não são raros os vilões que falam em democracia e até em amor cristão para justificar seus atos mais vis
E o mais louco à frente da Revolução sempre espera o dia seguinte à vitória para se livrar de quaisquer amarras morais que por ventura lhe restem.
 
O que vi na posse de Alexandre de Moraes no TSE foi um homem com um propósito, cercado por fãs cujos olhos brilham com essa fé macabra. Poucas coisas nesta vida me botam mais medo. 
Mas tomara que você e você e você (sim, você aí no fundo!) tenham razão e que tudo não passe de um (mais um) exagero de um cronista sem vergonha de se assumir como hiperbólico, hiperbolicíssimo.