Por coincidência, ao mesmo tempo em que uma jornalista exaltava a genialiade de
Alexandre de Moraes e outro alguém se dizia com as esperanças
democráticas renovadas (o que quer que signifique isso), apareceu em
minha timeline uma frase atribuída a Simone Weil:
“o futuro é feito da mesma matéria do presente”. Imediatamente pensei
que, por lógica, o presente deve ser feito da mesma matéria que o
passado. Isto é, de amor divino, mas também de homens falhos,
de sofrimento e de soberba que sempre acompanha os tolos. Daí a começar
a sentir o friozinho imaginário daquela Moscou de outubro de 1917 foi
um pulo.
E não diga (ainda!) que é exagero. Talvez
seja preguiça, mas não exagero. Afinal, poderia ter me esforçado um
pouco mais, botado mais combustível na máquina do tempo e ido para a
Paris de 1789. Mas calhou de ser Moscou e, sinceramente, estou levantando as mãos para
o céu. Imagina se os neurônios resolvem se amotinar e me jogam na
Pequim de 1949 ou na
Havana de 1959! Tanto melhor que tenha sido num lugar onde, se eu deixar o cavanhaque crescer, posso ser até confundido com Lênin.
Por
falar em Lênin, olha ele ali sobre o caixote, discursando para os
camaradas. Ele fala em transformar o mundo, em proteger os pobres, em
tornar a Rússia um lugar próspero e pacífico. É tudo mentira, mas quem
liga?
(...)
Какое преувеличение!
Aplaudia e bajulava e chamava de “gênio” não só Lênin, mas também Trotsky, Stalin
e vários outros líderes do segundo e terceiro escalão, todos com as
mãos sujas de sangue. Rebeldes anônimos, burocratas com as facas nos
dentes, cujas biografias marcadas pela nada espetaculosa perversidade
cotidiana felizmente não chegou até nós. Também no глобус e na Лист de
S. Павел da época havia defensores da liberdade e anticzaristas psicóticos
que tinham certeza de que estavam “do lado certo da história”. E aqui
talvez seja uma boa hora de explicar ao leitor que o lado certo e o lado
vencedor da história nem sempre coincidem.
O que
aconteceu com essa elite num primeiro momento apaixonada pelo “humanismo
puríssimo” da Revolução a gente sabe.
Os que perceberam o erro a tempo
deram um jeito de fugir.
Os que insistiram no erro
“só para ver no que
vai dar” hoje jazem ao longo da
ferrovia Transiberiana ou em covas
coletivas abertas em lugares como Nazino.
(...)
O
cinema e a televisão carcomeram e pasteurizaram nosso imaginário, por
isso muita gente só consegue conceber vilões absolutos ou revoluções
comandadas por loucos de pedra dando aquela gargalhada espalhafatosa
para a câmera. A realidade, infelizmente, é bem diferente disso.
Não são
raros os vilões que falam em democracia e até em amor cristão
para justificar seus atos mais vis.
E o mais louco à frente da
Revolução sempre espera o dia seguinte à vitória para se livrar de
quaisquer amarras morais que por ventura lhe restem.
O que vi na posse de Alexandre de Moraes
no TSE foi um homem com um propósito, cercado por fãs cujos olhos
brilham com essa fé macabra. Poucas coisas nesta vida me botam mais
medo.
Mas tomara que você e você e você (sim, você aí no fundo!) tenham
razão e que tudo não passe de um (mais um) exagero de um cronista sem
vergonha de se assumir como hiperbólico, hiperbolicíssimo.