Blog do Noblat
Ninguém pode ignorar o que seja “notável saber jurídico”
A mentira tem perna curta. O desembargador Kassio Nunes Marques certamente não imaginava seu curriculum vitae e seus escritos vasculhados e questionados pela imprensa. Teria ouvido palestras que apareceram como curso de pós-doutorado. De repente, seu conceito escapou pela janela da dissonância. A menos que o juiz piauiense indicado para a vaga do STF, no STF tenha se inspirado no ensaio de Brecht sobre “cinco maneiras de dizer a verdade”. A verdade de cada um. O momento poderia ser usado para reforçar sua bagagem acadêmica.
Ocorre que o STF é a nossa mais alta corte, a ser composto por quadros de boa envergadura. É inimaginável pensar que teria dito que, para ser membro do Supremo, não é necessário ser advogado, mas pessoa de caráter ilibado. Deve ter se valido desse artigo da CF:
“Art. 101. O Supremo Tribunal Federal compõe-se de onze Ministros, escolhidos dentre cidadãos com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada.
Parágrafo único. Os Ministros do Supremo Tribunal Federal serão nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal.”
Nessa polêmica, entra o caso de Cândido Barata Ribeiro, médico, baiano e prefeito do Rio de Janeiro de 1892 a 1893. Foi ministro por 10 meses e 4 dias. Ora, o mundo mudou. Ninguém pode ignorar o que seja “notável saber jurídico”. Que se adquire no curso de Direito. [com o devido respeito: NEM SEMPRE - em muitos casos o curso de Direito não é o caminho para o notável saber jurídico;
aliás, certamente não é o caminha único, sendo uma das partes, não a mais importante, daquele caminho.] Uma exceção a esta obviedade enfureceria o tribuno da Advocacia, Rui Barbosa. A sapiência é, por excelência, o valor matricial do juiz, bem mais que domínio de conhecimento. O uso do saber e um exaustivo exercício de hermenêutica jurídica. Lembre-se a lição de Francis Bacon (Ensaios, 1597): “o Juiz deve preparar o caminho para uma justa sentença, como Deus costuma abrir seu caminho elevando os vales e abaixando montanhas”.
A justa sentença é a luz que guia a decisão do juiz. Infelizmente, muitas vezes, essa luz é tênue ou está apagada. Sinaliza que algo mexeu com a intenção originária do juiz. Por isso, Têmis, a deusa da Justiça, nem sempre faz bom uso da balança e da espada. Sob essa abordagem, parece fora de tom dizer que, mais adiante, será inserido na mais alta Corte do país um ministro “terrivelmente evangélico”.
Por que a opção por identidade religiosa?
Não há ministro religioso no Supremo ou os que lá estão são todos “católicos”?
O presidente joga no lixo o preceito do Cristo: “daí a César o que é de Cesar e a Deus o que é de Deus”.
Se assim for, as seitas afro-brasileiras poderão reivindicar um representante, sob a indignação dos evangélicos, que elegem bancadas no Congresso. Não haverá surpresa se o dízimo virar contribuição legal para confirmação religiosa. O doador receberá uma carteira de dizimista e a promessa de um lugar privilegiado na fila dos Céus. O desembargador Kassio não calculou o tamanho da confusão. Dados de sua trajetória questionados, verdades inconvenientes no Senado, decisões que poderão arranhar sua imagem, polêmica com base bolsonarista e a maldição evangélica. A deusa Têmis, com uma venda sobre os olhos, deve estar morrendo de rir.