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domingo, 11 de outubro de 2020

A deusa Têmis morre de rir, por Gaudêncio Torquato

Blog do Noblat

Ninguém pode ignorar o que seja “notável saber jurídico”  

A mentira tem perna curta. O desembargador Kassio Nunes Marques certamente não imaginava seu curriculum vitae e seus escritos vasculhados e questionados pela imprensa. Teria ouvido palestras que apareceram como curso de pós-doutorado. De repente, seu conceito escapou pela janela da dissonância. A menos que o juiz piauiense indicado para a vaga do STF,   no STF tenha se inspirado no ensaio de Brecht sobre “cinco maneiras de dizer a verdade”. A verdade de cada um. O momento poderia ser usado para reforçar sua bagagem acadêmica.

Ocorre que o STF é a nossa mais alta corte, a ser composto por quadros de boa envergadura. É inimaginável pensar que teria dito que, para ser membro do Supremo, não é necessário ser advogado, mas pessoa de caráter  ilibado. Deve ter se valido desse artigo da CF: 
“Art. 101. O Supremo Tribunal Federal compõe-se de onze Ministros, escolhidos dentre cidadãos com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco   anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada.
Parágrafo único. Os Ministros do Supremo Tribunal Federal serão nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal.”

Nessa polêmica, entra o caso de Cândido Barata Ribeiro, médico, baiano e prefeito do Rio de Janeiro de 1892 a 1893. Foi ministro por 10 meses e 4 dias. Ora, o mundo mudou. Ninguém pode ignorar o que seja “notável saber jurídico”. Que se adquire no curso de Direito. [com o devido respeito: NEM SEMPRE - em muitos casos o curso de Direito não é o caminho  para o notável saber jurídico; 
aliás, certamente não é o caminha único, sendo uma das partes, não a mais importante, daquele caminho.] Uma exceção a esta obviedade enfureceria o tribuno da Advocacia, Rui Barbosa. A sapiência é, por excelência, o valor matricial do juiz, bem mais que domínio de conhecimento. O uso do saber e um exaustivo exercício de hermenêutica jurídica. Lembre-se a lição de Francis Bacon  (Ensaios, 1597): “o Juiz deve preparar o caminho para uma justa sentença, como Deus costuma abrir seu caminho elevando os vales e abaixando montanhas”. 

A justa sentença é a luz que guia a decisão do juiz. Infelizmente, muitas vezes, essa luz é tênue ou está apagada. Sinaliza que algo mexeu com a intenção originária do juiz. Por isso, Têmis, a deusa  da Justiça, nem sempre faz bom uso da balança e da espada. Sob essa abordagem, parece fora de tom dizer que, mais adiante, será inserido na mais alta Corte do país um ministro “terrivelmente evangélico”
Por que a opção por identidade religiosa? 
Não há ministro religioso no Supremo ou os que lá estão são todos “católicos”
O presidente joga no lixo o preceito do Cristo: “daí a César o que  é de Cesar e a Deus o que é de Deus”.

Se assim for, as seitas afro-brasileiras poderão reivindicar um representante, sob a indignação dos evangélicos, que elegem bancadas no Congresso. Não haverá surpresa se o dízimo virar contribuição legal para confirmação religiosa. O doador receberá uma carteira de dizimista e a promessa de um lugar privilegiado na fila dos  Céus.  O desembargador Kassio não calculou o tamanho da confusão. Dados de sua trajetória questionados, verdades inconvenientes no Senado, decisões que poderão arranhar sua imagem, polêmica com  base bolsonarista e a maldição evangélica. A deusa Têmis, com uma venda sobre os olhos, deve estar morrendo de rir.

Blog do Noblat - Ricardo Noblat, jornalista - VEJA

 

quarta-feira, 7 de outubro de 2020

Por que Kassio Nunes não pode ser ministro do Supremo

Blog do Noblat 

O que a Constituição exige

O desembargador Kassio Nunes Marques, nomeado pelo presidente Jair Bolsonaro para ministro do Supremo Tribunal Federal, disse ontem a um grupo de senadores, em conversa reservada, que já sabe como driblar os efeitos deletérios da descoberta de que seu currículo está repleto de falsos títulos.

Segundo ele, a Constituição não exige do indicado que seja formado em Direito. Basta que tenha mais de 35 anos, menos de 65, e reputação ilibada. [e notável saber jurídico]. Usará desse argumento para defender-se nos próximos dias. Esqueceu-se de dizer que a Constituição exige também “notável saber jurídico”. E aí está o nó. Ou deveria estar.

“Notável”, segundo os dicionários, é toda pessoa renomada, destacada e famosa por suas obras ou seus feitos. Uma pessoa insigne. Sem a produção de obras ou feitos relevantes ou as duas coisas, não há notabilidade em termos técnicos e jurídicos. Assim entenderam os autores da Constituição em vigor desde 1988.

José Afonso da Silva, o professor de Direito Constitucional mais citado pelos ministros do Supremo Tribunal Federal em seus votos, ensina em um dos seus muitos livros:

[…] não bastam, porém, a graduação científica e a competência presumida do diploma; se é notável o saber jurídico que se requer, por seu sentido excepcional, é porque o candidato deve ser portador de notoriedade, relevo, renome, fama, e sua competência ser digna de nota, notória, reconhecida pelo consenso geral da opinião jurídica do país e adequada à função. [no popular: um jurista do quilate de IVES GANDRA MARTINS FILHO].

Kassio não tem esse perfil. Ou porque é muito jovem, 48 anos apenas, ou porque se formou muito tarde, a acreditar-se no que ele diz. Ou simplesmente porque não escreveu livros nem é autor de feitos relevantes. Decididamente, sua competência não é reconhecida “pelo consenso geral da opinião jurídica do país”. De resto, seus poucos e ralos títulos estão sendo contestados pelas entidades que supostamente os conferiram. Precisa mais? [cabe uma opinião: se confirmando as falhas que estão sendo apontadas no currículo do indicado para ministro, surge, s.m.j.,  situações que podem atingir o ministro quanto seu currículo apresentar inverdades.

Pergunta: um currículo que apresenta inverdades sobre a formação do seu autor, mancha a reputação ilibada do mesmo? retira o caráter ilibado da reputação?]

Blog do Noblat - Ricardo Noblat, jornalista - VEJA 

terça-feira, 7 de julho de 2020

O Senado e o Supremo - Editorial 6 junho 2020

O Estado de S. Paulo




Cada uma dessas cortes foi concebida para assegurar um país livre e democrático

Desde o fim da 2.ª Grande Guerra no final da primeira metade do século 20, os países desenvolvidos moldaram suas cortes supremas conforme suas tradições jurídicas. Na França, os presidentes da República, do Senado e da Câmara escolhem um terço dos ministros do Conselho Constitucional cada um. Na Itália, o presidente, o Parlamento e os tribunais superiores indicam um terço da Corte Constitucional cada um. Na Alemanha, o Tribunal Constitucional Federal é dividido em duas turmas integradas por  oito ministros e metade das indicações é feita pela Câmara e metade pelo Senado. Para neutralizar pressões políticas e garantir a neutralidade da corte, ela está instalada em Karlsruhe, a 700 quilômetros da capital, Berlim. Nos Estados Unidos, os ministros são indicados pela Casa Branca e só são nomeados depois de serem rigorosamente sabatinados e aprovados pelo Senado.

Cada uma dessas cortes foi concebida para assegurar um país livre e democrático. Além disso, quase todas são integradas por operadores jurídicos oriundos do Ministério Público, da advocacia e das faculdades de direito, e não só por juízes. Não se ater a requisitos vinculados a uma carreira do próprio Judiciário foi o modo encontrado para assegurar a indicação de profissionais destacados e dotados de reputação ilibada, notável conhecimento jurídico, experiência profissional e credibilidade. E como em toda discussão constitucional sempre há uma convergência entre o direito e a política, esse também foi o modo como esses países procuraram neutralizar as pressões partidárias e dotar a corte suprema de uma visão pluralista, capaz de respeitar as forças sociais majoritárias e as minorias sociais. É por isso que a indicação de um ministro não é um ato de escolha exclusiva de um presidente, mas um processo de construção de consenso.


A história mostra que essa experiência deu certo, pois, independentemente de os ministros escolhidos poderem ser conservadores ou progressistas, eles, sem abrir mão de suas convicções, sempre levam em conta os interesses da sociedade, e não os desejos de quem os indicou. Nas cortes supremas francesa, italiana, alemã ou americana, os ministros sabem que, se por um lado não há formas predeterminadas de interpretar uma norma constitucional, por outro, o que deles se espera é que estabilizem as expectativas normativas da sociedade num horizonte de médio e longo prazos.

Em decorrência da instabilidade institucional do Brasil, pois desde sua ascensão ao poder o presidente Jair Bolsonaro passou a criticar sistematicamente o STF e a afirmar que a vontade do povo está acima das instituições democráticas representativas, o modo de escolha dos ministros da mais alta Corte voltou a ser objeto de acirradas discussões. Entre outros motivos porque, dentro de meses, Bolsonaro indicará o sucessor do ministro Celso de Mello, que se aposentará compulsoriamente. E o maior receio é que, em vez de respeitar os requisitos fixados pela Constituição para a escolha, como reputação ilibada e notável saber jurídico, [o critério de reputação ilibada, por ser extremamente subjetivo, não é fácil de ser criticado;
 quanto ao notável saber jurídico,...] ele indique alguém que jamais se destacou na vida jurídica e que, ao vestir a toga, passe a agir no STF como mero auxiliar para a consecução dos objetivos obscurantistas do chefe do Executivo. Pelos nomes já aventados pelo Planalto, o temor procede, pois nenhum tem notável saber jurídico. Podem até ser ministros de Estado, mas, em matéria de saber jurídico, são o que Ruy Barbosa chamava de “nulidades”.

Por isso, se quiser de fato defender a democracia, o Senado precisa deixar claro desde já como agirá quando Bolsonaro formalizar a indicação do sucessor de Celso de Mello. Deve afirmar que seus membros exercerão a prerrogativa de sabatiná-lo com rigor e que não hesitarão em rejeitá-lo caso não atenda aos requisitos constitucionais. Se assim não procederem, os senadores não poderão reclamar mais à frente, quando ficar claro que o nome indicado por Bolsonaro para o STF passar a agir como uma espécie de cavalo de Troia, valendo-se do cargo para servir ao seu padrinho como auxiliar na destruição do Estado de Direito. 

Editorial - Estadão

sábado, 4 de julho de 2020

A sucessão de Celso de Mello - Editorial

O Estado de S. Paulo


[A própria CCJ deixa duvidas sobre sua condição, competência e imparcialidade,  de avaliar  o notório saber jurídico dos indicados.]
Diante das afrontas do presidente Jair Bolsonaro e seu entorno ao Supremo Tribunal Federal (STF), as atenções estão voltadas para o nome que ele indicará para substituir o ministro Celso de Mello, que completará 75 anos em novembro – idade máxima para permanecer na ativa. Além de decano da Corte, ele é o relator do pedido de abertura de inquérito enviado pela Procuradoria-Geral da República contra Bolsonaro para apurar seu envolvimento em crimes denunciados pelo ex-ministro da Justiça Sérgio Moro. Mello também se tornou a voz de autoridade institucional do STF, respondendo às diatribes contra a democracia feitas por Bolsonaro.

Pela Constituição, a escolha de um ministro do STF é feita pelo presidente da República e o nome escolhido é enviado ao Senado, para ser sabatinado. Após a sabatina, a Comissão de Constituição e Justiça decide se o indicado preenche os requisitos de “reputação ilibada” e “notável saber jurídico”. Se for aprovado, a indicação será levada a votação em plenário onde, para ser confirmada, precisa ter o voto favorável de 41 dos 81 senadores.

Esse modelo de indicação é semelhante ao adotado nos Estados Unidos, cujas instituições serviram de inspiração para a construção do Estado brasileiro após a proclamação da República. Desde a Constituição de 1891, o modelo sofreu poucas alterações. Entre os pré-requisitos, a Carta exigia reputação ilibada e “notável saber”. A expressão “notável saber jurídico” surgiu na Constituição de 1934. As demais constituições – inclusive na época da ditadura militar – atribuíram ao Senado a prerrogativa de votar o nome indicado pelo chefe do Executivo. A exceção foi a Constituição fascista de 1937, que submetia a escolha a um Conselho Federal.

Ainda que nos Estados Unidos o mandato dos ministros seja vitalício, enquanto no Brasil ele expira aos 75 anos, [o conceito indiscutível que que NINGUÉM É INSUBSTITUÍVEL e exemplo recente, tornam conveniente que a idade teto volte aos 70 anos.]  a maior diferença entre os dois modelos não é de caráter formal, mas substantivo. Nos Estados Unidos as sabatinas dos indicados para a Suprema Corte são rigorosas e duram dias. Os indicados têm de demonstrar conhecimento de direito, de jurisprudência e de doutrinas jurídicas. Suas vidas e carreiras são minuciosamente escrutinadas. No Brasil, as sessões são protocolares. Costumam durar algumas horas e – com raras exceções, como nas sabatinas de Dias Toffoli, Edson Fachin e Alexandre de Moraes [o ministro Fachin,  foi ciceroneado no Senado por Ricardo Saud, delator da JBS.] os senadores se limitam a fazer elogios aos indicados.

Nos 131 anos de Brasil republicano, só foram rejeitadas cinco indicações – todas feitas por Floriano Peixoto. Nos Estados Unidos, em mais de 230 anos o Senado já rejeitou 12 indicações da Casa Branca e em 11 vezes a Casa Branca retirou os nomes indicados para evitar que fossem rejeitados. Há casos em que os próprios indicados declinaram da indicação, quando perceberam que seriam rejeitados, e em que os senadores impediram a votação, fazendo discursos intermináveis durante as sessões. Os últimos casos são exemplares. Um ocorreu em 1987, quando Ronald Reagan indicou Douglas Ginsburg, que foi rejeitado depois que se soube que fumara maconha quando adulto. O outro ocorreu em 2005, quando George W. Bush indicou uma assessora, Harriet Miers.

Considerada despreparada até pelos senadores governistas, só não sofreu uma rejeição humilhante porque desistiu da indicação antes do início da votação.

Diante das tensões institucionais que o País enfrenta, é de esperar que o Senado brasileiro se inspire no americano e passe a ser mais rigoroso nas sabatinas. Entre outros motivos, porque os nomes que têm sido aventados pelo Planalto para a vaga de Celso de Mello não são de ínclitos juristas, mas de bacharéis formados em cursos de segunda linha, sem maior experiência jurídica e notório saber. Se o Senado não tiver disposição para cobrar sólida formação jurídica e coragem de rejeitar indicações medíocres, ele estará comprometendo as instituições. Como pode a Suprema Corte zelar pela Constituição se passar a contar com um ministro sem preparo e que não hesitará quando tiver de optar entre os interesses obscurantistas de seu padrinho político e o Estado de Direito?




segunda-feira, 15 de abril de 2019

O que Dias Toffoli tem a dizer sobre as revelações de Marcelo Odebrecht?

Se a gravíssima denúncia não for esclarecida, os brasileiros terão o dever de suspeitar que o Supremo Tribunal Federal é presidido por um caso de polícia



Todo pretendente a uma vaga no Supremo Tribunal Federal precisa atender a duas exigências estipuladas pela Constituição: 
1) deve ser provido de notável saber jurídico e 
2) ter reputação ilibada. 

José Antônio Dias Toffoli virou titular do time da toga e hoje preside a Corte sem atender aos dois requisitos constitucionais. 
 Não tem nada de notável o saber jurídico de um bacharel em Direito reprovado duas vezes no concurso para ingresso na magistratura paulista.  
Sem qualificação sequer para cuidar de uma comarca de grotão, subiu na vida por ser amigo e afilhado de José Dirceu, a quem deve o emprego de advogado das campanhas do PT, o cargo de assessor do então chefe da Casa Civil e a chefia da Advocacia Geral da União. 

Em 2009, o saber jurídico do chefe da AGU continuava tão raso que, na imagem perfeita de Nelson Rodrigues, uma formiga poderia atravessá-lo com água pelas canelas. E a reputação era tão ilibada quanto pode sê-lo a de um doutor em métodos eleitorais do PT, com PhD em José Dirceu. Apesar disso — ou por isso mesmo — virou ministro do Supremo.

Nesta semana, amparada em documentos e em mais revelações de Marcelo Odebrecht, a revista Crusoé publicou uma reportagem que deixou a folha de serviços de Toffoli com cara de prontuário. Sabe-se agora que, nas catacumbas que abrigaram bandalheiras de dimensões amazônicas, o ainda chefe da AGU era identificado por Marcelo como o Amigo do Amigo de meu pai.  É com tal codinome que Toffoli entra em cena durante a sequência de maracutaias abastecidas por hidrelétricas projetadas para o Rio Madeira.

Num documento, Marcelo pergunta a Adriano Maia, funcionário da empresa encarregado de entender-se com o governo: “Afinal, vocês fecharam com o Amigo do Amigo de meu pai?” O segundo Amigo da frase é Lula, sabe o país faz tempo. O primeiro Amigo é Toffoli. 

 
Marcelo Odebrecht disse que não pode falar sobre a natureza e o conteúdo das tratativas. “Quem sabe disso é Adriano Maia”, alegou. É preciso desvendar o mistério.  

Até que Adriano Maia e Dias Toffoli esclareçam o que houve, os brasileiros terão o dever de suspeitar que o Supremo Tribunal Federal é presidido por um caso de polícia


[como ficamos senhor ministro? 
Por força do seu supremo decreto,  o senhor vai investigar, prender, interrogar, denunciar, acolher a denúncia, realizar a oitiva, acusar, defender, julgar e sentenciar o ilustre jornalista, ou, de oficio, pedir o seu próprio impeachment?]