Temas como a garantia da pensão mínima de um salário mínimo para viúvas, ou a transição reduzida para mulheres, são capazes de desfazer a maioria
O diabo está nos detalhes, ou melhor, nos destaques, e são eles que
estão sendo negociados cuidadosamente pelas lideranças partidárias e
trazem pânico à equipe econômica, cujos membros chegaram às lágrimas com
a aprovação em primeiro turno da reforma da Previdência. Menos o ministro Paulo Guedes, talvez por prever que os destaques, ou
detalhes, podem reduzir a economia do governo. O presidente da Câmara,
deputado Rodrigo Maia, encerrou abruptamente a sessão de quarta-feira
para não vencer perdendo. É que a grande maioria favorável à reforma foi se dispersando depois da
votação do texto-base, e havia risco de os destaques levarem por água
abaixo o esforço despendido para aprová-lo.
A maioria relaxou, e um destaque da oposição quase foi aprovado naquela
noite em que se comemorava a vitória. Convocada para a manhã de ontem, a
reunião plenária só teve início no fim da tarde, depois que vários
destaques foram negociados nos bastidores. Temas delicados, como a garantia da pensão mínima de um salário mínimo
para viúvas, ou a transição reduzida para as mulheres, são capazes de
desfazer a maioria, e por isso a cautela de só colocar em votação quando
houvesse um consenso da maioria. Alguns anéis foram perdidos para manterem-se os dedos, a estrutura
central da reforma. Depois da manutenção de uma maioria confortável,
embora menor do que a da noite anterior, Rodrigo Maia colocou em votação
os destaques no ritmo que permita a aprovação no segundo turno ainda
esta semana, talvez sábado, ou mesmo domingo. De qualquer maneira, antes
do início do recesso parlamentar, no dia 18.
Maia, que tem o controle da situação por compor até mesmo com a
oposição, reedita a saga da antiga UDN, que só fazia reunião depois de
haver um acordo. As negociações têm que ser feitas com uma máquina
calculadora nas mãos, para tentar desidratar o menos possível o
resultado da reforma, que já foi distorcida com as concessões a
corporações, e ao não incluir estados e municípios. Parlamentares correm atrás do prejuízo, outros ajudam a aumentá-lo a
pretexto de ajudar grupos eleitorais vigorosos, como mulheres, policiais
de diversos graus, professores.
O Instituto Fiscal Independente do Senado já identificou uma sangria
muito maior do que estava sendo percebida pelo governo. Para seus
técnicos, a economia ficará pouco acima de R$ 700 milhões, o que
provocou a ira da equipe econômica, que está se debruçando sobre os
números para contestar essa versão.Depois dos destaques, saberemos o que realmente restou, sabendo que se a
economia ficar abaixo de R$ 800 milhões, a comemoração de quarta-feira
se transformará em frustração. [decepção motivada, já que Alcolumbre também quer holofotes - não lhe é confortável ficar atrás do 'primeiro-ministro' o deputado presidente da Câmara - e vai tentar que o Senado conserte o estrago, mudando o texto volta para a Câmara e começa o pingue-pongue.]
Será um passo importante na contenção do déficit da Previdência, sem
dúvida. Mas obrigará o próximo governo, ou seu sucessor, a fazer uma
nova reforma. Se o conjunto das reformas estruturantes sair do papel, atacando a
questão tributária, a reorganização das carreiras de Estado, e uma
reforma política que coloque limites à fragmentação partidária que
dificulta acordos políticos, será possível melhorar o ambiente de
investimento no país. Há também microrreformas econômicas para destravar a burocracia,
permitir o aumento da produtividade. Enfim, um longo trabalho para
reorganizar o Estado brasileiro, que nossa leniência com práticas
disfuncionais, por corrupção ou burocracia, nos obrigam a retornar ao
ponto zero a cada dez, 20 anos.
O Congresso está assumindo um papel fundamental nesse resgate de
protagonismo, para tornar o equilíbrio entre os Poderes uma ferramenta
mais eficiente da democracia representativa. [depende do equilibrio = 'equilibrio' = Só que o peso 'político' do Legislativo e do Judiciário, deixará sempre o Supremo em posição superior, se impondo aos dois.]
A bola em breve estará com o Senado, onde o presidente Davi Alcolumbre
terá um papel tão decisivo quanto foi o de Maia na Câmara. Resolver a questão dos estados e municípios, por exemplo, através de uma
emenda constitucional paralela, é tarefa fundamental para impedir que
uma renegociação das suas dívidas, que já foi feita há 20 anos, venha a
ser necessária novamente. Como disse o presidente da Câmara Rodrigo Maia, investidor de longo
prazo não investe em país que não tem instituições respeitáveis, e
mutuamente respeitadas.