Blog Prontidão Total NO TWITTER

Blog Prontidão Total NO  TWITTER
SIGA-NOS NO TWITTER
Mostrando postagens com marcador UDN. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador UDN. Mostrar todas as postagens

sexta-feira, 23 de junho de 2023

Um homem sem preço - Augusto Nunes

 Revista Oeste

Sobral Pinto é uma espécie quase extinta na floresta infestada de zanins


Cristiano Zanin e o jurista Heráclito Fontoura Sobral Pinto | Foto: Montagem Revista Oeste/Geraldo Magela/Agência Senado/Wikimedia Commons
 
Dono da Tribuna da Imprensa, deputado federal pela UDN do Rio de Janeiro, tribuno de primeira grandeza, Carlos Lacerda nem esperou a abertura da temporada de caça ao voto para deixar claro, em meados de 1955, que a disputa pela Presidência da República seria especialmente feroz. Às vésperas da convenção do Partido Social Democrático que lançaria a candidatura de Juscelino Kubitschek, o parlamentar da União Democrática Nacional avisou que o governador de Minas Gerais estava proibido de governar o Brasil. “Juscelino não pode ser candidato”, começou a sequência de ameaças encadeadas pelo grande domador de palavras. “Se for candidato, não pode ser eleito. Se for eleito, não pode tomar posse. Se for empossado, não pode governar.” Decidido a provar que Deus o poupara do sentimento do medo, Juscelino foi à luta. Vitorioso na convenção, JK representou o PSD na eleição de 3 de outubro. Com 35,6% dos votos, derrotou por uma diferença superior a cinco pontos percentuais o Marechal Juarez Távora, candidato da UDN. 


 
Carlos Lacerda, em 1954 | Foto: Wikimedia Commons

O presidente eleito preparava-se para a posse quando Lacerda, apoiado por militares inconformados com a derrota do marechal Juarez, decidiu bloquear a porta de entrada do Palácio do Catete com uma invencionice de chicaneiro: só poderia governar o país o candidato que conseguisse a maioria absoluta dos votos. 
 Como JK não passara de 50%, deveria ser realizada outra eleição. Aquele pontapé na Constituição foi a senha para a entrada em cena do doutor Heráclito Fontoura Sobral Pinto, o maior advogado da história do Brasil. O desconforto com certas ideias do candidato do PSD mantivera o combativo mineiro de Barbacena distante da campanha. Mas compreendeu que o disparo contra Juscelino ferira a Constituição. 
Era hora, portanto, de garantir a posse do presidente eleito. Ao lado de juristas providos de vergonha, Sobral fundou a Liga de Defesa da Legalidade. Mais brasileiros se juntaram à ofensiva, a investida lacerdista perdeu força, e Juscelino assumiu a Presidência sem sobressaltos.

Pouco depois da posse, o presidente ofereceu a Sobral uma vaga no Supremo Tribunal Federal. Nenhuma surpresa. Era exemplarmente ilibada a reputação do doutor que também merecia nota 10 com louvor no quesito “notável saber jurídico”.  
Além do mais, a presença de um jurista de tamanho porte poderia tornar respiráveis até mesmo tribunais que lutam o tempo todo para demonstrar que o que já está péssimo sempre pode piorar
Sobral Pinto recusou a toga. De novo, nenhuma surpresa.  
Ao agradecimento de praxe seguiu-se a ponderação: tanto inimigos juramentados quanto aliados preteridos logo estariam enxergando na nomeação parte do pagamento pelo desempenho na batalha que havia abortado outro estupro da Constituição
Foi essencialmente para preservar a legalidade que se aliara a JK. Sobral tinha pela obediência às normas constitucionais o mesmo apreço dedicado a palavras de tal forma robustas que dispensam complementos. 
Sobral Pinto, um dos mais respeitados juristas do país | Foto: Wikimedia Commons

O que estaria dizendo o esplêndido homem defensor da lei se vivesse para ver estes tempos estranhos?


Admiradores de regimes ditatoriais amam penduricalhos inúteis, constatou Sobral. “Eles vivem sonhando com uma democracia à brasileira”, ironizava. “Isso não existe. O que existe é peru à brasileira.”  
O amor à Justiça também orientava a aceitação de clientes. “O advogado é o primeiro juiz da causa”, ensinou. Agarrado a esse princípio, jamais tentou transformar culpados em inocentes, jamais recorreu a vigarices de rábula para livrar do castigo quem merecia cadeia
Antes de assumir a defesa de qualquer acusado ou já cumprindo pena, tratava de saber o que efetivamente ocorrera ou o que se passava no cárcere. Porque a causa não lhe pareceu defensável, recusou honorários de espantar um emir das arábias e rechaçou com frequência pedidos formulados por amigos. Católico praticante, radicalmente democrata, era avesso a golpes de Estado e tentativas de tomada do poder por métodos violentos. Mas socorreu com bravura de gladiador sem cobrar um só centavo — o líder comunista Luís Carlos Prestes e o ativista alemão Harry Berger, presos depois da fracassada revolta comunista
Para interromper a sequência de torturas impostas a Berger por seus carcereiros, recorreu à lei de proteção aos animais. O prisioneiro já perdera a saúde e a razão. [saúde talvez; razão não perdeu, não se perde o que não se possui e, para ser comunista tem que ser desprovido de razão.]

O que estaria dizendo o esplêndido homem defensor da lei se vivesse para ver estes tempos estranhos?  
O presidente da República entrega a Alexandre de Moraes o leme do barco à deriva para ver como é, visto de longe, o país que visita uma vez por mês, presenteia a primeiríssima-dama com 12 passeios internacionais por ano, não decorou o prenome de 23 dos 37 ministros, fecha negócio com integrantes de outros Poderes em churrascos e jantares que proíbem o ingresso com celulares, insulta o antecessor de meia em meia hora, rebaixa o vice, Geraldo Alckmin, a porteiro do Gabinete Presidencial, exige que um ministro comunista emagreça uma arroba em sete dias, desanda em lives sem plateia às 8 da madrugada, diz ao Papa que Daniel Ortega agora frequenta reuniões dos Poderosos Pedófilos, traz Maduro a Brasília e manda Dilma para a China, fora o resto. 
Por que negar uma toga ao advogado que fez o durão Gilmar Mendes sucumbir ao pranto convulsivo sem lágrimas? 
 
Morto em 1991, aos 98 anos, não poderia ser outro o título do documentário que resume a trajetória luminosa do singularíssimo mineiro de Barbacena: O HOMEM QUE NÃO TEM PREÇO.  
Quantos mais não estão à venda?, pergunto-me na semana da sagração de Cristiano Zanin. 
Em maio de 1969, ao visitar seu escritório no Rio para entregar-lhe um livro, enfim pude apertar a mão daquele homem de terno e colete pretos como a gravata, as meias e os sapatos, em harmonioso convívio com o branco da camisa social e dos cabelos nevados. Vestia-se sempre assim. E assim se trajava a lenda em 1983, quando empunhou o microfone no palanque do mitológico comício da Candelária. Foi o mais comovente momento da campanha das Diretas Já. “Peço silêncio”, disse Sobral antes de começar a leitura do artigo primeiro da Constituição: “Todo o poder emana do povo, e em seu nome deve ser exercido…”.  
O uivo da multidão completou sem palavras a frase esquecida em algum lugar do passado.

Sobral Pinto, avô de Guilherme Fiuza, combinou honradez e destemor para protagonizar por quase cem anos de vida o espetáculo da bravura sem bravatas. Essa espécie de brasileiro é tão rara quanto a ararinha-azul. Numa floresta infestada de zanins, talvez já esteja extinta.

Leia também “O ministro sem dúvidas e o país das incertezas”
 
 
Augusto Nunes, colunista - Revista Oeste

sexta-feira, 12 de julho de 2019

O diabo nos destaques

Temas como a garantia da pensão mínima de um salário mínimo para viúvas, ou a transição reduzida para mulheres, são capazes de desfazer a maioria


O diabo está nos detalhes, ou melhor, nos destaques, e são eles que estão sendo negociados cuidadosamente pelas lideranças partidárias e trazem pânico à equipe econômica, cujos membros chegaram às lágrimas com a aprovação em primeiro turno da reforma da Previdência. Menos o ministro Paulo Guedes, talvez por prever que os destaques, ou detalhes, podem reduzir a economia do governo. O presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, encerrou abruptamente a sessão de quarta-feira para não vencer perdendo. É que a grande maioria favorável à reforma foi se dispersando depois da votação do texto-base, e havia risco de os destaques levarem por água abaixo o esforço despendido para aprová-lo.



A maioria relaxou, e um destaque da oposição quase foi aprovado naquela noite em que se comemorava a vitória. Convocada para a manhã de ontem, a reunião plenária só teve início no fim da tarde, depois que vários destaques foram negociados nos bastidores. Temas delicados, como a garantia da pensão mínima de um salário mínimo para viúvas, ou a transição reduzida para as mulheres, são capazes de desfazer a maioria, e por isso a cautela de só colocar em votação quando houvesse um consenso da maioria. Alguns anéis foram perdidos para manterem-se os dedos, a estrutura central da reforma. Depois da manutenção de uma maioria confortável, embora menor do que a da noite anterior, Rodrigo Maia colocou em votação os destaques no ritmo que permita a aprovação no segundo turno ainda esta semana, talvez sábado, ou mesmo domingo. De qualquer maneira, antes do início do recesso parlamentar, no dia 18.



Maia, que tem o controle da situação por compor até mesmo com a oposição, reedita a saga da antiga UDN, que só fazia reunião depois de haver um acordo. As negociações têm que ser feitas com uma máquina calculadora nas mãos, para tentar desidratar o menos possível o resultado da reforma, que já foi distorcida com as concessões a corporações, e ao não incluir estados e municípios. Parlamentares correm atrás do prejuízo, outros ajudam a aumentá-lo a pretexto de ajudar grupos eleitorais vigorosos, como mulheres, policiais de diversos graus, professores.



O Instituto Fiscal Independente do Senado já identificou uma sangria muito maior do que estava sendo percebida pelo governo. Para seus técnicos, a economia ficará pouco acima de R$ 700 milhões, o que provocou a ira da equipe econômica, que está se debruçando sobre os números para contestar essa versão.Depois dos destaques, saberemos o que realmente restou, sabendo que se a economia ficar abaixo de R$ 800 milhões, a comemoração de quarta-feira se transformará em frustração. [decepção motivada, já que Alcolumbre também quer holofotes - não lhe é confortável ficar atrás do 'primeiro-ministro' o deputado presidente da Câmara - e vai tentar que o Senado conserte o estrago, mudando o texto volta para a Câmara e  começa o pingue-pongue.]



Será um passo importante na contenção do déficit da Previdência, sem dúvida. Mas obrigará o próximo governo, ou seu sucessor, a fazer uma nova reforma. Se o conjunto das reformas estruturantes sair do papel, atacando a questão tributária, a reorganização das carreiras de Estado, e uma reforma política que coloque limites à fragmentação partidária que dificulta acordos políticos, será possível melhorar o ambiente de investimento no país. Há também microrreformas econômicas para destravar a burocracia, permitir o aumento da produtividade. Enfim, um longo trabalho para reorganizar o Estado brasileiro, que nossa leniência com práticas disfuncionais, por corrupção ou burocracia, nos obrigam a retornar ao ponto zero a cada dez, 20 anos.



O Congresso está assumindo um papel fundamental nesse resgate de protagonismo, para tornar o equilíbrio entre os Poderes uma ferramenta mais eficiente da democracia representativa. [depende do equilibrio = 'equilibrio' = Só que o peso 'político' do Legislativo e do Judiciário, deixará sempre o Supremo em posição superior, se impondo aos dois.]



A bola em breve estará com o Senado, onde o presidente Davi Alcolumbre terá um papel tão decisivo quanto foi o de Maia na Câmara. Resolver a questão dos estados e municípios, por exemplo, através de uma emenda constitucional paralela, é tarefa fundamental para impedir que uma renegociação das suas dívidas, que já foi feita há 20 anos, venha a ser necessária novamente. Como disse o presidente da Câmara Rodrigo Maia, investidor de longo prazo não investe em país que não tem instituições respeitáveis, e mutuamente respeitadas.

Publicado no O Globo - Merval Pereira

quarta-feira, 11 de março de 2015

‘Desgoverno já acaba quando mal começou’



Dilma perdeu uma oportunidade, se não boa, no mínimo razoável, de se levantar do banquinho no córner, onde está acuada pela crise política e pelo péssimo desempenho da economia, e, pelo menos, voltar ao ringue, no pronunciamento à Nação por TV e rádio no Dia Internacional da Mulher, domingo. Seu discurso inócuo, boboca e incompreensível teve o que merecia: panelaço, vaias e xingamentos pelo País inteiro. Só não se decepcionou com ela quem não viu.

De fato, não havia muito espaço para manobra. Mas pedir paciência a uma plateia que dela só tem ouvido mentiras autoindulgentes não poderia deixar de soar tolo, inútil, arrogante e alienado. Poderia ter começado com um pedido de desculpas por tudo quanto prometeu na campanha e começou a descumprir quando foi divulgada a vitória na reeleição. A continuação inevitável poderia ser uma demonstração de que a paciência exigida dos cidadãos, que ela trata como súditos, seria compensada por algum sacrifício: redução de ministérios, cujo número é absurdo, por exemplo. Nem fez a velha proposta de pacto. Talvez porque padim Lula se tenha recusado a apertar as mãos estendidas na eleição de Tancredo Neves no colégio eleitoral, no apoio à Constituição, que o Partido dos Trabalhadores (PT) assinou amargamente constrangido, e no governo de união nacional de Itamar Franco, depois da queda de Fernando Collor.

Em vez disso, preferiu adotar a tática stalinista de reescrever o passado para garantir as boquinhas por um tempo longe de ser promissor para ela, seu governo e, sobretudo, para o País. Atribuiu a conjuntura “à maior crise econômica desde a recessão de 1929”, a de 2008, que, para Lula, passaria por aqui feito uma “marolinha” e ela jura que paira sobre nós há sete anos, como nos sonhos das vacas magras de José do Egito. E à seca, desgraça perene do Nordeste, que, ela esquece, faz parte do Brasil, apesar de ter-lhe garantido, com milhões de votos, a permanência no trono. Lá se sabe que a chuva é incerta e caprichosa.

Os tomates imaginários jogados pelos “podres burgueses golpistas” partem do pressuposto de que a piada do barítono que anuncia um tenor pior à plateia que o apupa nem sequer servirão de metáfora para a crônica de seu desgoverno abortado: este, ao contrário do Cassino do Chacrinha, já acaba quando mal começou. Tudo indica que a militância armada contra a ditadura a impediu de frequentar aulas de História do Brasil, cujo aprendizado lhe faz falta. E mais ainda ao populacho, que verga sob sua inépcia. O desastrado discurso em que a mulher, festejada domingo no mundo todo, foi aqui celebrada às avessas evidencia que nossa experiência da dona da casa no poder será apenas um “duela a quién duela” coletivo.

Reconheça-se que os citados episódios históricos têm algumas diferenças em relação aos eventos destes idos de março em que o cego Tirésias teria a bendizer os temporais eventuais, prenunciados pelo cheiro. Nestes 61 anos foram aplicadas três soluções pessoais para resolver crises políticas. Em 1954, Getúlio Vargas disparou contra o próprio peito para não morrer afogado no “mar de lama” de uma corrupção de aprendiz, comparada com o caso Celso Daniel, o mensalão e as petrorroubalheiraso crime continuado que ora corrói as bases da republiqueta sob os petralhas. Sabe-se que Getúlio era um suicida vocacional. O tiro foi o único jeito que teve para abortar o golpe dos militares da geração dos tenentes de 1930. Ao “sair da vida para entrar na História” adiou o golpe, sim, mas por apenas dez anos.

Contra o manhoso estancieiro de São Borja havia também a oratória inflamada e eficiente da UDN de Affonso Arinos de Mello Franco e de Carlos Frederico Werneck de Lacerda. A retórica, a ação parlamentar e a capacidade de construir caminhos para desviar o País da crise a que foi levado pela insana gula petista passam longe do perfil da oposição de hoje, indigna até dessa denominação.

Seis anos após o suicídio no Catete, um presidente popular, eleito acima dos partidos, com a vassoura feita símbolo e a faxina como missão, renunciou para livrar-se das dificuldades impostas por um Congresso dominado por partidos que desprezava. A renúncia de Jânio Quadros foi um autogolpe que falhou por conta da fé cega em si mesmo. 

Renuncia, Dilma”, prega quem lhe atribui idêntico defeito. Mas ela não tem a persistência suicida revelada nos Diários de Getúlio, nem o perfil nobre de quem renuncia para facilitar a saída pela qual um governo de união nacional possa impedir a tragédia que se prenuncia com as fraturas da Nação, expostas na disputa eleitoral e agravadas com a determinação do grupo no poder de se agarrar ao que restar de bife no osso descarnado.
Fala-se ainda mais em deposição, repetindo a solução dada em 1992, 31 anos após os nove meses de Jânio, com 20 anos de ditadura militar no meio. Lá se vão apenas 23 anos, mas urge lembrar que o impedimento inevitável cedeu lugar à renúncia consentida do presidente, que, como Jânio, tentou em vão pôr de joelhos o Congresso (de 300 “picaretas” de Lula e 400 “achacadores” de El Cid Gomes?). Ao contrário de Dilma, a cujos propósitos ele serve, o ex-presidente tentou o lance do “Ministério ético”. Mas foi defenestrado sem dó.

Sábado O Globo informou que, conforme delação premiada, Mário Negromonte foi trocado no Ministério das Cidades por Aguinaldo Ribeiro por pressão de seus correligionários acusados de se abastecerem no propinoduto da Petrobrás. Foi Dilma quem assinou nomeações e demissão de ambos. Dizer que era assunto interno de aliados e não lhe diz respeito em nada vai ajudar a suspender a queda de sua reputação. Para piorar, a dupla protagoniza a mesma investigação, na qual ela não figura.

Mas, com os militares de 1930 mortos e sepultados e a oposição incapaz de apunhalá-la politicamente, Dilma depende do Imponderável da Silva nas ruas para escapar aos idos de março – chova ou faça sol.

Fonte: Blog do Augusto Nunes – Por: José Nêumanne