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quinta-feira, 26 de abril de 2018

A reação garantista

Assim como houve uma blindagem no Congresso, via legislação eleitoral, para salvar os grandes partidos, começa a reação do mundo jurídico para blindar a elite política contra a Lava-Jato


As pesquisas de opinião são inequívocas: a corrupção é a principal preocupação dos brasileiros, maior até do que a saúde, a educação e a segurança, cujas mazelas são associadas pelo eleitor à roubalheira dos cofres públicos. Mesmo se a Lava-Jato estivesse com os dias contados — ainda não é o caso —, esse cenário não mudaria até as eleições. 

O ambiente econômico de estabilidade da moeda, redução de juros e retomada da geração de emprego modesta diante das necessidades do país, faz com que a questão da ética na política venha a ter o mesmo peso que teve para a sociedade o combate à inflação durante o Plano Real. Houve uma mudança de paradigma quanto a isso, quem quiser que se engane. Esse diagnóstico, porém, não foi capaz de produzir um novo consenso político nacional, como foi a luta contra a inflação, por exemplo. O motivo é o modus operandi da política nacional e o envolvimento das lideranças dos principais partidos do país nos escândalos investigados pela Lava-Jato e outras operações de combate à corrupção. Nesta semana, por exemplo, as investigações chegaram à cúpula do PP, partido que ampliou sua bancada exponencialmente no recente troca-troca partidário. Saltou de 38 deputados eleitos para 53 parlamentares, atrás apenas do PT, que ainda tem a maior bancada, com 60 deputados, mesmo perdendo 9 parlamentares ao longo da atual legislatura.

O PP é a bola da vez nas investigações da Operação Lava-Jato, com a realização de operações de busca e apreensão nos gabinetes e residências do presidente da legenda, senador Ciro Nogueira (PI), e do líder da bancada na Câmara, deputado Dudu da Fonte (PE). O crescimento do PP contrasta com a perda de deputados do MDB, cuja bancada foi reduzida de 65 para 50 deputados, mesmo com o partido no poder, e também do PSDB, que tinha 54 deputados e agora está com 48. Outro partido que cresceu muito no troca-troca foi o DEM, que elegeu 21 deputados e está com 43 representantes, graças à atuação do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (RJ). Uns mais, outros menos, todos têm em comum o envolvimento de ex-presidentes na Operação Lava-Jato.

De certa forma, a cúpula do Congresso conseguiu se blindar na reforma política, que garante vantagem estratégica para os grandes partidos, em termos de tempo de televisão e recursos financeiros, principalmente nas eleições proporcionais; nas eleições majoritárias, as disputas regionais sofrerão grande impacto da Operação Lava-Jato, mas os políticos enrolados nas investigações poderão concorrer à Câmara dos Deputados e, assim, tentar permanecer no Congresso. O catalisador da insatisfação popular com a corrupção, porém, é a disputa para presidente da República. Esse é o rubicão para quem quiser se eleger. Seja porque pode ficar fora da disputa por causa de condenações, como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, seja em razão do ambiente tóxico de seu próprio partido, como está acontecendo com o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin.

Blindagem
Assim como houve uma blindagem no Congresso, via legislação eleitoral, para salvar os grandes partidos, começa uma forte reação do mundo jurídico para blindar a elite política do país em relação às condenações da própria Lava-Jato. As grandes bancas de advocacia reagem com astúcia processual e poder de articulação junto aos tribunais, principalmente no Supremo, onde se trava hoje um grande choque de concepções: o velho Direito romano-germânico, que serve de alicerce para as nossas instituições, está sendo confrontado pelo “americanismo” de jovens juízes e promotores, inspirados no Direito anglo-saxão. A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) lidera a reação garantista; por isso, é chamada de Jardim do Éden pelos advogados.


Há duas linhas de frente nesse embate. Uma é o caso de Lula, que está preso em Curitiba e impedido de disputar as eleições por causa da Lei da Ficha Limpa. A disputa se dá em torno da questão da execução da pena após condenação em segunda instância, jurisprudência que já foi objeto de três decisões do Supremo, mas que pode ser revista se o assunto for posto novamente em pauta devido à correlação de forças existente na Corte.

A outra frente é a discussão sobre a amplitude da Operação Lava-Jato, da qual o juiz federal Sérgio Moro, da 13ª Vara de Curitiba, em primeira instância, e o ministro-relator Edson Fachin, no Supremo Tribunal Federal (STF), são responsáveis. Ambos estão sendo questionados como “juízes naturais”, o primeiro em relação às investigações que não estão diretamente ligadas ao escândalo da Petrobras; o segundo, quanto aos pedidos de habeas corpus, recursos e embargos dos réus e condenados da Lava-Jato. Esse embate vem se repetindo nas últimas semanas e deve se intensificar depois de setembro, quando Dias Toffoli assumirá a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF); em compensação, a ministra Cármen Lúcia, atual presidente da Corte, ocupará seu lugar na Segunda Turma, que passaria a ser uma espécie de “purgatório”.

Luiz Carlos Azedo - CB 

 

quinta-feira, 1 de março de 2018

É um novo direito penal. Ainda bem

Debate pega fogo na medida em que Lula foi condenado na segunda instância, e se aproxima julgamento de recurso

‘Agora, neste exato momento, eu até fico pensando se não seria bom prender já na primeira instância esses bandidos que andam por aí”.

Não se trata de um voto em alguma corte superior, muito menos de um parecer juntado aos autos. Foi uma frase dita numa conversa rápida com jornalistas, na saída de um evento. Mas, conhecendo-se o autor, a tirada ganha força especial.  Trata-se de Eros Grau, advogado e professor de Direito, como ele se apresenta hoje, e ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, como todos conhecem. Ocorre que ele, se não quer apagar, pretende colocar em plano bem inferior sua passagem pelo STF. “Não me entusiasmo” (por ter sido ministro), comentou.

E, entretanto, sua passagem por lá e sua frase mais recente, dita na última terça, em São Paulo, tiveram e têm enorme e muito atual importância. Ocorre que Eros Grau foi o autor, no Supremo, do voto que, em 2009, mudou o entendimento da Corte sobre a execução da pena.  Até então, entendia-se que o condenado em segunda instância já poderia ser preso e assim iniciar o cumprimento da pena. Grau argumentou — e formou maioria — que o condenado só poderia ser preso depois de esgotados todos os recursos nas instâncias superiores.

Em 2016, com Grau já fora do Supremo, e por uma apertada maioria de 6 a 5, a Corte voltou ao entendimento anterior: que a prisão após condenação em segunda instância é constitucional e não viola o princípio da presunção de inocência.  Mas o caso não morre aí. Há um debate nacional sobre a necessidade ou não de mudança desse entendimento. Debate que vai pegando fogo na medida em que Lula foi condenado na segunda instância e se aproxima o momento em que o Tribunal Regional Federal de Porto Alegre vai julgar o último recurso e determinar a prisão do ex-presidente.

Temos, portanto, uma questão em tese, de doutrina jurídica, e um caso político, especial, a situação de Lula. O pessoal, digamos assim, do “velho direito” brasileiro, do garantismo, acha que a prisão em segunda instância é um absurdo. Seguem o pensamento e a prática, como diz o jurista José Eduardo Faria, do direito romano-germânico, “bastante litúrgico, cheio de entraves burocráticos, cheio de sistemas de prazos e recursos que permitiam aos advogados discutir não grandes questões factuais, mas sim teses, pleitear vícios, aguardar que tais pleitos fossem julgados lentamente e, assim, obter a prescrição dos crimes dos seus clientes”.

Dito de outro modo: se o condenado só puder ser preso depois de todos os recursos em última instância, isso significa no Brasil, e muito especialmente no Brasil dos mais ricos, que não vai em cana nunca mais.  Contra o garantismo, surgiu e se desenvolve no Brasil um novo direito penal econômico, praticado especialmente na Justiça Federal de primeira e segunda instância, pelo Ministério Público e por setores da Polícia Federal. Sim, estamos falando, entre tantos, de Curitiba, Sergio Moro; do Rio, Marcelo Bretas; de Porto Alegre dos desembargadores Thompson Flores, João Pedro Gebran, Leandro Paulsen, Victor Luiz dos Santos Laus.

Na linha do mensalão, essa turma, nos seus 45 anos, e seguindo a descrição de José Eduardo Faria, tem uma “visão mais americana, mais voltada a esse direito penal que vai direto ao foco, que trabalha com a identificação de atos que fogem a determinados padrões. Em geral, essa nova visão do direito penal é, de fato, sustentada por pessoas e equipes que entendem de contabilidade, que usam bem a tecnologia, que têm formação interdisciplinar, que sabem identificar procedimentos de ocultação de propriedades e de patrimônio. É uma turma capaz de descobrir os rastros deixados por documentos em vastas cadeias utilizadas para ocultar patrimônio ou dinheiro sujo”.

Essa doutrina não nasceu por acaso, mas para responder à sofisticação global dos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, especialmente ligados ao tráfico de drogas e ao terrorismo. No caminho, apanhou sonegadores que escondiam dinheiro no caixa 2.  Essa doutrina começou a se introduzir no país com o julgamento do mensalão e se instalou com o petrolão, já então apoiada nos essenciais instrumentos da delação premiada e do acordo de leniência.

Mudaram as circunstâncias, muda o crime, muda-se o direito penal, mudam-se as interpretações.  Como entendeu Eros Grau. Com tantos bandidos por aí, pode ser o caso de prender esses bandidos da corrupção e do assalto ao Estado logo na primeira instância. O repórter perguntou: “O senhor está falando do Lula?”.
Eros Grau: “Inclusive. Não tenha dúvida nenhuma porque se ele foi condenado depois de uma série de investigações e tudo é porque ele é um sujeito culpado”.

O professor não se julga contraditório. Ele entende que a mudança na realidade (na sociedade, nos costumes, na vida) exige nova interpretação da mesma lei.  O ministro Gilmar Mendes e seus seguidores falam com desprezo do “direito penal de Curitiba”. Seria uma aberração. Pois, ao contrário, há sim um novo direito, é praticado em Curitiba, e está colocando um monte de bandido na cadeia.

Carlos Alberto Sardenberg é jornalista