O Globo - Folha de S. Paulo
A negligência com o conteúdo dos grampos
A ideia de Moro de destruir as mensagens era primitiva e cheirou mal
Os procuradores blindaram-se na recusa a comentar o que apareceu. Muitos
deles, como Sergio Moro, dizem que já apagaram os arquivos. Se o
serviço da PF foi de primeira, essa blindagem é de quinta
A Polícia Federal fez um serviço de primeira localizando e
prendendo a quadrilha que invadiu os celulares de centenas de
autoridades, inclusive do presidente da República, do ministro Sergio
Moro e de procuradores da Lava-Jato. Um deles tinha antecedentes
criminais e confessou ter sido o remetente dos grampos para o site The
Intercept Brasil. Como isso foi feito e se era gratuito, como ele diz,
só a investigação poderá esclarecer. Resta saber se Glenn Greenwald e
Manuela D’Ávila conheciam a extensão do crime de sua fonte. Essa é uma
perna da questão.
A outra perna está no conteúdo das mensagens já divulgadas e ela
continua no mesmo lugar. Os procuradores blindaram-se na recusa a
comentar o que apareceu nos grampos.
Muitos deles, como Sergio Moro, dizem que já apagaram os arquivos. [saber mais.]Se o serviço da PF foi de primeira,
essa blindagem é de quinta. A ideia de Moro de destruir as mensagens era
primitiva e cheirou mal. Na forma, o
crime cometido pelo invasores dos celulares foi
peculiar.Eles atacaram dados de centenas de pessoas e seus antecedentes
afastam a ideia de que houvesse interesse público na operação. A questão
do conteúdo é outra.
Não passa pela cabeça de ninguém querer apagar da memória dos americanos
as revelações contidas nos famosos
“Papéis do Pentágono” que expuseram
documentos relacionados com a Guerra do Vietnã. Eles foram furtados por
um consultor do Departamento de Defesa. Indo-se mais longe, também, não
passa pela cabeça dos americanos passar a esponja em cima dos documentos
furtados por oito
ativistas católicos que invadiram um escritório do
FBI na Pensilvânia numa noite de março de 1971. Eles levaram perto de
mil documentos. No meio estavam as provas de que o FBI espionava
militantes pacifistas, artistas e negros, difamava pessoas e manipulava
jornalistas.
Cópias de documentos foram mandados para o “New York Times”, o “Los
Angeles Times” e o “Washington Post”. O governo tentou impedir a
publicação e divulgou uma nota advertindo que eles comprometiam a
segurança nacional. Ben Bradlee, o editor do “Washington Post”, e
Katharine Graham, sua proprietária, decidiram publicar parte do
material. Aberta a comporta,
o conteúdo dos documentos mudou para melhor
a história do FBI. O FBI pôs 200 agentes atrás dos ladrões e a investigação somou 33 mil
páginas, para nada. O mistério só foi desvendado 40 anos depois, quando a
repórter Betty Medsger, que recebeu a papelada em 1971, identificou e
entrevistou sete dos oito invasores. Dois deles viviam longe da política
e um tornara-se sincero admirador de Ronald Reagan.
Armstrong pisou na lua e errou de hospital
Neil Armstrong levou oito dias para ir à Lua e voltar. Anos depois, fez
uma cirurgia do coração e 19 dias depois estava morto. No voo, deu tudo
certo. No hospital, as coisas deram errado, mas a verdade ficou
escondida por sete anos, até que o “New York Times” a revelou. O
chanceler Ernesto Araújo acha que os diplomatas não devem ler esse
jornal, mas para o bem de sua saúde seria bom que o fizesse.
Em 2012,
aos 82 anos, Armstrong estava com um desconforto gástrico, foi
ao hospital Merciful Faith, de sua cidade, e fez um teste de esforço.
Mandaram-no para uma angiografia e acabou com quatro pontes no coração.
Algo como cinco dias depois puseram-lhe um marca-passo temporário e,
passadas algumas horas, uma enfermeira tirou-lhe os fios. Teve um
sangramento e 27 minutos depois levaram-no para o centro de cateterismo.
Melhorou, mas voltou a sangrar, com queda de pressão e falha dos rins.
Em 20 minutos estava no centro cirúrgico. Daí em diante não se sabe o
que aconteceu, mas ele ficou 97 minutos com perda de oxigênio no
cérebro. Estava entubado há uns cinco dias quando retiraram o aparelho.
Armstrong não conseguia respirar e voltaram a entubá-lo. Dez dias depois
estava morto.
Desde 2014
o hospital sabia que médicos independentes haviam estudado o
prontuário e observaram que ele poderia ser operado mais tarde,
os fios
do marca-passo não deveriam ter sido retirados por uma enfermeira sem
supervisão e, acima de de tudo,
deveria ter ido logo para o centro
cirúrgico e não para o centro de cateterismo. Finalmente,
não deveriam
tê-lo extubado tão cedo. Existem testes rotineiros capazes de medir a
resistência de um paciente à extubação. O homem que simbolizou o avanço
da tecnologia, morreu por causa de barbeiragens. A pior, foi a sua ida
para o centro de cateterismo.
Havia mais: durante dois anos o hospital se fez de bobo, até que a
mulher de um dos filhos de Armstrong, advogada, foi-lhe na jugular. Ou
pagavam sete milhões de dólares ou seriam denunciados. Pagaram seis
milhões, com uma cláusula de segredo que durou cinco anos.
Nisso tudo, houve um cavalheiro, o professor James Hansen, autor da
biografia autorizada de Armstrong
(“O Primeiro Homem”), publicada nos
Estados Unidos em 2005. Nesse tipo de livro o autor aceita omitir fatos a
pedido do biografado ou de sua família. Ele sabia de tudo, mas
limitou-se a escrever uma frase críptica:
“Fora do pequeno círculo de sua família, dos amigos e da equipe médica
que cuidou dele, talvez nunca se venha a saber exatamente o que
aconteceu com Neil no hospital ao longo das duas semanas que culminaram
com sua morte.”
Na semana passada Hansen saudou a revelação do
“Times”, para que o que aconteceu a Armstrong não volte a acontecer.
(...)
Conselho precioso
Quando estava aberta a janela para repatriação de depósitos que estavam
no exterior, um magano procurou um advogado para se aconselhar.
— Quanto o senhor tem no Brasil?
— Dez milhões de reais, disse o magano.
— E na Suíça?
— Cem milhões de dólares.
—
Então embarque para a Suíça e fique por lá.
Ele embarcou. Foi o conselho mais curto e valioso saído de uma banca de advocacia.