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quinta-feira, 5 de outubro de 2017

O Judiciário e o discurso do golpe


A Justiça é chamada a arbitrar a política pois o Parlamento é incapaz de assumir o seu papel

Assiste-se, na atual cena político-institucional brasileira, a uma situação de impasse. De um lado, a necessidade da renovação política – diante do grave quadro de deterioração da vida partidária no País – e, de outro, a notória incapacidade de superação da crise, à falta de mecanismos que garantam a efetiva participação popular no processo político, sem a qual não haverá mudança substantiva. E as dificuldades no campo das relações econômicas, das ações voltadas para a educação, a saúde, a habitação e a segurança pública – para citar alguns exemplos – também se explicam na base do mesmo diagnóstico: ausência de adesão da sociedade a um modelo político historicamente construído de cima para baixo. 

Frustradas as expectativas em torno da representação política, passou o Poder Judiciário a assumir, em certa medida, papéis tradicionalmente reservados ao Poder Legislativo. O controle jurisdicional da moralidade administrativa substituiu formas de legitimação finalista, pertencentes à esfera da ética política, por uma disciplina dos meios, estabelecida em regras próprias, autárquicas, diferenciação que mostra um déficit da prestação do jurídico para o político. Vale dizer, conquanto possa o político fundar o jurídico (precisamente como se deu com o alargamento do papel da jurisdição na Constituição de 1988), o jurídico não pode fundar o político (ressalvada a concepção jusnaturalista).
O Judiciário, de fato, vem sendo chamado a arbitrar a política, o que dá mostra da incapacidade do Parlamento de assumir o papel que lhe cabe. Sucede que, ao aceitar o desafio, a Justiça põe-se na mira da retórica política, que passa a desqualificar a atividade jurisdicional sob o argumento da ausência de legitimidade e imparcialidade. A artimanha de certos políticos, diante das acusações criminais que lhes são feitas, pode ser entendida neste contexto. Aproveitando-se de uma certa borradura no limite entre o jurídico e a política, a autodefesa coloca em crise a autoridade do julgador, a quem o réu passa a interpelar como se houvesse um debate.

A estratégia, assim descrita, articula-se de duas formas. Primeiramente, trata-se de levar para o campo jurídico a ação política, cujo discurso exige competências próprias, às quais nem sempre se ajusta o discurso judicial. Com isso, interpreta-se como arbítrio aquilo que é discricionariedade do julgador (os casos de desobediência civil ilustram bem a dificuldade do Judiciário em dar respostas a esse tipo de ação instrumental).

Depois, procura-se “editar” a cena judicial a fim de construir, perante a opinião pública, a imagem do homem perseguido, mártir das causas populares. O agir estratégico, no caso, cumpre duas funções. Do prisma processual, oferece meios para a ressignificação dos fatos, sedimentando o caminho para a absolvição do réu. De outro ângulo, na interface com a opinião pública e a grande mídia, ao promover a desconstrução da autoridade do juiz, colocando em crise a chamada legitimação pelo procedimento, a ação instrumental permite devolver ao Legislativo e ao Executivo o protagonismo da cena política. Mas esta retroalimentação do sistema político, cujo repertório já se revelara, no momento anterior, insuficiente para atender às demandas sociais, longe de resolver o impasse da vida político-institucional brasileira, aprofunda a crise.

Nesse quadro de incertezas, em que também se inscrevem a judicialização da política e a narrativa da politização do Judiciário, até mesmo a atuação jurisdicional que se desenvolva nos moldes clássicos pode ser confrontada pelo discurso deslegitimador, sem que o Judiciário, não familiarizado com os códigos da política, se veja em condições de dar tratamento adequado a esse tipo de argumentação. O discurso do golpe, que cresce à medida que se aproxima o pleito eleitoral de 2018, orienta-se precisamente nessa direção.

Quer-se fazer crer que há uma ditadura do Judiciário no País, pois a magistratura, que não tem mandato popular, ao chamar para si a atividade política, investe contra a separação dos Poderes, violando princípio fundamental da República. A falácia material não resiste ao exame da teoria política e da teoria geral do Estado. Dividem-se as funções do Estado, nunca o poder mesmo, indivisível por definição. Golpe de Estado haveria se fosse dissolvido o Parlamento ou anulado o Executivo, hipótese na qual o sistema deixaria de reconhecer a si próprio. [oficialmente o Parlamento não foi dissolvido nem o Executivo anulado, mas, a atuação de certos magistrados, especialmente dos ministros do STF, leva todos a uma única conclusão: quando um ministro do STF, ou três, em um colegiado de onze, decide criar uma punição para um parlamentar - tipo suspender o mandato como foi feito com Eduardo Cunha ou além de suspender o mandato instituir a prisão noturna - e nem o Poder Legislativo de forma oficial, pela vontade da maioria dos seus membros, repudia tão arbitrária medida, podemos considerar que se o Supremo decidir dissolver o Congresso Nacional a decisão será aceita por omissão; da mesma forma, o Poder Executivo, tudo que vai fazer tem que levar em conta o que o Supremo for chamado a intervir, vai decidir, e com esse pensamento pusilânime, se anula.

Lamentavelmente o ativismo Judiciário da nossa Suprema Corte que leva seus ministros a se considerarem SUPREMOS MINISTROS só vai parar quando uma Instituição mais forte se fizer presente na condição de PODER MODERADOR e colocar ordem na casa.] Intervencionismo judicial na vida política do País existiria se o Judiciário, abandonando a função de dizer o Direito quando provocado, passasse a legislar ou a gerir a coisa pública.

Ao afirmar, a esta altura da grave crise brasileira, que estaria em curso um plano para tornar inviáveis candidaturas nas eleições de 2018, busca-se, mais uma vez, desqualificar a legitimidade racional para lançar um apelo à emoção, o que remete a formas de legitimidade carismática, típicas do populismo. Se as práticas político-partidárias foram cooptadas por infratores da lei, se o sistema político se viu colonizado pela ação dos que pretendem destruir a política, sem condições de desenvolver mecanismos de reconhecimento e diferenciação, cabe ao Estado, uno e indivisível, lançando mão do que resta de racionalidade, cumprir o seu papel. E o Judiciário terá de fazê-lo por meio de códigos próprios, tratando como ilícito (conduta para a qual a norma prevê sanção) o que os réus querem ver reconhecido como mera dissensão político-ideológica.


Saiba mais:

Intervenção, legalidade, legitimidade e estabilidade

O altar da salvação nacional

 


Por: Luiz Sergio Fernandes de Souza - Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, mestre e doutor em direito (USP), é professor dos cursos de graduação e pós-graduação em direito da PUC-SP

quinta-feira, 28 de julho de 2016

Dilma pensa no dia seguinte

Um famoso revolucionário dizia que recuar em ordem é muito mais difícil do que avançar, pois exige muito mais do que coragem e audácia, mas sangue-frio, cálculo, organização, disciplina, capacidade de comando, avaliação correta da correlação de forças, para a retirada não virar uma debandada, o completo desastre. Esse parece ser o desafio posto para a presidente Dilma Rousseff, que prepara sua retirada definitiva do poder e despacha para Porto Alegre, a cada viagem, uma parte de seus pertences pessoais.

Depois da derrota do "Não vai ter golpe", a palavra de ordem que empolgou a militância petista, sepultada já na aprovação do pedido de impeachment pela Câmara; e do esvaziamento do "Fora Temer", que embalou a saída de Dilma Rousseff do Palácio do Planalto; e a resistência dos petistas nos ministérios, já não restam muitas esperanças de impedir a aprovação definitiva do impeachment pelo Senado e voltar ao poder.

O embargo de uma decisão dos senadores - a contagem regressiva já começou - é a mais remota das possibilidades no Supremo Tribunal Federal (STF), ainda que a tese do "golpe parlamentar", o eixo da defesa de Dilma, continue sendo propagada aos quatro ventos pelo PT e aliados. O julgamento do impeachment pelo "tribunal internacional" armado para condenar o golpe, formado por juristas indicados pelos partidos aliados do PT no exterior, foi apenas um ato de repercussão. Não tem a menor legitimidade nos fóruns internacionais dos quais o Brasil participa.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva já desencanou do impeachment
e foi cuidar da sua vida, numa estratégia para segurar a sua base eleitoral mais resistente, principalmente no Nordeste, e se manter como alternativa de poder em 2018. O PT finge que luta pela volta de Dilma, a ponto de o senador Cristovam Buarque (PPS-DF), olimpicamente, afirmar que ainda não decidiu seu voto, mas acredita que, em caso de votação, secreta até o PT votaria pelo impeachment. Pura ironia: ele traduz os que os parlamentares petistas dizem à boca pequena, ou seja, para a sobrevivência da legenda é melhor ter o presidente interino, Michel Temer, como inimigo, e a tese do golpe parlamentar como o discurso do que ter que defender Dilma até o fim do mandato.

Mas voltemos à retirada. O problema de Dilma é o seu "day after", ou seja, o dia seguinte após deixar o Palácio da Alvorada. Explica-se: com mandato cassado, perderá as prerrogativas de foro e imunidades de presidente da República, entre as quais a de não ser investigada por fatos anteriores ao exercício do mandato. Toda a estratégia de defesa de Dilma é blindada por esse dispositivo, pois até mesmo o que aconteceu entre 2010 e 2014, seu primeiro mandato, está fora de consideração no julgamento do impeachment. Ocorre que a aprovação do impeachment de Dilma e a cassação de seu mandato pelo Senado, por crime de responsabilidade, ainda que polêmica, abrir-lhe-á as portas do inferno da Operação Lava-Jato, em Curitiba.

Caixa dois
É por isso que Dilma tenta se livrar da responsabilidade sobre a denúncia de caixa dois na sua campanha de 2010 e diz que o problema é do PT. Como se sabe, o publicitário João Santana e sua mulher e sócia, Mônica Moura, na semana passada, disseram que receberam US$ 4,5 milhões recebidos em uma conta na Suíça, tendo como origem do caixa dois da campanha de Dilma. O casal foi interrogado pelo juiz Sérgio Moro, responsável pelos processos da Operação Lava-Jato na primeira instância.

Argumenta Dilma: "Se ele recebeu US$ 4,5 milhões, não foi da organização da minha campanha, porque ele diz que recebeu isso em 2013. A campanha começa em 2010 e, até o fim do ano, antes da diplomação, ela é encerrada. Tudo que ficou pendente sobre pagamentos da campanha passa a ser responsabilidade do partido. Minha campanha não tem a menor responsabilidade". Dilma é quem mandava na sua campanha e não o presidente do PT, Rui Falcão, cujo nome não apareceu em nenhuma delação premiada até agora.

Para complicar a vida de Dilma,
o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Gilmar Mendes, encaminhou para o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, relator do caso, novos detalhes sobre a empresa DCO Informática, contratada para disparar mensagens para celulares via WhatsApp durante a campanha. A empresa tem sede na cidade mineira de Uberlândia e recebeu R$ 4,8 milhões pelo serviço, em quatro repasses feitos ao longo de uma semana em outubro de 2014. A empresa não tem identificação na fachada e funciona como residência. O avanço das investigações sobre a campanha de Dilma desconstrói o discurso do golpe.


Fonte: Correio Braziliense