Análise Política
Um contingente muito específico de eleitores está no foco da disputa
entre os dois principais competidores, no momento, da sucessão
presidencial. São cerca de dez milhões de pessoas que nas duas últimas
décadas já votaram tanto no PT de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma
Rousseff quanto contra o PT. Estiveram em parte com o PSDB de 2006 a
2014 e maciçamente com Jair Bolsonaro em 2018.
Esse grupo abandonou o PT quatro anos atrás principalmente por causa das
denúncias de corrupção, mas é simplista parar por aí. As denúncias de
Roberto Jefferson em 2005 não impediram o petismo de sobrepujar, e bem,
os adversários em 2006 e 2010. As ações foram julgadas e as condenações
proferidas no primeiro mandato de Dilma. Mesmo assim ela conseguiu um
segundo quadriênio.
A fórmula explosiva que levou ao impeachment dela teve não um, mas dois
ingredientes: a Lava Jato e a recessão. Governos até se salvam de
escândalos quando têm sólida base político-parlamentar e a economia
caminha pelo menos razoavelmente, do ângulo do povão. Quando a economia
engasga, a intolerância com denúncias de malfeitos cresce
aceleradamente. Aconteceu em 2015-16.
A economia costuma comandar, mesmo quando outras variáveis têm mais
visibilidade. O mecanismo parece repetir-se. Segundo as pesquisas, a
percepção de melhora no cenário econômico começa a mexer nos índices de
aprovação do governo. Será uma surpresa se isso não repercutir em algum
grau nas intenções de voto do candidato à reeleição. Mesmo enredado em
outras polêmicas.
A recuperação econômica era previsível, e foi prevista, pela volta
completa das atividades produtivas e comerciais, mesmo que a Covid-19
ainda esteja matando por aqui mais de duas centenas por dia. Mas isso
aparentemente deixou de ser notícia. Ajudam também as exportações
anabolizadas pelo câmbio, mesmo com a tormenta econômica global
provocada em torno da guerra na Ucrânia.
E a recuperação vem acompanhada da queda do desemprego.
Até semanas atrás, o que travava a sensação de melhora era a inflação
resistente, mas a conjugação das medidas agressivas para baixar o preço
dos combustíveis com o igualmente agressivo aperto monetário promovido
pelo Banco Central parece estar contendo a alta dos preços. É provável
que a eleição transcorra num ambiente de emprego em recuperação e menos
inflação.[mais baixa do que a dos Estados Unidos e outras grandes economias.]
A oposição programou-se para uma jornada eleitoral com a população
tomada pela sensação de agudo mal-estar com a economia. As dificuldades
ainda são muitas, especialmente entre os mais pobres, a inflação da
comida machuca, mas a irritação persistente com o governo na classe
média e na elite econômica parece registrar alguma dissipação. E agora
começou a ser pago o Auxílio Brasil de 600 reais.
Resta saber se haverá tempo para que a virada na conjuntura econômica se
cristalize nas intenções de voto - e no voto. O tempo teoricamente é
curto, mas em períodos eleitorais ele costuma correr de um modo
diferente.
Alon Feuerwerker, jornalista e analista político
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Publicado na revista Veja de 17 de agosto de 2022, edição nº 2.798