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sábado, 2 de dezembro de 2017

A história se repete. Até quando?

A elite política, que apressou o poder no Brasil, é insaciável. Tomou o aparelho estatal. Usa e abusa de todas as benesses públicas sem qualquer pudor. Não tem sentimento de culpa. Pelo contrário, supõe que pode usar de todos os artifícios para preservar e ampliar ainda mais os seus privilégios.Despreza as instituições democráticas.Desqualifica qualquer iniciativa de controle popular. Como um Luís XIV tupiniquim, considera que o Estado é seu e ponto final.

Em meio ao cenário de desmoralização dos princípios democráticos, hipocritamente disserta sobre a importância de preservar a Constituição. Dissocia o discurso da prática concreta. Tem a certeza de que ainda detém em suas mãos o comando do País. Considera que possui a prerrogativa de mandar e desmandar. Nada pode obstar o seu domínio.

Nada na história é eterno, vai chegar uma hora, com o agravamento das contradições sociais, que o sistema não conseguirá se reproduzir 

Conseguiu transformar as eleições, que se repetem a cada dois anos, em um processo despolitizado. O momento que poderia representar a participação cidadã nos problemas nacionais, estaduais e municipais, com a análise de propostas e de candidaturas, virou um desfile de horrores. O cidadão não vê a hora para que tudo termine. Sabe que está sendo enganado. E, pior, não tem instrumento para manifestar sua indignação. Resta se abster, anular o voto ou escolher o menos pior. A festa da democracia, tão propalada durante décadas, em um processo de cruel metamorfose, transmudou-se em ópera bufa.

Nada indica que em 2018 o quadro mudará. Com o sistema eleitoral e partidário existente, teremos a reprodução daquilo a que assistimos nas últimas eleições. Os executivos vão ser controlados, na maioria dos estados, por quadrilhas que, de forma organizada, irão saquear o Erário, especialmente onde a sociedade civil é mais frágil. No governo federal, apesar de eventuais esforços individuais, o cenário deverá ser o mesmo. Dificilmente haverá qualquer mudança substancial entre os controladores da máquina pública, como ficou demonstrado no atual governo, que manteve, quase que in totum, a base de sustentação do projeto criminoso de poder petista. O mesmo cenário vai se reproduzir nos legislativos estaduais e no Congresso Nacional. Mas, como nada na história é eterno, vai chegar uma hora, com o agravamento das contradições sociais, que o sistema não conseguirá se reproduzir.

Marco Antonio Villa,  historiador, escritor e comentarista


sábado, 21 de outubro de 2017

A Justiça piscou - a piscadela da JUstiça foi motivada pelo desrespeito pela Constituição de três ministros do STF


A elite política vence a Lava Jato


A Lava Jato não mete mais medo em Brasília. Os graúdos da política aproveitam recuos do Supremo, acumulam vitórias e retomam território para a impunidade 

Em meio ao burburinho da sessão da Comissão de Constituição e Justiça, na quarta-feira, dia 18, o deputado Paulo Maluf (PP-SP) defendeu o presidente Michel Temer. Havia horas o colegiado debatia o relatório do deputado Bonifácio Andrada (PSDB-MG), que recomendava a rejeição de um pedido da Procuradoria-Geral da República para investigar Temer pelos crimes de organização criminosa e obstrução da Justiça. Maluf classificou a denúncia contra Temer como um ato de “terrorismo” contra a economia nacional. “Quem aqui pode levantar a mão e dizer ‘eu estou aqui sentado sem ter pedido recurso para ninguém, minha campanha custou zero’? Todos pediram recursos. Eu pedi e Michel Temer pediu. Mas de acordo com a lei”, disse Maluf, um veterano em ser alvo e reclamar de denúncias. Uma semana antes, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) confirmara sua condenação à prisão pelo crime de lavagem de dinheiro. Entre outras coisas, Maluf é acusado de movimentar ilegalmente US$ 15 milhões entre 1998 e 2006 em contas no paraíso fiscal de Jersey, uma ilha no Canal da Mancha.
 
A experiência na causa explica a ousadia de Maluf. Tamanha é a rejeição do presidente Michel Temer nas ruas – apenas 3% dos entrevistados da mais recente pesquisa consideram seu governo ótimo ou bom –, que nenhum de seus colegas foi tão longe quanto Maluf, a ponto de defender Temer por aspectos morais, como a “honestidade” ou a “probidade”. [Maluf se vangloria de não precisar fazer campanha política: "Vou cumprir este mandato de deputado federal em 2018, aos 87 anos. Se estiver com boa saúde, não preciso fazer campanha para deputado. É só dizer que sou candidato que estou eleito. Executivo não tem mais". Essa condição o autoriza a defender Temer sem medo de perder votos.] - SABER MAIS, CLIQUE AQUI.

Preferiram atacar a Operação Lava Jato na pessoa do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot, que encaminhou a denúncia no mês passado. “Quem merece crédito? O pinguço pego no porão de uma distribuidora de bebidas tomando um trago de ‘cana’ com um advogado ou o presidente da República, que contra ele não há nada absolutamente provado?”, disse o deputado Alceu Moreira (PMDB-RS), em referência a um encontro em um bar entre Janot e o advogado Pierpaolo Bottini, defensor do empresário Joesley Batista, da JBS, cuja delação premiada gerou as denúncias contra Temer.

O deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS), aguerrido defensor de Temer, alargou os limites institucionais. “Agora vem uma ditadura de procuradores que se associam a bandidos delatores”, disse em sua defesa, para que a comissão rejeitasse a denúncia contra Temer. Enquanto isso, agarrado a um exemplar da Constituição e a uma cópia da denúncia grifada, o relator Bonifácio Andrada – “nosso relator”, segundo o Palácio do Planalto – defendia os “aspectos técnicos” de seu trabalho. Não era necessário. Os acordos por cargos, emendas ao Orçamento e favores eleitorais acertados pelo governo fizeram com que 39 deputados votassem a favor de Temer e só 26 contra.

O resultado era esperado. A dança dos discursos é que merece atenção. Os parlamentares que defenderam Temer e o ajudarão a escapar definitivamente da investigação na votação no plenário da Câmara, prevista para esta semana, não têm mais medo de desancar a Operação Lava Jato em público. Aqueles que até pouco tempo atrás repetiam com dores agudas no estômago frases comoA Operação Lava Jato tem de ser preservada” hoje podem falar abertamente o que pensam da investigação contra a corrupção. A certeza em torno disso é corroborada pela salvação do senador Aécio Neves (PSDB-MG), presidente afastado do PSDB um dia antes.

Fonte: Revista Época


terça-feira, 13 de dezembro de 2016

A crise é do sistema

O impeachment de Dilma Rousseff não encerrou a crise política. Apenas abriu o processo que estamos vivendo

A cada dia fica mais patente que precisamos proclamar urgentemente a República. O ano de 1889 foi apenas o anúncio. O grito do marechal Deodoro da Fonseca ficou parado no ar. O simulacro de República conduziu o Brasil à mais grave e profunda crise política da nossa história. 

Como de hábito, em momentos como o que estamos vivendo, o tempo histórico corre rapidamente. A conjuntura política está absolutamente imprevisível. Tudo pode acontecer. Sem uma ação decisiva (e rápida) dos principais atores políticos, poderemos chegar muito próximos à convulsão social. Não é exagero, é mera constatação. 

O impeachment de Dilma Rousseff não encerrou a crise política. Apenas abriu o processo que estamos vivendo. Muitos, ingenuamente, imaginaram que o espírito de 1992 — quando do processo de impeachment de Fernando Collor — estava se repetindo em 2016. Não compreenderam que as contradições estão de tal forma acirradas que uma mera substituição de presidente não altera, por si só, o panorama político. Isso não significa diminuir a importância da derrota do projeto criminoso de poder. Não custa imaginar se Dilma ainda estivesse na Presidência em meio ao agravamento da crise econômica, que foi produzida por ela. Pior ainda, se, ao mesmo tempo, Lula ocupasse a Casa Civil. O que seria do Brasil?

A questão é que o bloco que ascendeu ao poder não entendeu que o impeachment foi produto da maior mobilização da sociedade civil da nossa História, e não do Parlamento. Supôs que o desejo das ruas fosse a mera substituição dos ocupantes das cadeiras da Presidência da República e dos ministérios. Erro crasso. No que Geddel Vieira Lima difere de Jaques Wagner? Milhões foram às ruas para isso?

Michel Temer jogou fora a expectativa favorável criada após o impeachment. Compôs um ministério ruim. Optou pela nomeação de políticos dos partidos da base, alguns sem qualquer expressão para a área para a qual foram indicados. Logo o governo deu sinais de paralisia. A maioria dos ministros permaneceu no anonimato. Pouco fizeram. Não viajaram pelo país. Evitaram entrevistas. Deram a impressão que não queriam ficar comprometidos com o governo. Eram ministros de si próprios, e não do presidente. A inépcia ministerial foi sentida pelo mercado. Teve reflexo direto sobre a tímida recuperação econômica. Se em agosto imaginava-se que o PIB cresceria 1,5% em 2017; hoje os mais otimistas falam em 0,5% e os realistas em zero. E a paralisia econômica agrava ainda mais a crise política. 

Com as primeiras revelações das delações dos executivos e acionistas da Odebrecht, a crise aumentou. Era esperado. Se o presidente Temer conseguir comprovar que não teve qualquer participação no esquema criminoso da Odebrecht, abre a possibilidade de dar um novo gás ao governo. Neste caso, é indispensável uma profunda reforma ministerial, com a demissão imediata de todos os acusados, e o compromisso de apoio à Lava-Jato sem qualquer tergiversação. Poderá até legitimar as propostas de reformas, inclusive a previdenciária. 

Contudo, se as acusações atingirem Temer ou se o presidente não conseguir convencer a opinião pública da sua inocência —, não é possível prever até onde irá a crise. Isto porque, diferentemente de outros momentos da nossa História — como 1930 e 1964 — não estão presentes alternativas reais de poder para substituir a ordem em declínio. E o vazio poderá, no limite, ser ocupado por algum ator fora da cena política tradicional. 

O agravamento da crise é responsabilidade da elite política. Não conseguiu entender que o Brasil mudou. Que a sociedade civil está vigilante. Que é peça de museu o brasileiro bonzinho, desinteressado em política e aguardando — pacientemente — receber algumas migalhas do banquete dos poderosos. Mais ainda: a paciência popular está se esgotando. Não custa imaginar como seria recebida a notícia de um eventual habeas corpus para Sérgio Cabral.

Com o conhecimento do conjunto das delações são 77 —, a bola vai para a Justiça. Aí mora mais um problema. Há uma enorme desconfiança em relação ao funcionamento do Poder Judiciário. E qualquer tentativa de um grande acordão vai fracassar. Relativizar a crise vai jogar ainda mais lenha na fogueira. Cambalacho jurídico —como o da semana passada livrando a cara de Renan Calheiros — vai receber uma dura resposta da sociedade. Resposta muito além das redes sociais, resposta nas ruas. 

É claro que o sistema político deu o que tinha de dar. Do jeito que está, é um produtor de crises, e não de governabilidade. As instituições — tão elogiadas pelas Polianas de plantão — estão carcomidas. Não atendem aos clamores populares e às necessidades estruturais para um bom governo. Terão de passar por uma profunda reforma. E reforma dos Três Poderes. Quem está satisfeito com o Congresso Nacional? E com a Presidência da República? E o Supremo Tribunal Federal? O dilema que se coloca é que se a crise é do sistema, a solução a curto prazo não passa pela reforma ou reestruturação de tudo o que está aí — que é uma tarefa de meses, anos. Dada a gravidade da situação, a intervenção para solucionar a crise tem de ser efetuada imediatamente. 

Fica o dilema: o governo Temer chegará até as eleições de 2018? Impossível dar esta resposta, tal o clima de incerteza. Os próximos dias serão decisivos. E o papel de Temer será central. Tem de assumir as rédeas do governo sem tentar acordos com quem for. Espírito conciliatório, neste momento, é um desserviço ao país. Estabelecer um contato direto com os sentimentos das ruas é um caminho. É preciso coragem. 

Fonte: O Globo - Marco Antonio Villa,  historiador