Que país incrível
esse Brasil
Quando você acha que já viu tudo, aparece uma gangue pé de chinelo
invadindo celulares de juízes, procuradores, deputados, senadores,
ministros de Estado e até do presidente da República, para capturar
dados e vendê-los no mercado obscuro da contrainformação. Enquanto nos Estados Unidos operações dessa natureza são objeto de
sofisticadíssimos esquemas de espionagem, algumas vezes operados desde
Moscou, os quadrilheiros brasileiros operavam em um fundo de quintal em
Araraquara.
Com a facada de Adélio Bispo, Bolsonaro ganhou a eleição de 2018. Com a “facada” desferida agora pelos hackers de Araraquara, ao presidente foi dada a chance de recuperar parte do prestígio perdido ao longo dos seis primeiros meses de governo, período em que produziu mais barulho e fumaça do que conteúdo de qualidade em que pudessem se agarrar aqueles que votaram nele para impedir a volta do PT ao Planalto. É muito cedo ainda para dizer aonde vai dar a investigação deste caso, mas neste momento Bolsonaro se transforma mais uma vez em vítima.
Segundo o hacker Walter Delgatti Neto, ele foi obtendo os números de celulares à medida que ia invadindo contas do Telegram. Curioso é ter chegado ao jornalista Glenn Greenwald, do site The Intercept, através dos telefones do ex-governador Pezão e da ex-presidente Dilma, aliados do ex-presidente Lula, que deveria ser o maior beneficiário do vazamento. Foi por aí que ele alcançou a ex-deputada Manuela D’Ávila, a quem disse ter procurado para contatar Greenwald. As investigações, que ainda engatinham, vão explicar melhor o depoimento de Delgatti e se ele de fato repassou de graça o pacote de dados do Telegram de Deltan Dallagnol para o site, como declarou à PF.
Nenhuma dúvida de que a ação dos hackers foi um atentado às instituições. Mas tampouco se pode negar que o escândalo acabou sendo um achado par
a Bolsonaro. Ao lado do benefício político causado pela sua vitimização, a de Moro e a de seu governo, o presidente colhe os louros pela reforma da Previdência, embora não tenha se empenhado por ela, e pela liberação de recursos do FGTS, apesar do limite de R$ 500. Tem ainda a seu favor o melhor resultado na criação de empregos desde 2014 e a recuperação de mais meio bilhão de reais desviados da Petrobras.
Mesmo tendo usado um cocar na quinta-feira, o que em Brasília é tido como um sinal de azar na política, Bolsonaro parece pronto para surfar uma onda de sorte. Resta saber até onde vai a investigação sobre os hackers e se a Polícia Federal vai de fato cumprir seu papel republicanamente. Qualquer erro na condução desse inquérito que resulte em parecer estar a serviço de Bolsonaro ou de Moro, e contra o PT, pode ser uma bomba atômica na reputação presidencial. E, claro, é preciso esperar um pouco para ver se Bolsonaro não vai queimar rapidamente esse capital acumulado com mais algumas das suas.
Uma pergunta
Por que pessoas que operavam no mercado sofisticado de bitcoin guardavam
quase R$ 100 mil em dinheiro vivo dentro de um armário? Não existe a
menor possibilidade de alguém comprar a moeda digital mandando reais
pelos Correios. Carregar malas de dinheiro pra lá e pra cá, transportar
dólares escondidos na cueca e
guardar cédulas em caixas
dentro de casa é mais parecido com coisa da história recente da corrupção nacional.
(...)
Faltou apuração
Durante a cerimônia no Palácio do Planalto na terça passada, um ajudante
de ordens se aproximou do presidente Bolsonaro enquanto o ministro
Paulo Guedes discursava. Cochichou alguma coisa no ouvido do presidente,
que abriu a boca e
arregalou os olhos com ar abismado
. Em seguida pegou o celular que o ajudante trazia na mão e falou com
alguém por uns 30 segundos. Terminada a ligação, devolveu o celular para
o ajudante de ordens, que se retirou. Bolsonaro ficou uns dez segundos
refletindo, com olhar ausente. Em seguida falou alguma coisa baixinho
para o vice-presidente, Hamilton Mourão, que fez cara de espanto. O que
foi? Pode ter sido o momento em que soube que fora hackeado? Pode, mas
não dá para garantir. A TV mostrou a imagem. E ficou nisso, ninguém
reportou o susto que deixou lívido o presidente.
(...)
Decepção no Uruguai Uma mulher voltou do Uruguai, na sexta, absolutamente desapontada. Foi a uma loja especializada comprar um baseado legal para fumar com o marido. Pediram a ela documento de identidade local. Ela não tinha porque é fluminense de Niterói. Disseram então que se tivesse um amigo uruguaio ele poderia comprar o produto. Ela levou um amigo, mas ele não estava cadastrado na loja. Ficaram todos de cara. Segundo a brasileira desiludida, a liberação da maconha no Uruguai “foi uma enganação do nosso Mujica”. Rsrs.
Ascânio Seleme, jornalista - O Globo