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domingo, 28 de julho de 2019

A segunda facada - O Globo - Ascânio Seleme


Que país incrível esse Brasil
 
Quando você acha que já viu tudo, aparece uma gangue pé de chinelo invadindo celulares de juízes, procuradores, deputados, senadores, ministros de Estado e até do presidente da República, para capturar dados e vendê-los no mercado obscuro da contrainformação.  Enquanto nos Estados Unidos operações dessa natureza são objeto de sofisticadíssimos esquemas de espionagem, algumas vezes operados desde Moscou, os quadrilheiros brasileiros operavam em um fundo de quintal em Araraquara

O resultado dessa invasão, que terminou em lambança e domina o noticiário há mais de um mês, paradoxalmente pode servir a Bolsonaro como uma segunda facada. O efeito do hackeamento sem paralelo nos celulares de autoridades ocorre no pior momento pessoal de Bolsonaro. As bobagens que vinha construindo com palavras e atos, como a ofensa aos nordestinos, a indicação do filho para a embaixada de Washington, a declaração sobre a fome e o ataque à Míriam Leitão, podem acabar lavadas e enxaguadas da memória pelo episódio. 

Com a facada de Adélio Bispo, Bolsonaro ganhou a eleição de 2018. Com a “facada” desferida agora pelos hackers de Araraquara, ao presidente foi dada a chance de recuperar parte do prestígio perdido ao longo dos seis primeiros meses de governo, período em que produziu mais barulho e fumaça do que conteúdo de qualidade em que pudessem se agarrar aqueles que votaram nele para impedir a volta do PT ao Planalto. É muito cedo ainda para dizer aonde vai dar a investigação deste caso, mas neste momento Bolsonaro se transforma mais uma vez em vítima. 

Segundo o hacker Walter Delgatti Neto, ele foi obtendo os números de celulares à medida que ia invadindo contas do Telegram. Curioso é ter chegado ao jornalista Glenn Greenwald, do site The Intercept, através dos telefones do ex-governador Pezão e da ex-presidente Dilma, aliados do ex-presidente Lula, que deveria ser o maior beneficiário do vazamento. Foi por aí que ele alcançou a ex-deputada Manuela D’Ávila, a quem disse ter procurado para contatar Greenwald. As investigações, que ainda engatinham, vão explicar melhor o depoimento de Delgatti e se ele de fato repassou de graça o pacote de dados do Telegram de Deltan Dallagnol para o site, como declarou à PF.

Parece encomenda política, tem cara de encomenda, uma vez que Delgatti não tem perfil de quem faz ação de natureza política. Ao contrário, ele responde por crimes de estelionato, furto qualificado, apropriação indébita e tráfico de drogas. Mas pode muito bem ter sido uma simples picaretagem de estelionatário. Mesmo assim, os efeitos favoráveis a Bolsonaro já estão plantados. Colateralmente, Moro também ganha, já que o foco passou para os criminosos de colarinho sujo. E perdem Lula e PT. 

Nenhuma dúvida de que a ação dos hackers foi um atentado às instituições. Mas tampouco se pode negar que o escândalo acabou sendo um achado par
a Bolsonaro. Ao lado do benefício político causado pela sua vitimização, a de Moro e a de seu governo, o presidente colhe os louros pela reforma da Previdência, embora não tenha se empenhado por ela, e pela liberação de recursos do FGTS, apesar do limite de R$ 500. Tem ainda a seu favor o melhor resultado na criação de empregos desde 2014 e a recuperação de mais meio bilhão de reais desviados da Petrobras. 

Mesmo tendo usado um cocar na quinta-feira, o que em Brasília é tido como um sinal de azar na política, Bolsonaro parece pronto para surfar uma onda de sorte. Resta saber até onde vai a investigação sobre os hackers e se a Polícia Federal vai de fato cumprir seu papel republicanamente. Qualquer erro na condução desse inquérito que resulte em parecer estar a serviço de Bolsonaro ou de Moro, e contra o PT, pode ser uma bomba atômica na reputação presidencial. E, claro, é preciso esperar um pouco para ver se Bolsonaro não vai queimar rapidamente esse capital acumulado com mais algumas das suas. 

Uma pergunta
Por que pessoas que operavam no mercado sofisticado de bitcoin guardavam quase R$ 100 mil em dinheiro vivo dentro de um armário? Não existe a menor possibilidade de alguém comprar a moeda digital mandando reais pelos Correios. Carregar malas de dinheiro pra lá e pra cá, transportar dólares escondidos na cueca e guardar cédulas em caixas dentro de casa é mais parecido com coisa da história recente da corrupção nacional.


(...)


Faltou apuração
Durante a cerimônia no Palácio do Planalto na terça passada, um ajudante de ordens se aproximou do presidente Bolsonaro enquanto o ministro Paulo Guedes discursava. Cochichou alguma coisa no ouvido do presidente, que abriu a boca e arregalou os olhos com ar abismado . Em seguida pegou o celular que o ajudante trazia na mão e falou com alguém por uns 30 segundos. Terminada a ligação, devolveu o celular para o ajudante de ordens, que se retirou. Bolsonaro ficou uns dez segundos refletindo, com olhar ausente. Em seguida falou alguma coisa baixinho para o vice-presidente, Hamilton Mourão, que fez cara de espanto. O que foi? Pode ter sido o momento em que soube que fora hackeado? Pode, mas não dá para garantir. A TV mostrou a imagem. E ficou nisso, ninguém reportou o susto que deixou lívido o presidente.


(...)

Decepção no Uruguai Uma mulher voltou do Uruguai, na sexta, absolutamente desapontada. Foi a uma loja especializada comprar um baseado legal para fumar com o marido. Pediram a ela documento de identidade local. Ela não tinha porque é fluminense de Niterói. Disseram então que se tivesse um amigo uruguaio ele poderia comprar o produto. Ela levou um amigo, mas ele não estava cadastrado na loja. Ficaram todos de cara. Segundo a brasileira desiludida, a liberação da maconha no Uruguai “foi uma enganação do nosso Mujica”. Rsrs. 

Ascânio Seleme, jornalista - O Globo


segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

Entre princípios e picaretagem

A proliferação indiscriminada de partidos políticos sem um mínimo de representatividade popular é mais um dos graves defeitos da Constituição de 1988

Como escrito há dias em nota intitulada A importância dos partidos políticos, a existência de legendas partidárias, pessoas jurídicas de direito privado “unidas em torno de um núcleo de princípios e ideias”, responde à necessidade do “aprimoramento, a difusão e a aplicação efetiva das ideias e propostas que circulam fecundamente numa sociedade”. Essa é a teoria. Sobre a prática nos ensina a leitura do noticiário político em geral e, no momento, o relativo à próxima eleição da nova Mesa Diretora da Câmara dos Deputados. Os interessados nessa eleição, candidatos ou não, aproveitam o recesso parlamentar para procurar colegas em seus rincões de origem e com eles discutir fraternalmente, olho no olho, o assunto com o qual quase todos eles estão prioritariamente preocupados: nomeações para cargos e funções públicas.

Não faltam na pauta política temas relevantes como o reajuste fiscal, as reformas partidária, da Previdência e tantas outras. Há até mesmo a questão da política a ser executada pelo futuro presidente da Câmara diante dos projetos do governo que já estão ou serão submetidos à apreciação dos parlamentares. Sobre essas questões, porém, não se extrai nem uma mísera linha das notícias relativas à sucessão no comando da Câmara dos Deputados. A grande maioria dos representantes do povo quer saber, antes de qualquer outra coisa, que cargo vai ocupar na nova Mesa Diretora ou nas comissões fixas ou especiais da Casa, ou como fica aquela sua indicação para a diretoria daquela estatal ou ainda para a chefia daquela repartição federal em seu reduto eleitoral. 

A regra é clara: quem não dá cá, não toma lá. É para isso que serve a maioria dos partidos políticos brasileiros, fundados apenas com o objetivo de permitir que seus dirigentes compartilhem dos recursos públicos.  A proliferação indiscriminada de partidos políticos sem um mínimo de representatividade popular, que servem apenas a interesses escusos de chefetes inescrupulosos, é mais um dos graves defeitos da Constituição de 1988. Tendo a intenção de acabar com o autoritarismo por mais de 20 anos imposto ao País pelo regime militar, os constituintes não cuidaram de calibrar adequadamente o sistema de freios e contrapesos que deve balizar, no sistema democrático, a separação, a independência e a harmonia dos Poderes. 

A legitimidade da representação popular que preenche cargos do Legislativo e do Executivo fica comprometida quando aos partidos políticos é permitido comportar-se à margem de “princípios e ideias” e atender a interesses escusos. Quando a contaminação do sistema partidário por esses interesses excede certos limites, a desarmonia e o consequente entrechoque de poderes coloca toda a sociedade diante do desafio de mudar o sistema para recuperar a seriedade e o equilíbrio.

A quem possa duvidar da gravidade da situação política num país em que já lutam por espaço e por cobiçados recursos públicos 35 legendas partidárias basta atentar para o fato de que, neste exato momento, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) registra 50 pedidos de criação de novos partidos, como mostrou reportagem do Estado. Chega a ser paradoxal o fato de que se pretenda criar tantas novas legendas exatamente no momento em que a classe política atinge níveis altíssimos de desprestígio e repúdio, em boa parte como consequência dos escândalos de corrupção sob investigação pela Operação Lava Jato e congêneres.

Esse fenômeno da corrida pela criação de tantas novas legendas partidárias pode ser explicado pela conjugação de dois fatores, além de uma legislação eleitoral inadequada: o baixo nível de informação e formação dos eleitores de modo geral e a convicção que têm os picaretas que enxergam na política um atalho para vencer na vida de que essa situação perdurará por muito tempo.   A imposição democrática de freios ao domínio desse tipo de picaretagem na política é um objetivo que pode ser em boa medida alcançado pela PEC, já aprovada pelo Senado, que estabelece cláusula de desempenho para a habilitação do acesso dos partidos a recursos do Fundo Partidário e ao horário eleitoral gratuito. Ninguém sabe dizer, porém, quando a Câmara dos Deputados se disporá a examinar essa proposta. É aí que mora o perigo.

 Fonte: Editorial  - O Estado de S. Paulo