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terça-feira, 5 de maio de 2020

STF 'tem o poder de errar por último' - Merval Pereira

O Globo

Supremo poder - O complô que é imaginário

Pela segunda vez em poucos dias, o ministro da Defesa, General Fernando Azevedo e Silva é obrigado pelas circunstâncias políticas provocadas pelo presidente Jair Bolsonaro a soltar uma nota oficial tentando retirar as Forças Armadas do protagonismo em que o presidente as coloca em manifestações antidemocráticas. A frase dúbia dita por Bolsonaro durante manifestação de domingo sobre as Forças Armadas tem o propósito de colocá-las ao lado das atitudes ilegais e inconstitucionais que está cometendo. [o cotejo da Nota Oficial - link acima - com o das declarações do presidente Bolsonaro mostra claramente que os pontos defendidos pelas Forças Armadas e o presidente são rigorosamente iguais - o que não é surpresa, por  as FF AA e o Presidente da República terem o mesmo  compromisso maior = a Constituição Federal e demais leis do Brasil.] 

As Forças Armadas teriam que se pronunciar, natural que não pudessem dizer claramente que o presidente está mentindo, ou usando-os como biombo para ações ilegais, mas coube uma nota oficial a respeito do entendimento sobre democracia, respeito às leis, ao Congresso e ao STF, para que não paire no ar nenhuma dúvida de que não estariam realmente ao lado de Bolsonaro quando ele quebra as regras da democracia. Sublinhando que as Forças Armadas são “organismos de Estado”, já eximiram-se de uma atuação de Governo, como a de domingo em frente ao Palácio do Planalto, com um teor político explosivo. Bolsonaro, no entanto, ainda tem uma compreensão por parte de seus pares militares, que não entenderam ainda, ou não querem entender, que essas manifestações são claramente ilegais. [o direito constitucional da 'livre expressão' só é válido quando as manifestações são contra o governo Bolsonaro - lembramos que o presidente Jair Bolsonaro não tem controle sobre as manifestações e,menos ainda, sobre a ação criminosa de infiltrados.]

Ao dizer na nota oficial que a “liberdade de expressão é requisito fundamental de um país democrático”, os chefes militares trataram como normal manifestações que pregam ações ilegais por parte das Forças Armadas, o que não tem nada de normal. Bolsonaro está diariamente transgredindo a lei, cometendo crimes de responsabilidade e crimes comuns, e vai chegar o momento em que retóricas dele e a dos que o combatem não serão mais suficientes. Nem notas oficiais do ministério da Defesa.

Bolsonaro está esticando a corda a tal ponto que parece querer o confronto para constranger o Supremo e o Congresso. É assim que acontecem os golpes modernos, que não necessitam que as Forças Armadas coloquem seus tanques nas ruas, apenas que sejam lenientes aos avanços antidemocráticos do chefe de governo da ocasião.  Ele cria situações constrangedoras, como a nomeação de um subordinado do delegado de Alexandre Ramagem para a Polícia Federal, numa tentativa de ludibriar o STF. É uma prova de que quer ter acesso a informações da Polícia Federal, o que confirma as acusações do ex-ministro Sergio Moro. [o que entristece é que querem punir o Presidente da República com base em interpretações de atos do presidente que não são tipificados como crimes em nenhuma lei - exceto nas interpretações criativos de parlamentares e alguns magistrados.] 
Ao acusar o Supremo e o Congresso de armarem um complô contra ele, Bolsonaro, além de instigar seus seguidores contra esses poderes da República, tenta rotular qualquer medida que o contrarie como parte desse complô imaginário.

Ontem, o ministro do Supremo Gilmar Mendes deu uma declaração esclarecedora, que tenta evitar que essa ação conspiratória atribuída ao STF não se torne verdade. Disse que as medidas liminares dos ministros Alexandre Moraes, impedindo a nomeação do diretor-geral da PF por desvio de finalidade, e Luis Roberto Barroso impedindo que os diplomatas venezuelanos sejam expulsos do país neste momento, por razões humanitárias, que irritaram especialmente Bolsonaro, são decisões pontuais que não podem ser entendidas como parte de uma ação conjunta contra o Executivo.   Também a proposta do ministro Marco Aurélio Mello de que atos do Poder Legislativo ou Executivo sejam tratados diretamente pelo plenário do Supremo, para evitar insinuações de que decisões monocráticas dos ministros tenham intenções políticas é “uma tentativa de resgatar a atuação do colegiado”, na definição de Marco Aurelio Mello, mas pode não ser factível, pois no mais das vezes as decisões liminares são tomadas devido à urgência do pedido, e não haveria tempo hábil para reunir o plenário. [nos tempos atuais o plenário pode ser reunido em minutos, inclusive para sessão virtual.]

O ministro Alexandre de Moraes, por exemplo, recebeu o pedido para sustar a posse de Ramagem na PF na véspera à noite, e teve que tomar a decisão na manhã da solenidade. O Supremo Tribunal Federal (STF) é a única instituição que tem capacidade de anular atos do Legislativo e do Executivo, pela Constituição. Portanto, falar em independência e separação harmônica de poderes não pode significar retirar a função específica do Supremo que, como disse Rui Barbosa,tem o poder de errar por último”.

O ex-presidente do STF Ayres Britto tem uma definição clara para essa situação: “Por que o Tribunal tem o nome de Supremo? Porque está acima de tudo, acima de todos, por ser o mais alto e extremo guardião da Constituição”  [são pensamentos, nos moldes do ora  destacado,  que provocam a insegurança jurídica semeada em muitas decisões do Supremo Tribunal Federal.]

Merval Pereira, colunista - O Globo


quinta-feira, 21 de março de 2019

Caminho perigoso - Disputa entre poderes tem potencial de crise

Ambiente político não comporta distensão nas duas pontas, e o embate ideológico abrange poderes da República

O ataque do senador Jorge Kajuru ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes, que viralizou nas redes sociais e foi tema de amplo debate no Senado, é exemplo da disputa de poder que está em curso entre o Legislativo, o Ministério Público e o Supremo, criando uma potencial crise institucional. O ministro Gilmar Mendes, acusado por Kajuru de vender sentenças e ser sócio de políticos que manda soltar, pediu as providências cabíveis ao presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli. Mas o próprio Gilmar, em seu voto no julgamento que acabou enviando para a Justiça Eleitoral os processos sobre corrupção política, insinuou aos brados que os procuradores de Curitiba estão atrás do “ouro”, devido à fundação privada que pretendiam criar para gerir a multa bilionária em dólares que a Petrobras pagou para se livrar de processos nos Estados Unidos devido ao escândalo do petrolão.

Disse ainda que eles adotam “métodos de gangster”, chamou-os de “gentalha despreparada”, “cretinos”. Poderia ser processado, assim como o senador Kajuru também. Mas os procuradores do Ministério Público se consideram donos da verdade, e invitam a opinião pública contra os que lhes fazem críticas. Fez bem o ministro Gilmar Mendes de não ampliar o escopo da tal investigação secreta mandada instaurar sobre “fake news” e insultos contra o STF e seus membros. O próprio Gilmar já processou, e ganhou, blogueiros sujos que o caluniaram, e esse deveria ser o comportamento normal de um ministro ou de qualquer outra autoridade quando confrontada com um comportamento incivilizado de cidadãos.

Não foi o que fez o ministro Lewandowiski quando um passageiro abordou-o afirmando que tinha vergonha do Supremo. Mandou chamar a Polícia Federal e o cidadão, um advogado, teve que depor por exercer seu direito de crítica. No momento radicalizado que vivemos, passou a ser corriqueiro autoridades serem perseguidas nas ruas ou em restaurantes por cidadãos indignados. [convenhamos que o Supremo com suas decisões de faz pela manhã, desfaz à tarde e refaz à noite semeia a INSEGURANÇA JURÍDICA  o que indigna cidadãos indignados, mas, não concede o direito de agredir ministros do Supremo ou qualquer outra autoridade;
 
imagine se qualquer cidadão indignado decidir 'tomar satisfação' de um autoridade que decidiu, ainda que erradamente, contra entendimento do indignado - valendo-se do fato de que é sempre possível ficar frente a frente com muitas autoridades em aeroportos  e mesmo no interior de aviões de carreira;
 
Pesa também a favor do ministro Lewandowski - que, destacamos não gozar de nossa simpatia por várias decisões absurdas tomadas na condição de ministro do STF, inclusive fatiando a punição da escarrada ex-presidente Dilma no impeachment, mas, mesmo assim merece o respeito devido a qualquer cidadão, inclusive os que são autoridade e erram mais do que acertam - sua condição de idoso, visto que quando sofreu a agressão já tinha 70 anos, enquanto o 'bravo agressor' é um jovem de no máximo 40 anos.
 
Quando não gostamos de uma decisão de alguma autoridade existe o remédio de contestar judicialmente, até mesmo intentar processar o autor da decisão - não sendo possível o processo, sempre resta o 'jus sperniandi', mas, jamais partir para a agressão física, ou mesmo verbal.]
 
Políticos ligados ao PT sofreram na pele, depois do impeachment da ex-presidente Dilma, o mesmo que causaram aos que lhe eram críticos durante o auge do governo Lula. Quando em maioria, achincalhavam os opositores e tentavam encurralá-los em uma definição ideológica rasa: eram direitistas. Até mesmo o PSDB, que hoje os bolsonaristas consideram perigosos esquerdistas, foi considerado de direita. [é melhor ter um petista como inimigo do que um tucano como amigo.]  Hoje, os bolsonaristas atacam pelas redes sociais quem critica o governo ou discorda de decisões tomadas e de atitudes que consideram indecorosas. São todos comunistas. O ambiente político não comporta distensão nas duas pontas, e o embate ideológico abrange também os poderes da República.

É sinal de nossa decadência como sociedade a impossibilidade de políticos e autoridades andarem nas ruas, ou entrarem em aviões. As redes sociais mudaram o patamar da participação dos cidadãos no debate político, o que pode ser bom e mau ao mesmo tempo. Bom porque amplia a capacidade de influir dos cidadãos, em nome de quem o poder é exercido. Mas mau, como acontece com mais frequência do que seria de se desejar num país civilizado, quando essas mesmas redes são utilizadas para vilipendiar políticos e autoridades de maneira geral. Mas é também sinal de retrocesso a tentativa de controlar as investigações contra a corrupção, o que provoca a ira dos cidadãos. A reação de parte do Legislativo contra o Supremo leva a que o poder de legislar se transforme em instrumento para vinganças, como a ameaça de instalar uma CPI para investigar o STF. [qualquer um que analise decisões do Supremo proferidas de uns tempos para cá encontrará, por mais isento que seja, razões para desejar uma CPI que investigue as mesmas; qualquer um dos Poderes pode ser alvo de uma CPI e o Supremo não está acima das leis.
A denominação SUPREMO não o torna, ou a seus membros, acima de tudo ou de todos - a denominação se deve a ser o último a se manifestar em um processo o que, como bem dizia Rui Barbosa, lhe concede o direito de errar por último.] Ou a proposta de uma legislação que transforma o cargo vitalício de ministro do Supremo, com aposentadoria compulsória aos 75 anos, em cargo de mandato fixo.

Não que seja estranho os ministros dos tribunais superiores terem mandato, diversos países democráticos são assim. Nos tribunais europeus, de maneira geral, os mandatos podem ser de 8 a 14 anos, dispostos de tal forma que as vagas abram em períodos regulares. Já nos EUA, o mandato é vitalício sem aposentadoria compulsória. Lá, quando vão chegando a uma idade muito avançada, ministros esperam a entrada no governo de um Presidente do seu grupo político para se aposentar.

Tanto o PT quanto os bolsonaristas alimentam essa rivalidade com esmero. Eduardo Bolsonaro já disse que para fechar o Supremo bastava mandar um cabo e um soldado. José Dirceu, condenado diversas vezes e prestes a voltar para a cadeia, disse que é preciso esvaziar ao máximo o Supremo. [uma das decisões que irritam, indignam os cidadãos contra o Supremo está de um bandido do tipo do Zé Dirceu, condenado em vários processos, dezenas e dezenas de anos de cadeia a puxar, continuar solto - salvo engano foi solto por uma decisão tomada, de ofício, pelo atual presidente;
 
outra, é a indecisão = comportamento sem rumo, o que decide hoje muda amanhã e logo decide diferente - sobre prender ou não em segunda instância. O STF já se manifestou mais de uma vez, pelo seu Plenário, pela prisão em segunda instância - agora planeja em abril reexaminar o caso.
Tem outras, o que  falta é disposição para apontá-las, malhando em ferro frio.]

Se os membros dos poderes não se dão ao respeito, nem se respeitam uns aos outros, por que o cidadão iria respeitá-los? Esse caminho leva a uma crise institucional.