A manipulação em torno do depoimento de Lula
Tenta-se criar polarização entre o
ex-presidente e Moro, quando, na verdade, se trata de uma sessão de
testemunho em um dos cinco processos a que ele responde
[a situação de Lula é idêntica a de Marcola, Fernandinho Beira-mar e outros: qualquer um dos dois se absolvido em um processo será condenado em muitos outros.]
É conhecida a capacidade do lulopetismo de criar “narrativas” e
repeti-las à exaustão até ganharem ares de verdade para os desavisados. A
primeira demonstração desta faceta ocorreu em 2005, na denúncia do
escândalo do mensalão, em que ficou explícito o uso de caixa 2,
explicado por Lula como algo que “ todos (os partidos) fazem”. Mesmo que
tenha pedido desculpas em público, recuou mais à frente e passou a
responsabilizar a “elite” e a “mídia” pela invenção do escândalo.
Doze anos depois, Lula e PT tentam converter o depoimento do
ex-presidente marcado para amanhã em Curitiba, perante o juiz Sergio
Moro, da Lava-Jato, em um evento político. Mesmo que a sessão seja
adiada, em aceitação de pedido da defesa de Lula, alegadamente para
tomar conhecimento de novos documentos juntados ao processo, a intenção
do lulopetismo é no mínimo uma impropriedade. Pois nem sequer será um
ato decisivo neste processo.
Induz ainda a se pensar que Lula não se considera capaz de responder
às denúncias que em algum momento lhe serão feitas pelo Ministério
Público, e por isso deseja usar uma audiência para perguntas do juiz a
fim de convertê-la em palanque. O objetivo da politização ficou
explícito com o pedido da defesa para que Sergio Moro permitisse a
gravação em vídeo da sessão, pelo PT, a fim de se contrapor ao registro
que faz a Justiça, com a imagem fixa no depoente. Pedido negado.
Tenta-se transformar a presença de Lula perante Moro num embate
decisivo num ringue judicial. Trata-se, na verdade, de um rito de praxe —
como tudo na Justiça —, em que o juiz faz perguntas e o réu responde. Esta sessão é de uma das cinco ações a que Lula responde na Justiça.
Refere-se ao tríplex do Guarujá, litoral paulista, reformado pela
empreiteira OAS, cujo presidente à época, Léo Pinheiro, já disse a Moro e
a procuradores da Lava-Jato que estava reservado para Lula.
Que o imóvel era de Lula, foi informação publicada pelo GLOBO em
2010. Há, inclusive, vídeo de uma visita dele ao apartamento,
ciceroneado pelo próprio Léo Pinheiro. A OAS também adquiriu e instalou
as cozinhas do sítio de Atibaia e do tríplex, segundo testemunhos. As outras quatro ações: atuação da Odebrecht na compra de um terreno
para o Instituto Lula, afinal não usado; obstrução de Justiça, no caso
em que é acusado de, por meio do ex-senador Delcídio do Amaral, tentar
evitar delações do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró; tráfico de
influência no BNDES; obtenção de ajuda ao filho Luís Cláudio, em troca
da indução a que a presidente Dilma prorrogasse incentivos fiscais de
empresas (Operação Zelotes).
A capacidade de o lulopetismo travar lutas políticas por bandeiras
vazias é reconhecida. A diferença em relação a 2005 é que o Lula de hoje
conta com longa lista de denúncias contra ele. Inclusive a de que era o
“chefe” do petrolão, segundo o ex-diretor da Petrobras Renato Duque.
Fonte: Editorial - O Globo