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domingo, 4 de outubro de 2020

Teto? Que teto? - Eliane Cantanhêde

O Estado de S. Paulo

Sem Guedes, tem de compensar a fuga ‘de cima’ comprando a turma ‘de baixo’. E o teto?

O que está em jogo no isolamento do ministro da Economia não é apenas a queda ou não de Paulo Guedes, um nome a mais ou a menos. A questão central, que preocupa e assusta, é a sobrevivência do último pilar da campanha do presidente Jair Bolsonaro: liberalismo e pragmatismo na economia. Ou seja: o que balança não é Guedes, é a política econômica. Do Bolsonaro de 2018, pouco sobra. [a honestidade de princípios torna imperativo lembrar que todos os projetos do Bolsonaro 2018 - da mesma forma que de todos os líderes mundiais - não contavam com uma pandemia em 2020. Ou tudo deve permanecer engessado? Nada fazer significa, considerando o mínimo, deixar milhões de desassistidos morrer à míngua = ótima publicidade a ser usada pelos inimigos do Brasil em 2022
Qual o sabor, o valor nutritivo de um prato de liberalismo?]. A promessa de combate à corrupção amarelou com a investida nos órgãos de investigação e apagou com a queda de Sérgio Moro. O embate contra a “velha política” foi-se com o abandono do PSL e das novas bancadas do Congresso, trocados na cara dura pelo Centrão e seus ícones.

[Sem Guedes as coisas vão melhorar - haverá um rumo, o país terá uma política econômica que tem a obsessão do ainda ministro,  pelo retorno da CPMF, como 'norte']

O que sobra? Sobra o compromisso com liberalismo, reformas, privatizações e desburocratização, que vai perdendo credibilidade com um Paulo Guedes claudicante, sem resultados e com os nervos à flor da pele. A sensação em Brasília e no mundo dos negócios é que, apesar do blábláblá, estourar o teto de gastos é questão de tempo. É isso, inclusive, que o fura-teto Rogério Marinho, ministro do Desenvolvimento Regional e inimigo frontal de Guedes, já diz abertamente. Depois nega, mas obriga Guedes, com ar cansado, a lembrar: “Furar o teto para fazer política e ganhar a eleição é irresponsável com as futuras gerações, é mergulhar o Brasil no passado triste de inflação alta”. [pergunte a um faminto o que prefere: um prato de refeição por dia com inflação alta ou um copo com água por dia, e nada mais, com uma inflação suíça?

Um pouco do plano Marshall e um crescimento próximo ao chinês é bem melhor do que a estagflação = que infelizmente virá, socorrendo aos necessitados ou não. Se questiona demais ajudar os necessitados, os desassistidos, mas o silêncio é total quando se usa recursos públicos para financiar os estados e municípios, em sua maioria, com raríssimas exceções, vítimas da incúria e incompetência de governadores e prefeitos que tem os entes federativos que administram protegidos, pelo Governo federal, dos males econômicos advindos da pandemia. ]

A guerra pública de Guedes é, num dia, contra o deputado Rodrigo Maia e, no outro, com Rogério Marinho, mas Guedes sabe quem é o adversário real e o recado teve um alvo certo quando ele falou em furar o teto para “ganhar eleição”. Esse alvo se chama Jair Messias Bolsonaro, seu chefe. [o que em qualquer país do mundo, incluindo Inglaterra, Estados Unidos,  justificaria a demissão sumária do subalterno.]

O presidente está em campanha, exige um Bolsa Família para chamar de seu, insufla os fura-teto, fecha os olhos para os ataques de Marinho e dá ouvidos aos militares do Planalto que, de economia, entendem zero. Logo, o risco para Guedes e a política econômica liberal que elegeu Bolsonaro é o próprio Bolsonaro, que se aproveita de um dado da realidade: Guedes fala muito, mas entrega pouco e foi pego de jeito pela pandemia e a cambalhota na prioridade fiscal. Da campanha de 2018, sobram ainda a política externa centrada em Donald Trump, de futuro incerto; a pauta conservadora, que fez Bolsonaro refém de igrejas evangélicas multimilionárias; a visão destruidora do ambiente, que joga o mundo contra o Brasil; e a obsessão pelas armas, que derruba textos, portarias e decisões do Exército, deixando no ar a suspeita de estímulo a milícias.

Soa só ridículo, mas é perigoso, que setores evangélicos cobrem privilégios na Receita, interfiram em nomeações do governo e exijam que o futuro ministro do Supremo Kassio Marques faça uma profissão de fé no “conservadorismo”. E o que dizer do Meio Ambiente, onde as queimadas destroem e a boiada passa? Incêndios criminosos na Amazônia e Pantanal, cipoal jurídico contra a preservação de manguezais e restingas, desidratação de Ibama e ICMBio e a versão da “ganância internacional”.

Só falta recriar o MEC, já que, em quase dois anos de governo, educação e cultura andam juntos, sem rumo, prioridade e respeito. [MEC - Ministério da Educação e Cultura, denominação e sigla não são essenciais, mas no tempo em que o MEC     cuidava da Educação, que era tratada como prioridade, e a cultura ficava em um dos seus apêndices, assim como outros assuntos menores que não merecem atenção própria, a Educação era melhor no Brasil. 

Professores davam aulas e os alunos aprendiam. E a UNE - serve para que mesmo? - não se limitava a ganhar milhões emitindo carteirinhas - a MP que acabava com a mamata foi desprezada pelo Congresso.

A cultura, em minúsculas por merecimento, piora a cada dia. No passado, mesmo no advento da 'nova república' era bem melhor.

As manifestações culturais de agora se destacam por atentar contra a família, a moral, os bons costumes, à vida, os valores cristãos, nada produzindo que resulte em espetáculos, produções que de destaquem pelo que contém e transmitem. 

Um grupo que em tempos passados teria sido alijado, escarrado, execrado  pela própria sociedade, produziu uma blasfêmia no Natal passado e foi festejado].O foco do ministro Milton Ribeiro é (contra) a educação sexual, os gays e os “jovens sem fé”. Na Cultura, depois do vídeo nazista, [?]  agora a transferência da Fundação Palmares para o ex-almoxarifado da EBC, caindo aos pedaços. Logo, Bolsonaro deveria reafirmar, não só de boca para fora, seu compromisso com o liberalismo – que é o que lhe sobra. Bolsonarista raiz joga Guedes fora com a mesma ligeireza que jogou Moro, mas bolsonarista nos mercados, empresas, fundos investimentos e opinião pública pode atingir seu limite. Para compensar a fuga “de cima”, só comprando a turma “de baixo”. Teto? Que teto?

Eliane Cantanhêde, colunista - O Estado de S. Paulo