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terça-feira, 19 de setembro de 2023

Bioética - Por que ainda é preciso falar de aborto? - VOZES

Francisco Razzo  - Gazeta do Povo

aborto

Ação que legaliza aborto está liberada para julgamento no STF.| Foto: Unsplash

A renomada filósofa Hannah Arendt destacou que os seres humanos não são apenas mortais, mas também seres que nascem
O ser voltado para a morte é igualmente o ser voltado para a vida. 
No conceito de natalidade, encontra-se o verdadeiro “milagre da liberdade”; no ato de “nascer”, e não apenas no mero fato biológico de reprodução, reside o poder fundamental de “começar”, isto é, “que cada indivíduo representa um novo começo, pois através do nascimento ele traz ao mundo algo que não existia antes e que continuará após sua partida”. Isso é exatamente o que o suposto direito sexual e reprodutivo aniquila ao reduzir a mulher a uma mera reprodutora biológica. 
O direito ao aborto representa, de fato, um ataque à humanidade das mulheres, e não sua emancipação.

Como busquei elucidar em meu livro Contra o aborto, lançado em 2017, existe uma intrincada rede composta por entidades nacionais e internacionais, governamentais, intergovernamentais e não governamentais, que defende o aborto há pelo menos meio século. Alguns dos nomes mais proeminentes incluem Planned Parenthood, Ipas, Cfemea e, infelizmente, a própria ONU.

O termo “debate” – que deveria significar um confronto aberto e ponderado de ideias, guiado por regras claras de argumentação racional –, no contexto retórico de uma sociedade indulgente, passa a representar nada mais do que a “urgente necessidade de promover uma agenda” pró-aborto. Não há verdadeiro debate, mas sim proselitismo, e qualquer oposição é prontamente rotulada como extremista e radical, ou, em outras palavras, desumana.

    O direito ao aborto representa, de fato, um ataque à humanidade das mulheres, e não sua emancipação

O marco histórico crucial para essa mudança semântica em relação ao aborto pode ser rastreado até o caso Roe v Wade, quando a Suprema Corte dos EUA decidiu, em 1973, que a mulher tinha o direito de interromper a gravidez.

No debate sobre o aborto, a proteção do direito à vida do nascituro foi obscurecida pelos ideais de liberdade sexual e direitos reprodutivos das mulheres. Surgiu uma falsa dicotomia entre dois direitos fundamentais: vida e liberdade. 
Como se o direito à vida do embrião fosse uma violação do sagrado direito de liberdade sexual da mulher. 
Contra esse cenário cultural, a defesa do status moral do embrião foi relegada a um mero apelo metafísico, justamente em uma era de desdém pela metafísica. 
A decisão Roe v Wade deve ser vista como um marco e entendida na perspectiva filosófica adequada: um sintoma da degradação moral que a década de 60 simboliza
A legalização do aborto não é a causa, mas um dos efeitos das profundas crises espirituais geradas pelo século 20.

É importante destacar que um dos documentos mais relevantes da Igreja Católica sobre natalidade foi publicado em 25 de julho de 1968, apenas dois meses após os movimentos estudantis sacudirem a Europa e os Estados Unidos. Refiro-me à encíclica Humanae Vitae, do papa Paulo VI. A primeira linha da encíclica define o tom de toda essa triste realidade. Paulo VI afirma: “O gravíssimo dever de transmitir a vida humana”. Pois é disso que se trata quando falamos em ser – homens e mulheres “parceiros” na transmissão da vida e na colaboração com Deus: um dever gravíssimo. 

A noção de direitos reprodutivos femininos subverte essa seriedade, criando a ilusão de que a vida humana é trivial.

Retoricamente, as entidades envolvidas na legalização do aborto no Brasil são imitações e extensões de suas contrapartes internacionais. 
As mais notórias e ativas são Anis – Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero, Católicas pelo Direito de Decidir e o Grupo de Estudos sobre o Aborto (GEA). De alguma forma, todas essas entidades estão associadas à pressão que o Supremo Tribunal Federal tem enfrentado para legalizar o aborto, o que é um absurdo, já que o aborto deve ser tratado no âmbito do Poder Legislativo e não do Judiciário. 
Embora essas pessoas, como membros da sociedade civil, tenham todo o direito de se organizar e defender o que acreditam ser o melhor para a sociedade, o problema reside na estratégia empregada: dissimulação, manipulação de dados, desinformação e excesso de retórica.  
O pior de tudo é assistir a um Judiciário completamente comprometido com essa agenda.
 
Sinceramente, vejo a necessidade de adotarmos uma postura clara e racional no debate público sobre o aborto
Além de toda a retórica superficial do ativismo sensacionalista, é essencial entendermos o aborto não apenas como uma questão médica ou legal, mas como algo que diz respeito à nossa própria humanidade.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos

Francisco Razzo, colunista e filósofo - Gazeta do Povo - VOZES


sexta-feira, 23 de março de 2018

Um inaceitável crime comum

O assassinato de Marielle Franco urdiu-se nas entranhas do desgoverno em que se atolou o estado do Rio de Janeiro. Foi planejado e executado por aqueles que se acham inatingíveis pelas leis 

A definição de crime político justificou muitas ações contrárias a regimes totalitários. Por muito tempo, tornou-se bandeira de movimentos democráticos que reagiram com força a opressões brutais. A filósofa Hannah Arendt analisou com rigor motivações que podem legitimar atos fora da lei. A definição de crime de origem política, entretanto, é controversa e inconclusiva.

No Brasil pós-redemocratização, muitos dos valores e slogans empunhados por atores políticos tornaram-se anacrônicos. Foram abandonados porque tinham o passado impregnado em si. A justificativa de crime político para o que se chamava de “expropriações” e “justiçamentos”, por exemplo, perdeu-se no tempo. A definição moderna de crime político está associada mundialmente à questão do combate ao terrorismo e à proteção dos direitos humanos.


Tal apanhado jurídico se faz necessário em razão do brutal assassinato da vereadora carioca Marielle Franco (PSOL). Muitas foram as vozes que se levantaram para apontá-lo como “crime político”, numa acepção nova. Seria político porque vitimizou uma parlamentar com uma agenda de defesa de minorias e excluídos. Seria político porque se suspeita que agentes públicos, em especial policiais militares denunciados por ela, possam estar entre os executores e mandantes do crime.

Marielle Franco era uma liderança política emergente e talentosa. Vida exemplar ao ancorar na formação escolar e política seu crescimento pessoal e público. Defensora de bandeiras comportamentais progressistas, alinhada aos segmentos mais sacrificados pela desigualdade e pela violência. Era um quadro cuja vida longa enobreceria o sistema político brasileiro. É preciso deixar claro, no entanto, que a morte de Marielle Franco não foi um crime político, uma forma suave e desvirtuada de desqualificá-la. Foi um crime comum, e isso o faz mais grave, não menos. Foi comum porque é usual numa sociedade que se acostumou à violência. Foi comum porque repete a barbárie invisível tornada costumeira na periferia. Foi comum porque os suspeitos são os de sempre em muitos dos assassinatos ocorridos nos anos recentes. Foi comum por trazer em si a certeza da impunidade que seus perpetradores acumularam ao longo do tempo.


Espera-se agora a pronta resposta do estado a um crime nascido da inapetência de seus principais gestores. A polícia do Rio antecipa à imprensa cada passo da investigação. Pretende assim combater as críticas de inação. No entanto, movimentações ruidosas são contraproducentes para investigações técnicas e eficientes. A solução do assassinato de Marielle Franco — com a prisão e condenação dos culpados — dimensionará a capacidade do estado em proteger seus líderes e a própria democracia. O fracasso indicará instituições débeis, à beira do colapso, alvo fácil de um batalhão de assassinos que perpetrarão impunes novos crimes. Crimes cada vez mais comuns.

 Época