Outro dia, dei-me conta de que um novo mal havia acometido o país e que
eu apresentava, por vezes, sintomas desse mal. Refiro-me à “lacração”
como peça do debate político.
A lacração
não é uma síntese, um concentrado de sabedoria. Ela é um diminutivo da
Razão, que ganha R maiúsculo, estatura necessária e cumpre papel
importante na formação de ideias quando, no conteúdo e na forma, se
expressa apta e consistente para o natural contraditório.
Por conta
desse vício, as ideias ganham o tamanho da frase com que se apresentam.
Forma-se o hábito da brevidade. Do textão para o textinho e do textinho
para a frase lacradora que em segundos de leitura arranca um sorriso ou
uma gargalhada. Nesses poucos segundos, de algum modo, o debate político
se atrofia.
A lacração é
parente muito próxima da maledicência, que é outro vírus que infesta o
ambiente nacional, tendo seus principais hospedeiros na comunicação
social e no mundo político. Desqualificar o adversário tornou-se o dever
número 1 de quaisquer antagonismos como forma de vencer sem ter razão.
Esse é um
terreno perigoso, moralmente desastroso se a epidemia se alastra e toma
conta do ambiente acadêmico e cultural, porque a pessoa humana é um ser
em construção.
Ela deveria buscar, pelo exercício da liberdade, a
perfeição de sua natureza.
Quando negligenciado esse dever, com o
abandono da leitura de bons autores, porque uma tuitada é a coroa da
verdade que se quer apresentar, há uma perda individual com
consequências sociais.
Deus nos
fez dotados de inteligência que nos permite conhecer o bem, de liberdade
que nos possibilita escolher o bem, e de vontade para resistir a tudo
que nos pode afastar do bem.
Sim, caros leitores, a palavra vontade
tanto designa aquilo que queremos quanto significa a força para
renunciar ao que queremos para fazer aquilo que devemos.
Comumente
chamamos a isso de força de vontade.
Muito embora a primeira regra moral
afirme que devemos evitar o mal e buscar o bem, quem evita o mal está
cumprindo a metade mais neutra e mais comum da regra.
Difícil é fazer o
bem; e mais difícil, ainda, é fazer todo o bem que se possa. Na vida
pública, isso é especialmente significativo.
Ali, não fazer o mal –
tarefa dos medíocres, segundo José Ingenieros – já é difícil. Fazer o
bem é a missão de estadistas, dos quais estamos tão carentes! Os que
temos, por poucos que são, não atendem a demanda nacional.
Por isso,
me desgosta vê-los, tantas vezes, perdidos em lacrações que valem tanto
quanto duram.
A vitória dos conservadores e dos liberais só terá a
extensão necessária se as respectivas ideias e as correspondentes ações
alcançarem com clareza os corações e as mentes que andam por aí, vazias
por falta de quem lhes proporcione bons conteúdos.
Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org,
colunista de dezenas de jornais e sites no país.. Autor de Crônicas
contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A
Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia
Rio-Grandense de Letras.