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sábado, 7 de agosto de 2021

Demoraram, hein?! - Carlos Alberto Sardenberg

Reação  - Foi muito bom o conjunto de reações ao presidente. Mas demoraram, hein?

Vão me desculpar, mas tenho de citar a coluna de sábado passado — “Os crimes do presidente: quem vai punir?”.  Em linguagem simples, dizia o seguinte: Bolsonaro passa dos limites todos os dias, e ninguém vai fazer nada?

Bom, fizeram, em três atos.

[Bom? bom em que? adiantou alguma coisa? afinal o imbróglio continua, já que o TSE, se arvorou em 'dono' do sistema eleitoral, bem ao estilo: "é nosso, fazemos o que nos der na telha, conforme nossa vontade e não temos que prestar contas a ninguém", e na condição de 'dono' simplesmente não aceita colocar mais uma cadeado na porta, que pode ser arrombada = não estamos dizendo que foi arrombada ou afirmando que será arrombada, apenas PODE ser arrombada e nada justifica a resistência a um aumento da segurança.
Na hora em que o TSE aceitar que não é Poder Legislativo e não tentar impor a vontade dos seus 'donos', deixando que o Congresso Nacional decida soberanamente sobre o tema, a confusão se acaba. O que o Congresso Nacional decidir,  estará decidido e deve ser acatado. Proceder de tal forma é respeitar a democracia.]

Primeiro, o Tribunal Superior Eleitoral, por unanimidade, incluiu o presidente num inquérito que poderá levar à cassação da chapa de 2018 (Bolsonaro/Mourão) ou apenas do cabeça de chapa. [se o inquérito provar que ocorreram crimes na campanha de 2018, a punição está prevista em lei; aliás, tal inquérito deveria ter sido até concluído.]

Depois, veio o manifesto de empresários, banqueiros, líderes religiosos, economistas, ex-ministros, ex-presidentes do Banco Central, intelectuais, artistas, enfim, uma potente tomada de posição do capital, do PIB e da sociedade civil. [qual o valor da opinião desses manifestantes de sofá?]  O manifesto não cita o nome de Bolsonaro — não queriam fulanizar, disseram alguns signatários —, mas é obviamente contra ele e suas ameaças à democracia e ataques ao sistema eleitoral.

E, já que foi assim, digo eu, deveriam, sim, ter fulanizado. Tem um fulano bem determinado que está ameaçando golpes. De todo modo, o movimento se espalhou rapidamente, saiu de 260 assinaturas iniciais para 7 mil em três dias — e continua recebendo adesões no site eleicaoseresspeita.org.Enfim, cabe aqui um “antes tarde do que nunca”, como registraram alguns pesos pesados do mundo econômico. Houve broncas ao pessoal do mercado financeiro, muito “leniente” diante da aproximação de uma dramática crise institucional. [garimpamos no site do Puggina, o magistral comentário, adiante, que corrobora nosso entendimento do valor ZERO do "manifesto dos manifestantes de sofá" - somem 250, 260, 100.000, etc: "Que importância pode ter a opinião das 250 - ou seja lá quantas forem - "personalidades"? Desde quando popularidade é critério de aferição de verdade científica? A maioria pode, e deve, escolher um governo, (é o seu direito, deve ser respeitado), mas não há garantia de que escolha certo; há exemplos gritantes na História do contrário. Mas sobre a confiabilidade de um processo tecnológico, o quê entendem eles? São esses que assinam que me darão lições? São eles que estarão comigo quando chegar a hora em que Deus vai me julgar? Claro que não - então, que estes presunçosos e vãos "assinadores de manifestos" recolham-se à sua insignificância - darei às suas opiniões o merecido valor (nulo) Fernando A. O. Prieto"]

No terceiro movimento, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, fulanizou na veia. Praticamente rompeu relações com o presidente da República ao cancelar a reunião entre os chefes dos três Poderes que ele mesmo, Fux, havia arranjado. Disse que fazia isso porque Bolsonaro se tornara uma ameaça à democracia e a seu pilar, o sistema eleitoral. Agora, Bolsonaro é alvo de três inquéritos, mas com um enorme obstáculo para o prosseguimento deles. O presidente só pode ser denunciado pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, que, em vez de defender a sociedade e o estado de direito, tornou-se um quase advogado de Bolsonaro.

Fux chamou Aras para uma conversinha ontem. Ambos deram notas anódinas sobre a reunião, mas é óbvio que o presidente do STF não chamaria o PGR, neste momento, para tratar de abobrinhas. Claro que cobrou uma conduta responsável. Parece que o inquérito do Tribunal Superior Eleitoral poderá caminhar sem a intervenção do PGR. A ver. A reação aos desmandos de Bolsonaro ficou tão nítida que o vice Mourão praticamente se candidatou a presidente. Ele disse que a polarização Bolsonaro x Lula não é boa para o país porque há muitos eleitores que não querem votar nem em um nem no outro. Logo, um terceiro nome poderia atender esse eleitorado. Não poderia ser mais claro.

Claro, muito difícil ele conseguir montar essa candidatura para 2022. Mais possível (provável?) que seja chamado, antes disso, para um mandato tampão. Bolsonaro sofreu ainda uma outra derrota, a derrubada da proposta do voto impresso numa comissão especial da Câmara dos Deputados. Mesmo assim, o presidente da casa, Arthur Lira, pretende levar o projeto direto à votação em plenário.   Quer agradar ao presidente Bolsonaro, que, desse modo, pode não vetar o bilionário fundo eleitoral. [a decisão do Plenário sendo favorável ao voto auditável, deverá ser acatada, respeitada e a PEC     ser encaminhada ao Senado da República, onde se espera o loquaz senador Pacheco não emperre a tramitação.]

Não parece uma jogada viável, pois o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, já disse que lá não passam nem o voto impresso nem outras mudanças no sistema eleitoral tramadas na Câmara. Jogo em andamento, pois. É uma barbaridade. No momento em que a população sofre com a pandemia, a inflação, a instabilidade econômica, a falta de perspectiva para novos empregos, a falta de aulas especialmente para os alunos mais pobres — a cúpula do poder se engalfinha em torno de questões próprias. E o presidente Bolsonaro propositadamente sabota e tumultua. [indubitavelmente, o presidente Bolsonaro atua em reação à postura injustificável do ministro Barroso de transformar sua rejeição à adição de uma segurança adicional ao voto via urnas eletrônicas em algo pessoal. Faz campanha contra, quer a qualquer custo, impor sua suprema vontade.]

Tudo considerado, foi muito bom o conjunto de reações ao presidente. Continuamos diante de uma crise institucional, mas setores cruciais da sociedade e do Judiciário tomaram posição.

Mas demoraram, hein? Tomara que ainda esteja em tempo.

Carlos Alberto Sardenberg, jornalista

Coluna publicada em O Globo - Economia 7 de agosto de 2021


segunda-feira, 27 de abril de 2020

Os riscos e a prudência - Alon Feuerworker

Análise Política


Tentar decifrar o que vai no pensamento alheio é sempre meio estrambótico. Tipo aquelas especulações “o presidente pensou em nomear fulano, mas acabou nomeando sicrano”. Um exemplo de afirmação indesmentível. Quem poderá mesmo garantir que o sujeito pensou em algo, ou deixou de pensar? E assim segue a vida. Outra excentricidade é imaginar que todas as ações de governos e governantes são previamente pensadas e planejadas para atingir determinados objetivos, e sempre obedecendo a um bem elaborado e pré-estabelecido cenário. Parte do pressuposto, em geral, de que o governante é um gênio.

Esses dois mecanismos mentais derivam em parte da necessidade compulsiva de que tudo tenha uma explicação lógica, necessidade que é irmã siamesa do desejo de acreditar que as decisões de quem nos lidera têm sempre um fundo racional. O paralelismo mais comum, usado à exaustão, é com piloto de avião e comandante de embarcação.  Pululam as teorias sobre a razão da saída de Sérgio Moro. Todas merecem ser jornalisticamente investigadas. Então eu vou participar também com algum “especulol”. E se Jair Bolsonaro forçou a demissão para evitar que um potencial adversário em 2022 continuasse se criando e ganhando musculatura política de dentro do governo?

Perguntei aqui em janeiro: “E se Moro virar o candidato do ‘centro’?”. Sabe-se que 
1) a principal oposição ao presidente desde o início do mandato é a busca de um “bolsonarismo sem Bolsonaro”; e
 2) até agora os candidatos a liderar esse bloco potencial não demonstram musculatura suficiente, pelo menos nas pesquisas.

A demissão de Moro abre-lhe a possibilidade de disputar o posto agora sem amarras. Mas depende de ele conseguir provocar a amputação do mandato presidencial. Por meio do Congresso ou da Justiça. E depende de um segundo fator: caso Bolsonaro saia, impedir que o vice se consolide na cadeira rumo a 2022.  É um jogo em que tudo tem de dar muito certo. Nada pode dar errado. Uma jogada de alto risco.

Talvez por raciocínio, talvez por intuição, Bolsonaro leva jeito de ter forçado mesmo a demissão de Moro. Poderia eventualmente ter seguido a dança e não feito publicar logo pela manhã no Diário Oficial a exoneração do chefe da Polícia Federal. Imagino que soubesse: ficar nesta circunstância seria humilhante demais para o ex-juiz da celebrada Lava-Jato.  E já que estamos falando em risco, o de Bolsonaro é o impeachment ou alguma outra modalidade legal de afastamento. Neste momento, são bem minoritárias as forças políticas que desejam isso de coração. Exatamente porque não são elas que comerão o bolo se organizarem a festa. Ou vai ser Moro, ou vai ser (Hamilton) Mourão.

A resistência dos políticos nunca é garantia, mais ainda quando a chamada opinião pública entra em modo de campanha para supostamente salvar o Brasil, algo que se dá de tempos em tempos. Entretanto, pensando bem, é um processo que já vinha sendo ensaiado. Então é possível que Bolsonaro tenha decidido limpar a área, mesmo que à beque de fazenda.

Ainda falando em risco, um adicional para Moro é sua onda ser surfada por quem deseja tirar o presidente e depois o ex-ministro ser simplesmente abandonado em favor de quem estará na cadeira com a caneta na mão e isento de culpa na confusão. Sobre isso, cumpre notar que o retrospecto do destino dos heróis dos recentes impeachments recomenda alguma prudência. 

Alon Feuerworker, jornalista e analista político - Análise Política