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segunda-feira, 13 de julho de 2020

Não se levanta uma democracia com a ferramenta autoritária da ditadura: a censura - Carlos Alberto Di Franco

Cerco às liberdades

Em palestra de encerramento do Seminário Internacional de Liberdade de Expressão, em São Paulo, há exatos oito anos, o então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Carlos Ayres Britto, fez uma vibrante defesa da liberdade de imprensa e de expressão. Eu fui, juntamente com o jurista Ives Gandra Martins, um dos promotores do evento.

Eram tempos de governos petistas. Surgiam aqui, ali e acolá ameaças às liberdades. O seminário teve papel importante na reafirmação da defesa de valores inegociáveis: liberdade de imprensa e de expressão. Ayres Britto foi contundente. Seu discurso não deixou margem para interpretações ambíguas: “Onde for possível a censura prévia se esgueirar, se manifestar, mesmo que procedente do Poder Judiciário, não há plenitude de liberdade de imprensa”. Para o então presidente do STF, o confronto de interesses entre o livre exercício do jornalismo e o direito à privacidade, por exemplo, “inevitavelmente” se dará. Brito garantiu, porém, que nossa Carta Magna estabelece a prioridade à livre expressão ante o direito à privacidade: “A liberdade de imprensa ocupa, na Constituição, este pedestal de irmã siamesa da democracia”.

Eu jamais podia imaginar que passados poucos anos as ameaças às liberdades viriam não dos petistas, mas de importantes instituições da República: o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal. O projeto dessa Lei da Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet (ou lei das fake news), que acaba de ser aprovado pelo Senado por 44 votos favoráveis e 32 contrários, e segue para apreciação da Câmara dos Deputados, é um exemplo da corrosão programada da liberdade de expressão.

(.....)

O objetivo oculto da lei das fake news é amedrontar, censurar a liberdade de expressão e de opinião e criar uma couraça protetora para os representantes do mundo político. É o mesmo, rigorosamente, que o STF busca com o seu inquérito para apurar “atos contra a democracia”. Na contramão da Constituição, assumindo o papel de polícia, promotor e juiz da própria causa, a Corte Suprema vai minando as garantias básicas do cidadão – da liberdade de expressão ao direito de defesa.

O Supremo Tribunal não tem histórico de combate à criminalidade do andar de cima. Alguém se lembra de algum delinquente da chamada “elite” política que tenha sido condenado pelos ilustres ministros do STF? Ninguém. No entanto, armados de uma celeridade incomum investem contra os “perigosíssimos criminosos” da internet. Gente presa por determinação de um ministro da Corte Suprema, e sem culpa formada, escancara uma face perigosa do autoritarismo judicial.
Soma-se a tudo isso o desmanche da Operação Lava Jato. Na verdade, a guerra declarada da Procuradoria-Geral da República contra a força-tarefa de Curitiba está apenas começando. Vem aí o desmonte de uma operação anticorrupção que ganhou fama mundo afora, mobilizou o Brasil e, com a prisão de um ex-presidente, de ex-governadores, de um ex-presidente da Câmara e dos maiores empresários do País, acendeu a esperança de que a lei valeria para todos. O sonho do fim da impunidade começa a ruir. 

É claro que eventuais excessos da Lava Jato devem ser corrigidos. É evidente que as redes sociais não podem ser um território sem valores. Mas nada disso será alcançado por meio de interesses corporativos que, no fundo, pretendem apenas consolidar privilégios que confrontam a cidadania. Não defendo, por óbvio, a irresponsabilidade nas redes sociais. Afinal, tenho martelado, teimosa e reiteradamente, que a responsabilidade é a outra face da liberdade. Não sou contra os legítimos instrumentos que coíbam os abusos da internet. Mas eles já existem e estão previstos na legislação vigente, sem necessidade de novas intervenções do Estado.

O que fazer quando a política se transforma em plataforma de banditismo? 
O que fazer quando políticos se lixam para a opinião pública?
Só há um caminho: informação livre, independente e plural. E sem nenhuma forma de controle ilegítimo, tanto na imprensa tradicional quanto nas redes sociais. Não se constrói um país com mentira, casuísmo e esperteza. Não se levanta uma democracia com a mesma ferramenta autoritária usada pela ditadura: a censura.
Controles e regulação são apenas eufemismos que ocultam o que, de fato, se pretende: uma Nação ajoelhada diante de comportamentos autoritários. Você, amigo leitor, pode e deve se manifestar. Com respeito, mas com firmeza. O Brasil não quer isso.


JORNALISTA. E-MAIL: DIFRANCO@ISE.ORG.BR

Carlos Alberto Di Franco

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Transcrito do jornal  O Estado de S.Paulo




segunda-feira, 27 de abril de 2020

Os riscos e a prudência - Alon Feuerworker

Análise Política


Tentar decifrar o que vai no pensamento alheio é sempre meio estrambótico. Tipo aquelas especulações “o presidente pensou em nomear fulano, mas acabou nomeando sicrano”. Um exemplo de afirmação indesmentível. Quem poderá mesmo garantir que o sujeito pensou em algo, ou deixou de pensar? E assim segue a vida. Outra excentricidade é imaginar que todas as ações de governos e governantes são previamente pensadas e planejadas para atingir determinados objetivos, e sempre obedecendo a um bem elaborado e pré-estabelecido cenário. Parte do pressuposto, em geral, de que o governante é um gênio.

Esses dois mecanismos mentais derivam em parte da necessidade compulsiva de que tudo tenha uma explicação lógica, necessidade que é irmã siamesa do desejo de acreditar que as decisões de quem nos lidera têm sempre um fundo racional. O paralelismo mais comum, usado à exaustão, é com piloto de avião e comandante de embarcação.  Pululam as teorias sobre a razão da saída de Sérgio Moro. Todas merecem ser jornalisticamente investigadas. Então eu vou participar também com algum “especulol”. E se Jair Bolsonaro forçou a demissão para evitar que um potencial adversário em 2022 continuasse se criando e ganhando musculatura política de dentro do governo?

Perguntei aqui em janeiro: “E se Moro virar o candidato do ‘centro’?”. Sabe-se que 
1) a principal oposição ao presidente desde o início do mandato é a busca de um “bolsonarismo sem Bolsonaro”; e
 2) até agora os candidatos a liderar esse bloco potencial não demonstram musculatura suficiente, pelo menos nas pesquisas.

A demissão de Moro abre-lhe a possibilidade de disputar o posto agora sem amarras. Mas depende de ele conseguir provocar a amputação do mandato presidencial. Por meio do Congresso ou da Justiça. E depende de um segundo fator: caso Bolsonaro saia, impedir que o vice se consolide na cadeira rumo a 2022.  É um jogo em que tudo tem de dar muito certo. Nada pode dar errado. Uma jogada de alto risco.

Talvez por raciocínio, talvez por intuição, Bolsonaro leva jeito de ter forçado mesmo a demissão de Moro. Poderia eventualmente ter seguido a dança e não feito publicar logo pela manhã no Diário Oficial a exoneração do chefe da Polícia Federal. Imagino que soubesse: ficar nesta circunstância seria humilhante demais para o ex-juiz da celebrada Lava-Jato.  E já que estamos falando em risco, o de Bolsonaro é o impeachment ou alguma outra modalidade legal de afastamento. Neste momento, são bem minoritárias as forças políticas que desejam isso de coração. Exatamente porque não são elas que comerão o bolo se organizarem a festa. Ou vai ser Moro, ou vai ser (Hamilton) Mourão.

A resistência dos políticos nunca é garantia, mais ainda quando a chamada opinião pública entra em modo de campanha para supostamente salvar o Brasil, algo que se dá de tempos em tempos. Entretanto, pensando bem, é um processo que já vinha sendo ensaiado. Então é possível que Bolsonaro tenha decidido limpar a área, mesmo que à beque de fazenda.

Ainda falando em risco, um adicional para Moro é sua onda ser surfada por quem deseja tirar o presidente e depois o ex-ministro ser simplesmente abandonado em favor de quem estará na cadeira com a caneta na mão e isento de culpa na confusão. Sobre isso, cumpre notar que o retrospecto do destino dos heróis dos recentes impeachments recomenda alguma prudência. 

Alon Feuerworker, jornalista e analista político - Análise Política




segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Ex-ministra da Cultura, Marta Suplicy envia à CGU documentos contra Juca Ferreira, atual ministro

A ex-ministra da Cultura Marta Suplicy (PT-SP) enviou à Controladoria-Geral da União (CGU) documentos sobre supostas irregularidades em parcerias de R$ 105 milhões, firmadas pela pasta na gestão de Juca Ferreira, com uma entidade que presta serviços à Cinemateca Brasileira – órgão vinculado ao ministério com sede em São Paulo. O uso dessa verba está entre os “desmandos” que a petista alega terem sido cometidos pelo antecessor na Cultura, que reassume hoje o cargo. Em entrevista publicada ontem [domingo] pelo Estado, Marta chamou a administração de Juca de “muito ruim” e disse ter mandado ao órgão de controle interno do governo “tudo sobre irregularidades e desmandos” da primeira passagem dele pela Cultura.  Auditorias da CGU apontaram problemas no uso de recursos do ministério pela Sociedade Amigos da Cinemateca (SAC). A entidade atua como irmã siamesa da instituição, dando apoio aos projetos de preservação da produção audiovisual. 

 A SAC recebeu R$ 111 milhões do Ministério da Cultura entre 1995 e 2010. Desse total, 94% referem-se a um termo de parceria executado na gestão de Juca. Um dos relatórios da CGU diz que a entidade foi contratada por escolha do ministério, sem consulta a outros interessados, e que projetos foram aprovados sem avaliação adequada dos custos.

Os auditores constataram que a SAC dispensava irregularmente licitações para compra de materiais e contratação de serviços. Orçamentos para as compras eram genéricos, diz o relatório, não permitindo comparação com preços praticados no mercado e, em consequência, a avaliação de eventual superfaturamento.  O relatório diz também que a entidade cobrava uma taxa para cobrir suas despesas com a administração dos projetos. Para a CGU, que determinou o ressarcimento, não foi devidamente demonstrada a composição dessa cobrança, que seria irregular. Para atividades de R$ 49 milhões, a taxa era de R$ 2,6 milhões. Houve favorecimento de funcionários da Cinemateca na execução dos projetos, segundo o relatório. A auditoria diz que o dono de uma empresa contratada pela SAC para coordenar atividades era servidor do órgão vinculado à Cultura. Segundo a CGU, a SAC não apresentou prestação de contas de despesas e o ministério não tomou providências. “Não houve apresentação, por parte do parceiro, de demonstração dos gastos e receitas executados nas ações pactuadas.”

As constatações da CGU já haviam sido fonte de crise no ministério. Em 2012, após tomar conhecimento do conteúdo do relatório, Marta demitiu a então secretária de Audiovisual, Ana Paula Santana, e outros dirigentes da área sob o argumento de que perdera a confiança na equipe.  Ana Paula foi diretora de Programas e Projetos Audiovisuais na gestão de Juca. Em fevereiro de 2011, na gestão de Ana de Hollanda, ascendeu ao comando da secretaria. Também é atribuída aos problemas apontados pela CGU a exoneração do ex-diretor executivo da Cinemateca, Carlos Magalhães, em 2013. 

Defesa Procurado, Juca Ferreira informou que não se pronunciaria. O Estado não localizou ontem dirigentes da Cinemateca e da SAC. Nos relatórios da CGU, o ministério refuta irregularidades. Num dos trechos, diz que a entidade tem ações de compliance e auditoria interna e que seu balanço contábil e financeiro é apresentado anualmente ao Ministério da Justiça. 

Fonte: Fabio Fabrini, Estadão