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sexta-feira, 8 de maio de 2020

A pé e na contramão - Eliane Cantanhêde

O Estado de S.Paulo

Com transmissão ao vivo no STF, presidente do Executivo assumiu presidência do Judiciário
Quanto mais perdido na Presidência, mais Jair Bolsonaro parte para ataques e demonstrações de força, na tentativa de culpar as instituições e os governadores pelos próprios erros e dividir os ônus das múltiplas tragédias que assolam o Brasil. [os que querem governar e seus apoiadores tem, obviamente, que serem devidamente apontados e, se necessário, responsabilizados = colhendo os bônus dos eventuais acertos e arcando com o ônus dos erros.
Governadores e prefeitos precisam entender que governar implica em responsabilidade - e não só em busca de holofotes, que busca de holofotes não combina com governar, já que muitas vez mostram erros, que serão cobrados.] Os mortos vão chegando a 10 mil e os sistemas de saúde e funerário entram em colapso, mas a prioridade do presidente não são a doença e as mortes. “E daí?” A história vai lhe cobrar um alto preço.

Atravessar a Praça dos Três Poderes a pé, com empresários e ministros, para pressionar o Supremo no sentido oposto ao que defendem o ex e o atual ministros da Saúde, é mais um ato surpreendente. E o presidente do Executivo se comportou como presidente do Judiciário. Fez uma transmissão ao vivo lá de dentro e deixou o anfitrião (compulsório) como coadjuvante.

Várias vezes o ministro Dias Toffoli se dirigiu a ele ao tomar a palavra, mas Bolsonaro nem sequer virou o rosto para ouvi-lo e, com ar de enfado, olhou ostensivamente o relógio. Entrou na casa alheia, assumiu o comando e ainda demonstrou desconforto com o anfitrião. Bolsonaro sendo Bolsonaro. Ele não estava ali para ouvir, só para falar.  Ao dizer que “quase” houve uma crise institucional quando o ministro Alexandre de Moraes suspendeu a posse do delegado Alexandre Ramagem na Polícia Federal, Bolsonaro deixou no ar uma dúvida, ou ameaça: ele é capaz de desacatar o Supremo, de desobedecer a uma decisão judicial? Essa ameaça contamina o ar, já contaminado pelo coronavírus.

As pendências entre Supremo e Planalto se avolumam, centradas agora nas acusações do ex-ministro Sérgio Moro a Bolsonaro. O vídeo da reunião de 22/4 em que o presidente avisou a ministros que demitiria o diretor da PF é considerado a principal prova de Moro. Há também a convocação dos três generais do Planalto para depor e, de quebra, a intrigante resistência de Bolsonaro a cumprir decisão judicial e entregar seus testes para a covid-19.

O Planalto se atrapalhou com as versões do vídeo. Não havia, não se sabia onde estava, até Bolsonaro admitir a gravação num pendrive e AGU fazer duas sugestões: não entregar ao STF, porque haveria “questões sensíveis” nessa reunião; 
depois, entregar o vídeo editado, só com as partes que interessam a Bolsonaro (e não à investigação?). A trapalhada comprova [?] a importância da prova: a “materialidade”.

Quanto à convocação dos generais Braga Netto, Luiz Eduardo Ramos e Augusto Heleno para depor, houve um excesso do decano e relator da investigação Moro-Bolsonaro, Celso de Mello. Ok, é da praxe, uma fórmula pronta, mas ele poderia ter excluído as expressões “condução coercitiva” e “debaixo de vara”. A Defesa ficou fora, porque os generais não são testemunhas enquanto militares, mas como ministros. Mas os generais manifestaram indignação ao STF. [a sede por holofotes do decano do STF, que lhe faltarão a partir de setembro vindouro, o levou a ser desrespeitoso, desaforado, não só com os generais e sim com todas as autoridades arroladas como testemunhas - inclusive uma delas escolhida, pelo voto,  como legítima representante do Povo.]

A sociedade conta com a firme posição do Judiciário e do Legislativo contra investidas autoritárias, mas o STF precisa ser muito responsável e há dois agravantes, um de cada lado: Celso de Mello é ostensivamente crítico a Bolsonaro e não tem muito a perder, já que se aposenta em novembro, [o comportamento do decano torna imperativo que a mudança na legislação, aumentando a idade para aposentadoria compulsória, precisa ser revista.
Já passa do tempo do decano ser declarado impedido em todas as ações que envolvam o Presidente da República, JAIR BOLSONARO.] e o presidente Toffoli parece mais dedicado a compor com Bolsonaro do que com seus pares.

Em meio a tudo isso, o presidente entope o governo de militares, abre as portas para o Centrão e acaba de criar nova tensão com Paulo Guedes, ao dar sinal verde para a ampliação pelo Congresso da lista de categorias do funcionalismo com direito a reajustes, apesar da crise e da pandemia. A contrapartida dos Estados proposta pelo Ministério da Economia para a ajuda aos Estados, de R$ 130 bilhões, caiu para R$ 43 bilhões. “Inaceitável!”, berrou Guedes para sua equipe. De novo, Bolsonaro fez, Guedes chiou, Bolsonaro desfez. Até quando?

Eliane Cantanhêde, jornalista - O Estado de S. Paulo