O Estado de S.Paulo
Com transmissão ao vivo no STF, presidente do Executivo assumiu presidência do Judiciário
Quanto mais perdido na Presidência, mais Jair Bolsonaro parte para
ataques e demonstrações de força, na tentativa de culpar as instituições
e os governadores pelos próprios erros e dividir os ônus das múltiplas
tragédias que assolam o Brasil. [os que querem governar e seus apoiadores tem, obviamente, que serem devidamente apontados e, se necessário, responsabilizados = colhendo os bônus dos eventuais acertos e arcando com o ônus dos erros.
Governadores e prefeitos precisam entender que governar implica em responsabilidade - e não só em busca de holofotes, que busca de holofotes não combina com governar, já que muitas vez mostram erros, que serão cobrados.] Os mortos vão chegando a 10 mil e os
sistemas de saúde e funerário entram em colapso, mas a prioridade do
presidente não são a doença e as mortes. “E daí?” A história vai lhe
cobrar um alto preço.
Atravessar a Praça dos Três Poderes a pé, com empresários e ministros,
para pressionar o Supremo no sentido oposto ao que defendem o ex e o
atual ministros da Saúde, é mais um ato surpreendente. E o presidente do
Executivo se comportou como presidente do Judiciário. Fez uma
transmissão ao vivo lá de dentro e deixou o anfitrião (compulsório) como
coadjuvante.
Várias vezes o ministro Dias Toffoli se dirigiu a ele ao tomar a
palavra, mas Bolsonaro nem sequer virou o rosto para ouvi-lo e, com ar
de enfado, olhou ostensivamente o relógio. Entrou na casa alheia,
assumiu o comando e ainda demonstrou desconforto com o anfitrião.
Bolsonaro sendo Bolsonaro. Ele não estava ali para ouvir, só para falar. Ao dizer que “quase” houve uma crise institucional quando o ministro
Alexandre de Moraes suspendeu a posse do delegado Alexandre Ramagem na
Polícia Federal, Bolsonaro deixou no ar uma dúvida, ou ameaça: ele é
capaz de desacatar o Supremo, de desobedecer a uma decisão judicial?
Essa ameaça contamina o ar, já contaminado pelo coronavírus.
As pendências entre Supremo e Planalto se avolumam, centradas agora nas
acusações do ex-ministro Sérgio Moro a Bolsonaro. O vídeo da reunião de
22/4 em que o presidente avisou a ministros que demitiria o diretor da
PF é considerado a principal prova de Moro. Há também a convocação dos
três generais do Planalto para depor e, de quebra, a intrigante
resistência de Bolsonaro a cumprir decisão judicial e entregar seus
testes para a covid-19.
O Planalto se atrapalhou com as versões do vídeo. Não havia, não se
sabia onde estava, até Bolsonaro admitir a gravação num pendrive e AGU
fazer duas sugestões: não entregar ao STF, porque haveria “questões
sensíveis” nessa reunião;
depois, entregar o vídeo editado, só com as
partes que interessam a Bolsonaro (e não à investigação?). A trapalhada
comprova [?] a importância da prova: a “materialidade”.
Quanto à convocação dos generais Braga Netto, Luiz Eduardo Ramos e
Augusto Heleno para depor, houve um excesso do decano e relator da
investigação Moro-Bolsonaro, Celso de Mello. Ok, é da praxe, uma fórmula
pronta, mas ele poderia ter excluído as expressões “condução
coercitiva” e “debaixo de vara”. A Defesa ficou fora, porque os generais
não são testemunhas enquanto militares, mas como ministros. Mas os
generais manifestaram indignação ao STF. [a sede por holofotes do decano do STF, que lhe faltarão a partir de setembro vindouro, o levou a ser desrespeitoso, desaforado, não só com os generais e sim com todas as autoridades arroladas como testemunhas - inclusive uma delas escolhida, pelo voto, como legítima representante do Povo.]
A sociedade conta com a firme posição do Judiciário e do Legislativo
contra investidas autoritárias, mas o STF precisa ser muito responsável e
há dois agravantes, um de cada lado: Celso de Mello é ostensivamente
crítico a Bolsonaro e não tem muito a perder, já que se aposenta em
novembro, [o comportamento do decano torna imperativo que a mudança na legislação, aumentando a idade para aposentadoria compulsória, precisa ser revista.
Já passa do tempo do decano ser declarado impedido em todas as ações que envolvam o Presidente da República, JAIR BOLSONARO.] e o presidente Toffoli parece mais dedicado a compor com
Bolsonaro do que com seus pares.
Em meio a tudo isso, o presidente entope o governo de militares, abre as
portas para o Centrão e acaba de criar nova tensão com Paulo Guedes, ao
dar sinal verde para a ampliação pelo Congresso da lista de categorias
do funcionalismo com direito a reajustes, apesar da crise e da pandemia.
A contrapartida dos Estados proposta pelo Ministério da Economia para a
ajuda aos Estados, de R$ 130 bilhões, caiu para R$ 43 bilhões.
“Inaceitável!”, berrou Guedes para sua equipe. De novo, Bolsonaro fez,
Guedes chiou, Bolsonaro desfez. Até quando?
Eliane Cantanhêde, jornalista - O Estado de S. Paulo