"Jabuti não sobe em árvore", diz a sabedoria popular. Sexta-feira passada, no Senado, o presidente Rodrigo Pacheco instalou uma comissão, presidida pelo ministro do Supremo Ricardo Lewandowski, tendo como relatora a ex-secretária-geral do Supremo na presidência de Lewandowski e mais nove integrantes, para, em 180 dias, oferecer ao Senado um anteprojeto de lei de impeachment, para substituir a Lei 1.079, de 1950.
O normal é que isso comece na Câmara, porque o Senado é a
casa revisora; o estranho é que, teoricamente, Lewandowski pode ser
julgado no Senado, que é a Casa julgadora de ministros do Supremo;
Estranho é que quem faz lei são os congressistas, e não integrantes de
uma comissão composta de pessoas sem mandato popular para isso.
Estranho
é que vá presidir a comissão um ministro do Supremo que também é juiz
do Tribunal Eleitoral, em ano de eleição.
E logo Lewandowski, que entrou
para a História por ter presidido julgamento no mesmo Senado, em que se
rasgou o parágrafo único do art. 52 da Constituição, deixando elegível a
presidente condenada. Tantas estranhezas levaram o senador Lasier
Martins a expressar suas desconfianças na tribuna. O jabuti "ou foi
enchente, ou mão de gente".
Um dia antes da instalação da comissão, Bolsonaro havia
anunciado que a ministra da Agricultura e deputada, Tereza Cristina,
seria sua candidata ao Senado por Mato Grosso do Sul, e o ministro do
Turismo, Gilson Machado, por Pernambuco. Isso revela a estratégia de,
nessas 27 vagas, reforçar uma bancada de voz ativa e poderosa no Senado —
Casa julgadora de presidente e de ministro do Supremo.
Talvez como
força dissuasiva contra tantas incursões do Supremo sobre o Poder
Executivo.
São quase duas dezenas de pedidos de impeachment paradas no
Senado, à espera de que Rodrigo Pacheco os ponha em exame — o maior
número tem Alexandre de Moraes como alvo. A comissão instalada por
Pacheco terá seis meses para deliberar, o que já dá ao presidente do
Senado uma desculpa para esperar sentado sobre os pedidos até setembro,
véspera das eleições.
O senador Lasier Martins disse ontem, na tribuna, que o
real autor da iniciativa é o ministro Lewandowski e que ele pode
legislar em causa própria dos ministros do Supremo. Na instalação, o
ministro havia dito que é preciso punir quem apresentar pedido de
impeachment não aceito e que é preciso deixar claro o que é crime de
responsabilidade e que é preciso dar direito à ampla defesa e ao
contraditório.
Punir o denunciante se a denúncia não for aceita?
Vai
atingir os promotores também? [será que no anteprojeto de lei a ser elaborado, que segundo o senador Lasier Martins é de iniciativa do Lewandowski, vai deixar espaço para uma 'interpretação criativa' que só permita a punição do denunciante, não sendo a denúncia aceita, se a mesma for contra ministro do Supremo?]
Eu cobri o julgamento de Dilma, e ela teve
todo o direito de defesa e do contraditório.
Quanto a esclarecer o que
seja crime de responsabilidade, basta ser alfabetizado e saber ler a lei
1.079, que trata do assunto há 72 anos.
Está abundantemente
esclarecido. O jurista Modesto Carvalhos, à revista Oeste, disse que "é
uma lei primorosa, que nada tem a ser modificado".
A lei afirma que é crime do presidente agir contra o
livre exercício do Legislativo ou do Judiciário e contra o exercício dos
direitos políticos, individuais e sociais. Imagino que isso valha
reciprocamente para os três Poderes, como sonhou Montesquieu.
Se alguém
quer mexer na lei neste ano eleitoral, sem que isso se configure uma
necessidade ou urgência, já que serviu para Collor e Dilma; se começou
com um ato de subserviência do presidente do Senado, como sugere o
senador Lasier;
se há tanta esquisitice em torno desse jabuti que
apareceu ex machina, o patrão desses servidores do público, que é o
cidadão, o pagador de impostos, o eleitor, precisa saber o que estão
preparando assim de forma tão estranha quanto um jabuti no galho.
Alexandre Garcia, colunista - Correio Braziliense