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domingo, 23 de fevereiro de 2020

Lembrai-vos de 1968, de 1937, e de 1984 - Elio Gaspari

Folha de S. Paulo - O Globo

A turma em Brasília a fim de arrumar briga pode estar perdendo tempo

Um governo pode viver das intrigas que inventa, mas elas não o livram de encarar os problemas reais; Em 13 meses, Jair Bolsonaro conseguiu um prodígio de desarticulação política, implodiu seu partido, não criou outro e demitiu colaboradores imediatos 

A incontinência da retórica política dos Bolsonaro, do general da reserva Augusto Heleno e até mesmo do ministro Paulo Guedes indica que eles cultivam um conflito institucional. Pelos seus sonhos, com o Congresso, mas na falta dele qualquer coisa serve. Com 12 milhões de desempregados, “pibinho”, filas nas agências do INSS, motins de PMs e encrencas com milicianos, busca-se uma briga.

Há um ano tudo parecia fácil, de um lado estaria um presidente cacifado por 58 milhões de votos e do outro, um Congresso de crista baixa. Em 13 meses, Jair Bolsonaro conseguiu um prodígio de desarticulação política, implodiu seu partido, não criou outro e demitiu colaboradores imediatos, entre os quais seis generais da reserva. Trocou um ministro da Educação delirante por outro, desastroso. Defenestrou o presidente do BNDES, o secretário da Receita e dois presidentes do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE).

No endinheirado FNDE ainda falta saber quem preparou um edital para a  compra de 1,3 milhão de computadores, notebooks e laptops ao custo de R$ 3 bilhões. A CGU apontou o vício do certame e ele foi revogado, mas jabuti não sobe em árvore. [jabuti não sobe em árvore, mas, o vício da licitação foi descoberto, gerando medidas corretivas, antes de causar qualquer danos ao Erário.
Tal situação pode ser corrigida e seus autores punidos com a defenestração dos culpados por ação ou omissão, o que ocorreu.] Como disse o presidente há poucos dias, “nossa luta contra a corrupção continuará sendo forte, fazendo o possível pelo Brasil melhor”. Faça-se. Um governo pode viver das brigas que inventa (basta olhar para Donald Trump), mas elas não o livram de encarar os problemas cotidianos da administração. Nesse departamento, Bolsonaro vai devagar, quase parando.

A turma que está em Brasília a fim de arrumar uma briga pode estar perdendo seu tempo. Dois governos armaram cenários que desembocavam em golpes e foram bem-sucedidos. O de Costa e Silva, em 1968, e o de Getulio Vargas, em 1937. Ambos tinham conjunturas internacionais radicalizadas. Vargas enfrentara uma insurreição militar em 1935. Costa e Silva estava diante de um surto terrorista e deixou-se boiar numa provocação palaciana que criou o conflito com o Congresso. A Bolsonaro e aos seus cavaleiros do Apocalipse ainda faltam todos esses ingredientes. As ruas estão em paz e, hoje, em festa. Quarta-feira abre-se a quitanda e continuarão lá os PMs dispostos a se amotinar, bem como os milicianos.

Os golpes bem-sucedidos são sempre lembrados, mas aprende-se também com aqueles que fracassam. Em 1984, quando Tancredo Neves estava virtualmente eleito (indiretamente) para a Presidência, armou-se no invencível Centro de Informações do Exército (CIE) uma provocação venenosa. Pediram-se soldados ao Comando Militar do Planalto para colar em paredes de Brasília cartazes vermelhos, com a foice e o martelo, a sigla PCB, uma figura de Tancredo e o slogan: “Chegaremos Lá”. Ia tudo muito bem até que a polícia prendeu os soldados, e o carro do CIE que lhes daria cobertura escafedeu-se. Exposta a provocação, fez-se silêncio, até que na reunião do Alto Comando do Exército o general que comandava a tropa do Rio perguntou o que tinha sido aquilo. “Gente do meu gabinete, não foi”, respondeu o ministro. O general Newton Cruz, comandante do Planalto, estava na reunião e viria a contar: “Senti um frio na espinha. O CIE era um anexo do gabinete dele. Se não tinham sido eles, tinha sido eu.”

Não tinha, mas acabou sendo. A tropa era dele, porém a operação era do CIE. Nas semanas seguintes fritaram Newton Cruz, negando-lhe a promoção, e ele passou para a reserva, transformado em bode expiatório de todas as bruxarias.  

Em 1961, Costa e Silva reprimiu motim de bombeiros e policiais em SP

O que havia sido uma passeata virou coluna em marcha, cantando o hino em direção à cadeia 
Em janeiro de 1961 a Assembleia Legislativa de São Paulo negou um aumento ao Corpo de Bombeiros e à Polícia Militar (Força Pública, na época). Amotinados, eles hastearam uma bandeira preta no alto de uma escada Magirus do quartel da Praça Clóvis Beviláqua. Uma tropa mandada para controlá-los insubordinou-se.

No dia seguinte, amotinados seguiram em passeata e cercaram portões do Palácio dos Campos Elíseos, onde vivia o governador.  O comandante da 2ª Divisão de Infantaria chegou acompanhado de um major e, empunhando seu bastão de general, informou: “Isso é uma baderna. Será dissolvida a bala. Pensem nos seus filhos.” Logo depois veio sua tropa, com blindados.  O que havia sido uma passeata virou coluna em marcha, cantando o Hino Nacional em direção à cadeia. Foram indiciados 513 policiais.

O general chamava-se Arthur da Costa e Silva. Antes de chegar à Presidência da República, fizera fama como chefe militar, daqueles que comandam sua tropa.
(Em tempo: os amotinados ganharam uma anistia do Congresso, pedida pelo então deputado Ulysses Guimarães.)  Não existe parlamentarismo branco, nem verde e rosa. 

(....)

Na Folha de S. Paulo e O Globo, MATÉRIA COMPLETA - Elio Gaspari, jornalista


domingo, 25 de junho de 2017

O novo homem forte de Temer

Chefe do Gabinete de Segurança Institucional, Sergio Etchegoyen, ganha espaço no Planalto, mas é criticado por episódios que atingiram o presidente

Em primeiro de fevereiro, corria bem o almoço de aniversário do ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Sergio Etchegoyen, no Centro de Tradições Gaúchas em Brasília. Na hora de repartir o bolo com escudo do Grêmio, idolatrado pelo general, assessores do Palácio do Planalto que torcem para o Internacional, rebaixado à segunda divisão, recusaram o doce, dizendo que esperariam até que o símbolo tricolor fosse desfeito. Eram tempos dóceis. Desde que as delações da Odebrecht e da JBS vieram à tona, em abril e maio, o general passou a lidar com um cardápio bem mais indigesto.

À medida que a crise política se agravava, Etchegoyen passava a ser presença constante no gabinete e residência do presidente Michel Temer, hoje investigado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Envolvido no grupo de gestão da crise, o general também passou a ser criticado, ora por interferir demais, ora de menos no governo.  Etchegoyen foi nomeado ministro do então presidente interino Michel Temer, em maio de 2016, seis meses antes de ir para a reserva, no momento em que o presidente decidiu devolver atribuições aos comandantes das Forças Armadas que estavam com o Ministério da Defesa. Etchegoyen era chefe do Estado-Maior do Exército, indicado pelo Comandante do Exército, Eduardo Villas Bôas, para ser seu “número dois”, e passou então a ministro palaciano.

O ministro à frente da segurança da Presidência e o Comandante do Exército foram criados na mesma casa, em Cruz Alta, cidade de 60 mil habitantes no Rio Grande do Sul. Só três meses de idade separavam os filhos de militares. Mais tarde, Etchegoyen bifurcou pela cavalaria, enquanto Villas Bôas foi à infantaria. Na troca de comando na Presidência em meio ao impeachment e à baixa popularidade que o atingia, Temer decidiu que precisava devolver prestígio aos militares. Além de passar a convidar os comandantes das Forças Armadas ao palácio, Temer decidiu então recriar o Gabinete de Segurança Institucional, que havia sido extinto por Dilma. A escolha do ministro, no entanto, não tinha naquele momento componente pessoal, tratou-se de um atendimento à composição dos próprios militares.

Etchegoyen foge do perfil de peixes grandes do Planalto: almoça no refeitório, onde um prato sai por volta de R$ 10. É para ele a única mesa reservada do lugar, com uma placa “ministro do GSI”. Em cerimônias ao ar livre, é facilmente identificável no séquito de Temer: é quem usa óculos com lentes que escurecem à luz do sol. O “gremista roxo” costuma ser o primeiro ministro a falar com Temer pela manhã, ao menos para dar bom dia, prática militar segundo a qual o superior hierárquico deve sempre ser cumprimentado na chegada ao quartel. Na mesa do gabinete do ministro fica exposto um exemplar da Constituição e o chimarrão.

O militar é tido por amigos como alguém generoso no trato e afável, um “general moderno”. Mas o militar que trabalhou na missão de paz da ONU em El Salvador, em 1991 e 1992, também mostra saber reagir. Nos próximos dias, ele irá à Câmara responder a deputados se teria acionado a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), chefiada por ele, para investigar o relator da Lava-Jato no Supremo, o ministro Edson Fachin. A notícia foi divulgada pela revista “Veja”. Segundo um auxiliar, Etchegoyen se prepara para também interpelar parlamentares e pedir provas da suposta interferência.

Embora hoje seja visto como um dos mais leais assistentes do presidente, o general já foi alvo de duras críticas no governo. Quando o ex-ministro da Cultura Marcelo Calero havia gravado uma reunião com Temer no gabinete do Planalto, em novembro, o GSI foi criticado dentro da Presidência. A avaliação é que Temer estava vulnerável. A conversa não foi crítica para o presidente, mas o Palácio do Planalto seguiu sem proteção para gravação ou câmeras internas.

Quatro meses depois, quem portava um gravador, desta vez no Palácio do Jaburu, era Joesley Batista. O empresário narrou crimes ao presidente. O episódio custou a Temer uma investigação no STF e o agravamento da crise política. Novamente, Etchegoyen foi torpedeado.  Para além de gravações, em fevereiro Temer foi duramente hostilizado por manifestantes petistas em São Paulo, na entrada principal do hospital onde estava internada a ex-primeira-dama Marisa Letícia. Novas críticas foram feitas à segurança do presidente.

Um dos principais conselheiros de Temer nos últimos meses, Etchegoyen também é alvo de ataques de assessores presidenciais por supostamente interferir demais em decisões políticas, como na cogitada troca no comando da Polícia Federal. Na semana passada, Etchegoyen fez a abertura de um evento para secretários de segurança de todo o país. Esses assessores dizem que esse papel seria do ministro da Justiça.

No mês passado, após a convocação de militares para reforçar a segurança durante um protesto contra o governo, que teve tiros da Polícia Militar e ministério incendiado, Etchegoyen foi escalado para falar à imprensa. Um manifestante havia levado um tiro e o protesto ficara marcado pelo uso de arma de fogo de policiais locais. O ministro utilizou o termo “gatilho disparador” para falar da hora em que Temer “finalmente” chamara as Forças Armadas.

Prisão na ditadura
Já pessoas afeitas ao general rebatem com o argumento de que Etchegoyen é uma “ilha de Estado em um mar de governo” e é “a única foto da parede do palácio que não está sendo investigada”. Por isso, afirmam, ele seria alvo de críticas descabidas. — Quem é o único sem suspeita, sem investigação? Ele é um militar da reserva, nunca foi e nunca será político. Ele absolutamente não pensa no ano que vem como campanha — diz um funcionário palaciano.
Ele é extremamente humilde. Até destoa de outros no palácio. Não é nariz em pé, fala com você, puxa assunto. Ele mostra que te conhece e, se não conhecer, mostra que está interessado — conta um auxiliar de Temer.

O gaúcho com bigode e coluna vertebral avariada após anos de montaria já foi preso pela ditadura militar, em solidariedade ao pai, após episódio no próprio Planalto. Etchegoyen filho tinha 31 anos e era capitão. Em um auditório do palácio, em 1983, o comandante militar do Planalto, general Newton Cruz, havia chamado de “mau caráter” quem fosse depor a Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs), no Congresso, sobre os militares. Era o caso do pai do capitão Etchegoyen, o então general Leo Etchegoyen. O capitão levantou-se e disse que não toleraria a situação. Newton Cruz deu-lhe voz de prisão, e a punição durou oito dias. O pai também foi encarcerado. Segundo assessores, o ministro do GSI mostra orgulho com o episódio. Etchegoyen voltou a defender o pai em 2014: processou a Comissão da Verdade por citá-lo como torturador, sob a justificativa de cerceamento de direito de defesa à família do morto.

Fonte: O Globo