O Estado de S. Paulo
Sábios seriam o presidente e seu grupo se cancelassem as manifestações do dia 15
O governo está manifestamente desorientado. Adotou desde o início a política do confronto, baseada na distinção amigo/inimigo, em que o outro sempre aparece como alguém a ser neutralizado ou eliminado. O esquema permanece sempre o mesmo, muda apenas o alvo. Pode ser um partido de oposição, pode ser um(a) jornalista, pode ser a imprensa em geral, pode ser todo aquele que discorde, por uma ou outra razão, de alguma política governamental. A prática democrática corre ao largo de tal concepção, por estar baseada no diálogo, na ponderação e na negociação.
Acontece, porém, que tal processo ganha outra significação quando o
inimigo passa a ser a própria instituição democrática, como se ela fosse
um empecilho para a política a ser implementada. Se a democracia se
torna um obstáculo, é porque está em pauta um claro pendor autoritário. A
manifestação prevista para o dia 15 é um claro exemplo disso, por estar
focada no Congresso Nacional, entendido não como um Poder independente,
mas como uma facção a ser suprimida. [a conduta do Congresso Nacional de não deixar o presidente da República governar é que gerou a necessidade da manifestação.
Afinal, este Congresso forçou o Poder Executivo a não vetar o FUNDO ELEITORAL.
O Congresso Nacional quer independência e harmonia, desde que os presidentes da Câmara e do Senado possam colocar o Poder Executivo - que não é subordinado ao Poder Legislativo e/ou Poder Judiciário - para 'dançar' conforme queiram.]
Ao final, apresentamos links com comentários que certamente ajudarão a decidir ir ou não ir à manifestação.]
Note-se que um argumento frequentemente utilizado diz respeito a que o
presidente, eleito dada essa legitimidade, está autorizado a fazer
qualquer coisa. Para além do fato óbvio de um presidente se encontrar
constitucionalmente limitado, caso contrário seria um tirano, a Câmara
dos Deputados e o Senado têm igual legitimidade, por serem os seus
representantes igualmente eleitos pelo voto popular. [legitimidade que não autoriza às duas Casas do Poder Legislativo a colocarem 'cabresto' no Poder Executivo.] Ambos são frutos da
soberania popular, usufruindo as mesmas prerrogativas.
No entanto, o presidente e o seu grupo familiar e digital optaram pelo
confronto com a Câmara e o Senado, isto é, escolheram o enfrentamento
como outra expressão da vontade popular, pressionando o País para uma
ruptura institucional. Se o governo é contrariado, basta eliminar o
opositor, no caso, o Legislativo, como se esse Poder devesse ser
simplesmente submisso à vontade presidencial.
Uma vez a celeuma instalada, começam a se suceder supostos desmentidos,
segundo os quais a mensagem das redes sociais não foi bem a que veio a
se tornar pública, após sucessivas reviravoltas em que nem um
equilibrista consegue se manter em pé, procedimento, aliás, típico do
atual governo. Quando a reação não for a esperada, dá-se um
“desmentido”, seguido por outro, numa trapalhada sem fim.
O problema é que fica no caminho o ataque a jornalistas respeitadas,
refiro-me aqui a Vera Magalhães, do Estadão, e antes Patrícia Campos
Mello, da Folha de S.Paulo. Ambas nada mais fizeram que um trabalho
sério. O resultado, porém, foram ataques de baixo nível, ameaças e,
institucionalmente, o questionamento do próprio trabalho da imprensa,
pejorativamente tratada de “extrema imprensa”. Contudo a “extrema
imprensa” só deve ser extrema na defesa das liberdades, que são
ameaçadas por aqueles que a atacam.
O governo tem uma nítida dificuldade de articular politicamente os seus
projetos. A reforma da Previdência passou mais pela habilidade do
deputado Rodrigo Maia, presidente da Câmara, com o apoio do presidente
do Senado, David Alcolumbre, do que por uma efetiva articulação
presidencial. Uma vez aprovada a reforma, nada mais conseguiu, fazendo
com que os seus ataques dobrem, quando são apenas o produto precisamente
dessa falta de negociação. Reformas não avançam se não forem o resultado do diálogo entre os Poderes. Atos de imposição ou de força de nada adiantam.
O atual momento torna-se ainda mais problemático pelo fato de o
presidente ter literalmente militarizado o Palácio do Planalto, além de
outros ministérios, como se precisasse de uma fortaleza para se
proteger. Na verdade, houve um enclausuramento no núcleo familiar e dos
assistentes mais próximos, de cunho preponderantemente ideológico, até
mesmo alguns militares passando a defender tais posições. Entendia-se no
início do atual governo que os militares teriam a função de moderação,
algo que agora não se está confirmando, na medida em que o incitamento
para as manifestações do dia 15 partiu de um ministro militar.
Felizmente, um ex-ministro igualmente militar qualificou tal chamado de
“irresponsabilidade”.
[Ao final, apresentamos alguns links com comentários que certamente ajudarão a decidir ir ou não ir à manifestação.]
A imagem das Forças Armadas e, em particular, do Exército terminou por
ser associada ao atual governo, segundo a percepção da opinião pública.
Esta não faz a distinção entre oficiais da reserva e da ativa, sobretudo
quando os primeiros têm tal proeminência. Ademais, dois dos ministros
militares do palácio estão ainda na ativa, embora um deles, segundo foi
noticiado, estaria para passar para a reserva.
Nesse sentido, pode-se dizer que o Exército fez uma aposta arriscada. Se
o atual governo der certo – o que não é hoje evidente –, ficará com os
louros. Se fracassar, ficará com toda a responsabilidade, perdendo o
imenso prestígio que conquistou no processo de redemocratização do País,
tornando-se um dos seus pilares. No atual contexto institucional, sábios seriam o presidente e o seu
grupo se cancelassem as manifestações do dia 15. Fariam um grande
serviço à Nação. Do contrário, o País seguirá na marcha da insensatez.
Denis Lerrer Rosenfield, professor de filosofia - O Estado de S. Paulo
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