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domingo, 25 de julho de 2021

A imoralidade do fundão eleitoral - Revista Oeste

Afonso Marangoni

Ao triplicar o valor que os pagadores de impostos gastam para bancar as eleições, o Brasil se transforma no país que mais gasta dinheiro público para financiar campanhas eleitorais

O novo valor do fundão foi aprovado na quarta-feira 14, dentro da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). A toque de caixa, o relator, deputado Juscelino Filho (DEM-MA), introduziu uma nova fórmula de cálculo para vitaminar o dinheiro destinado às campanhas políticas. A bancada do Novo chegou a pedir que o fundo eleitoral fosse votado separadamente, mas não conseguiu apoio suficiente. O pedido do partido foi analisado em votação simbólica — ou seja, os parlamentares não precisam “expor-se” declarando nominalmente sua posição. Apenas Novo, Cidadania, Podemos e Psol manifestaram-se a favor do pedido. Caso a sugestão vingasse, seria possível aprovar a LDO e discutir com mais profundidade o valor a ser destinado ao financiamento da campanha do ano que vem. “Entendo que em casos como esse, de temas tão polêmicos e sensíveis à população, a votação deveria ser nominal”, afirmou o deputado Paulo Ganime (Novo-RJ). “A população quer entender como cada um vota. Votações simbólicas deveriam ser exceção.”

O novo valor do fundão coloca o Brasil no topo mundial do uso de dinheiro público para o financiamento de campanhas. Um levantamento do Movimento Transparência Partidária que abrangeu dados de 25 das principais nações mostra que o país será, disparado, o campeão desse tipo de gasto, tanto nominalmente quanto proporcionalmente ao Produto Interno Bruto (PIB). Somados o fundo partidário — hoje em R$ 1 bilhão — e o eleitoral, o Brasil pode desembolsar R$ 6,7 bilhões em 2022, ou US$ 1,3 bilhão. Nos Estados Unidos, onde o modelo de financiamento é amparado no setor privado e em doações de pessoas físicas, o valor dos gastos públicos fica na casa de US$ 19 milhões.

Países que mais gastam com campanhas e partidos

Com base no preço da vacina Oxford/AstraZeneca, produzida pela Fiocruz ao custo de R$ 16 a dose, Oeste calculou que os R$ 5,7 bilhões do fundo eleitoral seriam suficientes, por exemplo, para imunizar toda a população vacinável do país contra a covid-19 (quase 160 milhões de pessoas) e ainda sobraria dinheiro para bancar cerca de 200 mil diárias de UTI. Os R$ 5,7 bilhões aprovados para o fundão também comprariam aproximadamente 3 milhões de cilindros de 50 litros de oxigênio.

“É imoral por várias razões”, afirmou o senador Alvaro Dias (Podemos-PR). “Não só pelo momento de crise em que vivemos, problemas não só na área de saúde, mas com desemprego e aumento da dívida pública. Faltam recursos para moradia popular, para educação, para saúde e para segurança pública. É um escárnio aumentar dessa forma o fundo eleitoral.”

A origem
Tudo começou em 2011, quando a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) ingressou no Supremo Tribunal Federal (STF) questionando o financiamento de empresas a campanhas eleitorais
Em 2015, no auge da Operação Lava Jato, a Corte declarou, por 8 votos a 3, a inconstitucionalidade das doações de empresas para as campanhas.  
A decisão veio depois que a força-tarefa escancarou um esquema bilionário de corrupção nos governos petistas. Parte desse dinheiro era repassada por empresas a partidos políticos por meio de doações de campanha, seja de forma legal ou caixa dois.

Diante da decisão do STF, o Congresso se mobilizou e, em 2017, criou o Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC). Nas eleições de 2018, o primeiro ano em que o dinheiro público, na teoria, foi responsável por quase todo o financiamento, o montante gasto foi de R$ 1,7 bilhão. No ano passado, destinaram-se R$ 2 bilhões para as eleições municipais, um reajuste próximo à inflação do período.  “Em 2020 já tivemos um escândalo enorme com essa história do fundão”, lembrou  a deputada Adriana Ventura (Novo-SP). “Estamos vivendo uma pandemia há quase dois anos, com um monte de gente fragilizada, pobre, sem emprego, o setor produtivo em frangalhos, com 5 milhões de crianças fora da escola. E, quando você vê que a preocupação dessa Lei de Diretrizes Orçamentárias é aumentar o dinheiro para campanha eleitoral, percebe quais são as prioridades deste país. Esse montante é muito maior do que o orçamento de vários ministérios e dez vezes maior do que o dinheiro a ser gasto em saneamento.”

A divisão da bolada
A distribuição do fundo eleitoral entre os partidos baseia-se, principalmente, no tamanho das bancadas eleitas na Câmara dos Deputados. Se o valor se mantiver em R$ 5,7 bilhões, os dois partidos com as maiores bancadas, PT e PSL, teriam, cada um, quase R$ 600 milhões para gastar nas eleições do ano que vem. PL, Progressistas, PSD e MDB também estão entre os maiores beneficiados. [PT roubou e continua sendo o maior beneficiário. Para o 'perda total' e seu líder maior, Lula, o crime  compensa ]
 
Os próximos capítulos
Logo depois da aprovação do “novo fundão”, começaram as pressões para que o presidente Jair Bolsonaro vete esse trecho da LDO. A mobilização engloba parlamentares, mas é principalmente da sociedade. O presidente já adiantou que vetará os R$ 5,7 bilhões — não existe a opção de baixar o valor, apenas vetar ou sancionar o montante definido. “Defendemos, acima de tudo, a harmonia entre os Poderes, bem como a sua autonomia”, escreveu Jair Bolsonaro nas redes sociais na terça-feira 20. “É partindo desse princípio que jogamos, desde o início, dentro das quatro linhas da Constituição Federal. Dito isso, em respeito ao povo brasileiro, vetarei o aumento do fundão eleitoral.” Até agora, contudo, nada foi feito.

Em entrevista à Rádio Itatiaia, Bolsonaro disse que o valor aprovado por deputados e senadores “extrapolou”, mas lembrou que a palavra final caberá ao Congresso, que pode derrubar seu veto. A análise de veto é obrigatoriamente nominal (cada parlamentar deverá expor seu voto) e é preciso o voto contrário de 257 dos 513 deputados e de 41 dos 81 senadores para derrubá-lo.

Sinalizando um meio-termo, Bolsonaro mostrou-se disposto a dar sinal verde para um reajuste do fundão que fique mais próximo da inflação do período, nos moldes do que fez em 2020. A nova cifra que está sendo discutida nos bastidores deve ficar na casa de R$ 3 bilhões, o que ainda representa aumento significativo. Criticado publicamente pelo presidente da República, o vice-presidente da Câmara dos Deputados, Marcelo Ramos (PL-AM), que conduzia a sessão que aprovou o fundo, subiu o tom contra o governo e afirmou que o Planalto está articulando um “acordão” para, no fim das contas, dobrar o valor do fundo eleitoral, de R$ 2 bilhões para R$ 4 bilhões.

“De quem é o interesse de vetar? Da população com certeza, de políticos como eu com certeza, mas boa parte do Congresso quer se aproveitar do fundo eleitoral”, disse Ganime. “Até mesmo o presidente da República não tem interesse individual de vetar, apenas interesse político. Mas, se ele realmente quisesse, o próprio governo teria se articulado contra esse fundo absurdo na LDO.”

O STF
Seis deputados e um senador entraram com uma ação no STF contra a votação que autorizou o aumento do fundo eleitoral. Eles querem que o trecho da sessão do Congresso que aprovou o fundão seja anulado. O mandado de segurança é assinado pelos deputados Adriana Ventura Novo-SP), Daniel Coelho (Cidadania-PE), Felipe Rigoni (PSB-ES), Tabata Amaral (PDT-SP), Tiago Mitraud (Novo-MG) e Vinicius Poit (Novo-SP), além do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE).

“A aprovação não cumpriu os ritos constitucionais, os pré-requisitos de transparência, da publicidade e do amplo debate”, afirmou Daniel Coelho. “A forma como a questão foi conduzida pela Mesa Diretora, sem permitir a votação nominal, não é o que prega a boa convivência democrática. Existem erros no rito processual, constitucional e no respeito ao regimento interno que impedem a aprovação e a maneira como o processo se deu. A gente espera que o STF cancele a medida para que ela recomece cumprindo tudo aquilo que está estabelecido na Constituição.”

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