Valor Econômico
Trump prepara batalha judicial em eleição histórica. .
O
modelo de democracia no Ocidente foi o dos Estados Unidos, até Donald Trump.
Como um aspirante a ditador de quinta categoria, Trump não acredita que alguém
possa vencê-lo em uma eleição e não pretende entregar o poder a quem ganhar nas
urnas. Ele ameaça uma histórica chicana eleitoral, colocando em xeque os
fundamentos da democracia americana.
Há
enorme tolerância nos EUA para presidentes medíocres - a maioria deles não
escaparia a essa classificação. Trump, pior do que isso, foge à regra.
Mentiroso compulsivo, tentou desmontar, em alguns casos com sucesso, tudo que
seu país fez nos últimos 50 anos nas arenas internacional e doméstica.
Politicamente desastroso, escondeu fraudes pessoais. Reportagens recentes
mostraram-no mais como um fanfarrão incompetente e endividado do que o
empresário bem-sucedido que sua propaganda vende.
A
reeleição de Trump começou a ruir a partir do momento em que algo
imprescindível foi exigido dele: comando. A pandemia do novo coronavírus, que
desdenhou, pode merecidamente retirá-lo do cargo que nunca deveria ter ocupado.
Não há nada que tenha feito em seu governo que mereça ser lembrado. Até feitos
de que se gaba na economia, por exemplo, foram legados por antecessores, e os
impulsos próprios, como o abatimento de impostos aos mais ricos, de nada
serviram aos propósitos que visou: aumentar os investimentos no país. Eles
diminuíram.
O
democrata Joe Biden está a caminho da vitória, e lidera, por margem variável, a
maioria dos Estados que não são fiéis a nenhum partido, os “swing states”, que
decidem as eleições. Há tempos Trump tem preparado cambalachos para evitar a
derrota. Ameaçou cortar verbas da Ucrânia se o presidente do país não
investigasse supostos atos de corrupção do filho de Biden. Abandonou a trilha
após um processo de impeachment do qual escapou graças aos republicanos de boa
vontade - todos.
O colapso da economia com a pandemia, na qual os EUA são líderes em infectados e mortes, mostrou que Trump foi um dos piores presidentes a enfrentá-la e pode ter arruinado a tolerância dos americanos para com um presidente alienado e cheio de si. Prestes a ser destronado, Trump se preparou para um litígio judicial em grande estilo. Nomeou às pressas uma candidata para vaga na Suprema Corte, Amy Barrett, aprovada por um Senado de maioria republicana, deslocando o pêndulo judicial para causas conservadoras (maioria de 6 a 3). Amy, John Roberts e Brett Kawanaugh, outra indicação de Trump, trabalharam juntos no time de George Bush na contestação judicial de votos em 2000 na Flórida, que deu a vitória aos republicanos contra o eleito pelo voto popular, Al Gore.[o voto popular, nos Estados Unidos, elege os delegados do colégio eleitoral, que elege o presidente da República.
E, no Colégio Eleitoral George Bush foi eleito.]
As
eleições americanas definirão parte do futuro global. Governantes populistas e
autoritários, que se inspiram nas bazófias de Trump, podem se fortalecer ou
sumir na poeira da história dependendo do resultado. Trump, um realista,
manobra com táticas provincianas. A pandemia levou os eleitores a enviar seus
votos pelos correios, um fato que o presidente usou para vilipendiar como
fraude democrata para derrotá-lo ilegalmente.
Pesquisas apontaram que 70% dos votos por via postal vieram de democratas, [coincidência ou fraude?] enquanto que metade dos republicanos colocará seus votos nas urnas. Como não há estrutura para atender com rapidez a enxurrada nunca vista de sufrágios pelos correios - a maior parte dos 93 milhões já enviados - há centenas de pedidos judiciais republicanos para invalidar os votos que não cheguem às autoridades eleitorais até amanhã. [medida cabível, devido que os votos começaram a ser enviados para os eleitores no inicio de outubro, permitindo o envio antecipado. A não definição sobre a data limite, deixa as portas abertas para prorrogar por tempo indefinido a contagem de votos.
Das duas uma: ou se estabelece a data das eleições - hoje, 3 novembro 2020 - como data limite para receber votos via postal, ou se anula todos os votos enviados via postal, a partir de 3 de novembro.]
Suspeito é considerar válidos os votos que chegarem o que Como os votos presenciais são na maioria republicanos, serão
contados antes e Trump já disse que pretende anunciar sua vitória tão cedo
quanto possível, e armar um inferno judicial para a contagem posterior. Com
isso, o resultado levará semanas até ser oficialmente proclamado.
Trump é um dos piores presidentes americanos de todos os tempos. Nada do que disse que faria deu certo, embora tenha satisfeito sua base de empresários e banqueiros bilionários, para quem baixou impostos. A promessa de mais empregos na indústria e revigoração do parque manufatureiro do país naufragou com uma política protecionista insustentável. Sua batalha contra a China favoreceu Pequim, enquanto seus ataques aos antigos aliados enfraqueceram os Estados Unidos. Apenas seu narcisismo o impede de ver seus retumbantes fracassos, que, ao que tudo indica, as urnas consagrarão com uma mensagem de adeus - isenta de saudades.
Opinião - Valor Econômico - 3 novembro 2020