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quinta-feira, 24 de dezembro de 2020

Fux e as bobagens pomposas sobre legalidade, STF e racismo. Não me comovem - Blog Reinaldo Azevedo

Ah, sempre que leio uma interpretação, digamos, falsamente ingênua e lavajatista de uma entrevista de Luiz Fux, ora presidente do Supremo (fazer o quê?...), eu até tento me comover. Mas me bate o senso de responsabilidade em seguida: "Nada disso, Reinaldo! Tenha o coração duro!".
Então vamos ver. O doutor concedeu uma entrevista à TV Justiça. Vídeos circulam por aí. Ele comentou a correta — diga-se! — liminar do ministro Nunes Marques que vai ao "é da coisa". Trecho da Lei da ficha limpa, que mete um prazo de inelegibilidade de oito anos depois do cumprimento da pena agride os fundamentos da razoabilidade e da proporcionalidade. Já expliquei a coisa aqui.
É evidente que o bom mandamento legal e constitucional impõe que o cumprimento da pena comece a partir da condenação em segunda instância, que é o marco que torna a pessoa inelegível. Ou, vejam que coisa, uma condenação de quatro anos se transforma numa inelegibilidade de 12. E o que a Constituição prevê é a suspensão dos direitos políticos, em caso de condenação, enquanto durarem os efeitos dessa condenação.
Já é uma licenciosidade permitir que uma lei altere o que a Constituição estabelece. Corrijo-me: a inelegibilidade além do tempo da condenação já é inconstitucional. Mas o Supremo decidiu que não é. Contra a Carta. Sendo assim, que, ao menos, comece a contar o prazo a partir da condenação.
Nunes Marques fez o certo e o razoável, dado o erro já cometido pelo STF, que considerou constitucional essa estrovenga.
Os mercadores de punitivismo e lavajatismo se assanharam e cobraram que Fux cassasse a liminar de Nunes Marques. Só que ele não pode. Se acontecer, terá de ser feita pelo pleno. E ele explicou assim a impossibilidade na referida entrevista:
"O novo ministro, Nunes Marques, dentro da sua independência, deu uma decisão entendendo que era excessivo aquele prazo de inelegibilidade. E isso, digamos assim, é questão que a própria lei poderia resolver, a Lei da Ficha Limpa, só que a Lei da Ficha Limpa tem a virtude de ser lei de iniciativa popular"...
Há uma besteira aí. Ou duas. Nada impede que uma lei de iniciativa popular incorra numa inconstitucionalidade. Em segundo lugar, inconstitucionalidades, quando existentes, não são corrigidas necessariamente pelo próprio Legislativo. Ou não existiria, por exemplo, Ação Direta de Inconstitucionalidade. Ou esta seria apresentada ao Congresso, não ao Supremo.
Justificando o fato de que ele não cassou a liminar -- e nem poderia --, afirmou:
"Eu não poderia cassar a decisão dele porque o recurso que apresentaram é dirigido ao relator. O presidente da corte pode muito, mas não pode tudo. Há casos em que as pessoas têm instrumento próprio, que se chama Suspensão de Segurança. Aí a competência é só do presidente. Quando recebo suspensão de segurança, eu analiso com a minha independência, coragem e critério de razoabilidade e decido".
Já há ação de Suspensão de Segurança contra a decisão de Nunes Marques. Não sei se Fux está estimulando a que se apresentem outras. Poderia ter adicionado, e acho que isto não ficou claro, que o recurso é descabido nesse caso.Ele tem tanta coragem e tanta independência que teve a coragem e a independência de suspender a entrevista que Lula concederia à Folha em 2018, justamente acatando, no exercício da presidência, uma Suspensão de Segurança impetrada pelo Partido Novo. Ocorre que, segundo a jurisprudência do STF, partidos não têm legitimidade para esse tipo de ação.
Vale dizer: Fux recorreu a uma ação de titularidade ilegítima para impor censura à imprensa, o que feriu cláusula pétrea da Constituição. Eis uma das razões por que ele não me comove.
CONSIDERAÇÕES SOBRE O RACISMO
Dia desses, este gigante do pensamento resolveu comparar o mal da corrupção ao Holocausto judeu. Ele é judeu. Nem ele tem o direito de banalizar o extremo do horror para fazer proselitismo lavajatista. E tal origem também não o impede de dizer besteiras sobre o racismo. Na entrevista de agora, afirmou:
"Vou dar aqui uma particularidade minha, que é interessante, que eu sou imigrante romeno, tenho a pele branca e sou considerado negro honorário número um. Eu tenho esse diploma. Por quê? Porque eu lutei pela causa desses afrodescendentes. Eu acho que eles têm todo o direito... Cinquenta por cento da população brasileira é negra. Então essas pessoas têm de ajudar a construir o Brasil. Não vai dar para construir o Brasil sem eles. Eles merecem essa chance. Eles têm valor. Eles têm expertise. Eles têm inteligência. Eles precisam de chance".
É tanta bobagem reunida que é difícil saber por onde começar. Começo com uma pergunta: quem conferiu a Fux o título de "negro honorário"? O que é isso? É uma variante moral de "black face"? Fux não é imigrante. É carioca. Seus pais são judeus oriundos da Romênia.
Todo racismo é detestável, mas as perspectivas racistas não podem ser postas no mesmo saco de gatos. O antissemitismo no Brasil é não mais do que residual, restrito a uns bolsões de extrema direita de inclinação fascistoide. Nada tem a ver com racismo estrutural da sociedade brasileira, este que mata mais pretos, que os tira das escolas, que os impede de ir a bons restaurantes, que os coloca nas cadeias, que os transforma na maioria dos cadáveres, que lhes cassa salário.
Bem, os negros já "ajudam" a construir o país desde o tempo em que vieram trazidos à força, dividindo seu tempo entre a lavoura e o tronco. E ajudam ainda. O Brasil é que precisa aprender a reparar as injustiças históricas.Ademais, quando se trata de implementar medidas de reparação, não se deve fazê-lo com o olhar caridoso e condescendente com "eles", que também "têm valor e expertise". Até porque, a exemplo de brancos e amarelos, alguns têm essas duas coisas, outros não.
O ministro tem de estudar mais para não falar besteiras nessa área. Não se trata de "dar chance" a ninguém, mas de criar condições para que venham a ter os direitos que lhes foram sonegados.
"Ah, Reinaldo, o ministro se atrapalhou. Ele quis dizer coisas boas".
Pois é. Quando se é presidente de um Poder, é preciso falar coisas boas, não pretender fazê-lo. É preciso estudar assuntos delicados, antes de incorrer em patacoadas. É preciso não citar um Zé Mané qualquer como se fosse Drummond. É preciso não destratar, ainda que de modo oblíquo, o voto de um colega — especialmente quando esse colega está certo. É preciso não chamar Sergio Moro, o sócio da Alvarez & Marsal, de herói.
A propósito, ministro: quando o senhor vai cumprir a lei e pôr para votar a sua liminar que cassou o juiz de garantias, agredindo, pois, a democracia e o estado de direito?
Fux me inspira. 
Blog Reinaldo Azevedo - Reinaldo Azevedo, jornalista - UOL
 

sábado, 10 de março de 2018

O esperneio próprio de um condenado

A decisão unânime da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que por 5 votos a 0 rechaçou a concessão de um habeas corpus preventivo impetrado pela defesa do ex-presidente Lula para evitar o possível cumprimento de um pedido de prisão, impõe uma nova derrota ao petista no âmbito jurídico e deixa a sua situação ainda mais delicada. Com esse resultado, que se soma à condenação inicial imposta pelo juiz Sergio Moro em primeira instância e à manifestação do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, de Porto Alegre, corroborando a sentença também de forma unânime e, inclusive, ampliando a pena para 12 anos e 1 mês pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, é evidente que a prisão do chefe do PT se torna iminente.

Tão logo foi encerrado o julgamento no STJ, Lula se manifestou com a habitual desfaçatez e voltou a desqualificar o Judiciário. Em suas palavras, caso inicie o cumprimento da sentença na cadeia, ele poderá ser qualificado como um “preso político” supostamente perseguido por um regime de exceção. Trata-se, evidentemente, de uma estultice, um delírio, uma afirmação desprovida de qualquer sentido. Assim como outros próceres do PT que cometeram crimes capitulados no Código Penal – e que nada têm a ver com a política –, Lula é um criminoso condenado como tantos que há pelo país. Será, portanto, não um preso político, mas, no caso, um político preso.

Em um voto lapidar que balizou os demais integrantes da Quinta Turma do STJ, o ministro Felix Fisher, relator do processo na Corte, foi categórico ao afirmar que a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância sempre foi um entendimento pacificado na Justiça brasileira desde a promulgação da Constituição de 1988 até 2009 – e novamente a partir de fevereiro de 2016, em consonância com uma visão mais moderna do Direito penal e de acordo com aquilo que se pratica nas legislações das democracias mais avançadas do mundo. Textualmente, apontou o ministro: “O que se denota […] é que em diversas oportunidades antes e depois dos precedentes mencionados, as Turmas do Supremo Tribunal Federal (STF) afirmaram e reafirmaram que o princípio da presunção de inocência não inibiria a execução provisória da pena imposta, ainda que pendente o julgamento de recurso especial ou extraordinário”. A recente decisão do STF sobre o tema, tomada há menos de dois anos, não deixa margem para dúvidas.

É evidente que se trata de uma importante discussão na seara jurídica a respeito da interpretação do texto constitucional. De qualquer forma, se a Suprema Corte do país mudar o seu entendimento neste momento, transmitirá um péssimo sinal para a sociedade, em um indisfarçável casuísmo destinado unicamente a beneficiar um criminoso condenado. Seria inadmissível. Ninguém pode estar acima da lei.

É importante lembrarmos que o Poder Judiciário não sofre nenhum tipo de controle externo, ao contrário do Executivo e do Legislativo – submetidos periodicamente ao crivo popular por meio de eleições livres e diretas. A legitimidade da Justiça está sedimentada, fundamentalmente, no respeito e na obediência da sociedade às decisões dos tribunais. Saibam os ministros do Supremo que a credibilidade de que ainda gozam será duramente comprometida caso a Corte mude uma decisão que ela própria tomou anteriormente e acabe livrando Lula da cadeia.

Como se não bastasse todo o ativismo de alguns ministros da Suprema Corte, com descabidas declarações fora dos autos que têm gerado problemas para o próprio tribunal, agora o STF se vê claramente pressionado pelas forças ligadas ao lulopetismo para que mude uma decisão tomada pela maioria do plenário. Se isso de fato ocorrer, o Judiciário pode sofrer um descrédito muito grande junto à opinião pública.  Sabemos que Lula está fora do processo eleitoral de 2018 – e esta é a única certeza possível sobre as próximas eleições em função da Lei da Ficha Limpa, de iniciativa popular, aprovada no Congresso Nacional com o apoio enfático de todas as forças políticas e que foi sancionada, por incrível que pareça, por Luiz Inácio Lula da Silva. Segundo essa legislação, em caso de condenação por um tribunal colegiado, o possível candidato se torna “ficha suja” e fica impedido de disputar eleições. Quanto a isso, já não havia nenhuma dúvida. Agora, é preciso que Lula cumpra a pena à qual foi condenado duplamente, em primeiro e segundo graus, e comece a responder por seus crimes na prisão.

Suponhamos que um juiz, de forma isolada, em determinado momento possa até se equivocar e cometer uma injustiça na sentença. Entretanto, o que se tem até o momento no caso de Lula é um placar agregado de 9 a 0 contra o petista – contando as decisões do juiz Moro, dos três desembargadores do TRF-4 e dos cinco ministros da Quinta Turma do STJ. Todos se manifestaram contra as alegações apresentadas pelo ex-presidente.

Como todo cidadão brasileiro, Lula tem o direito ao esperneio e pode reclamar da decisão imposta pela Justiça. O que não se pode admitir é o Judiciário optar pelo tortuoso caminho do casuísmo para beneficiar o petista, como se ele merecesse um tratamento diferenciado. Estamos falando sobre um corrupto condenado. Um criminoso comum que deve responder por seus crimes. Que se cumpra a lei.

FAP