Para reduzir população carcerária, Defensoria do Rio pede a juízes liberação de usuários de drogas
CNJ e defensorias públicas estão lançando ofensiva para esvaziar cadeias; iniciativa mais controversa foi tomada no Rio
[infelizmente, quando a implosão das cadeias for determinada, será sem os presos dentro.]
Na contramão da corrente que prega o endurecimento das leis,
instituições como o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e as Defensorias
Públicas estão lançando uma série de ofensivas para esvaziar as cadeias
do país. A iniciativa mais controversa foi tomada no Rio: a Defensoria
Pública do Estado, responsável pela defesa de 80% dos réus em ações
penais, passou a orientar os 762 defensores em exercício a pedir
automaticamente a inconstitucionalidade de toda prisão de usuários de
drogas no estado. Sem esperar pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que
apreciará o assunto, o órgão tenta revogar na prática a criminalização
do consumo, por entender que é questão de foro íntimo do usuário — a
prisão, no caso, seria invasão de privacidade. [será bem didático quando o responsável por essa ideia absurda de declarar inconstitucional toda prisão de 'noiado' , for assaltado por um desses noiados e tiver que entregar seu rico 'dinheiro' para o viciado comprar drogas e desfrutar da impunidade advinda de ideia tão imoral.]
Com jeitinho cabe mais uns 50
Ao mesmo tempo, o CNJ corre o país para consolidar o projeto
“Audiência de Custódia”, que obriga as autoridades a levar o acusado à
presença do juiz até 24 horas após sua prisão. O Conselho sustenta que
há casos em que a prisão é desnecessária, embora sejam frequentes as
situações em que um acusado pobre demora meses preso antes de ser levado
à presença de um juiz. No Maranhão, um mutirão carcerário lançado pelo
CNJ chegou a encontrar um preso provisório que estava há quatro anos
aguardando a primeira audiência.
DÉFICIT DE VAGAS AUMENTOU 139%
A superlotação é
um dos dramas da população carcerária do Brasil, que cresceu 87,7% em
oito anos, saltando de 296.919 para 557.286 detentos, de acordo com
dados oficiais divulgados esta semana pelo governo federal, em parceria
com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Entre de 2005 a
2013, o déficit de vagas em presídios aumentou 139% no país. Em 2013,
faltavam mais 216.033 vagas nos presídios brasileiros.
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A
aplicação da Lei Antidrogas responde por uma parcela significativa
deste fenômeno. Só em maio, no Rio, foram presas 1.505 pessoas com base
em seus dispositivos. A Defensoria do Rio, ao arguir a
inconstitucionalidade, está convencida de que boa parte deste
contingente não deveria estar na prisão: — O Artigo 28 da Lei Antidrogas, que criminaliza o uso, não prevê a
pena de prisão. Propõe a prestação social alternativa. O problema é que,
para a polícia, não existe usuário pobre. Se alguém é preso com drogas
na favela, ele é logo acusado de tráfico. Então, nossa orientação não
apenas sustenta a inconstitucionalidade do artigo como estimula os
defensores a desclassificar a prisão de um consumidor por tráfico —
sustenta o defensor público Daniel Lozoya, do Núcleo de Defesa dos
Direitos Humanos do órgão.[a Sociedade das Pessoas de Bem espera que os juízes sejam sensatos e neguem todos os pedidos apresentados pelos defensores públicos do Rio, no sentido de liberar os noiados.]
Na orientação, denominada “Da violação do princípio reserva legal”, a
Defensoria alega que o Artigo 28 ofende o princípio da inviolabilidade à
vida privada e à intimidade, assegurados pelo Artigo 5º da
Constituição. Os defensores tentarão convencer a Justiça de que o
consumo de drogas, em circunstâncias que não envolvam perigo concreto
para terceiros, é uma conduta da esfera individual do cidadão, íntima e
privada, na qual ele só faz mal a si próprio. A medida já encontra
resistências: — Descriminalizar é fazer o consumo crescer. E mais usuários
significarão mais traficantes. Mais traficantes, mais violência. Por
isso, tornar o porte de drogas uma letra morta, acabando com todo o tipo
de sanção, não vai ser bom. É preciso alertar que a droga é uma das
raízes da violência — contesta o advogado e delegado Wladimir Reale,
presidente da Associação dos Delegados de Polícia do Estado do Rio
(Adepol-RJ).
A relação consumo/violência, principal argumento da corrente
contrária às mudanças, é contestado por Ilona Szabó de Carvalho,
diretora-executiva do Instituto Igarapé, que tem entre as linhas de
pesquisa a descriminalização do consumo. Ela garante que não há uma base
de estudos que sustente as críticas, ao contrário da violência
associada à explosão do encarceramento no país. Embora a taxa de
homicídios no Brasil — de 29 por 100 mil habitantes, segundo o Igarapé —
seja alta, dentro do sistema prisional brasileiro a situação é
explosiva —150 por 100 mil habitantes, enquanto a média global de
homicídios fica em 6,2 por 100 mil.
SUPREMO VOTARÁ A QUESTÃO
Foi o esforço de
esvaziar as cadeias que levou a Defensoria Pública de São Paulo a
questionar, desde fevereiro de 2011, a constitucionalidade do artigo 28
da Lei Antidrogas. O relator do recurso no STF, ministro Gilmar Mendes,
já se manifestou pela repercussão geral da matéria — fará com que a
decisão tomada no caso seja aplicada posteriormente pelas instâncias
inferiores em casos idênticos. Porém, ainda não levou o voto ao
plenário. A demora fez a Defensoria do Rio buscar um caminho mais curto: — Não se sabe quando será o julgamento e muito menos o que vai
acontecer. Enquanto isso, vários países estão reconhecendo a
inconstitucionalidade. Entenderam que uso de drogas não é crime. É uma
questão de privacidade. Mesmo sem a palavra final do Supremo, o juiz não
está impedido de decidir — assegura o defensor Daniel Lozoya.
A julgar pela resistência que o Conselho Nacional de Justiça tem
encontrado para implantar, no país, o projeto “Audiência de Custódia”,
não será fácil convencer um juiz de primeiro grau a acolher a tese da
privacidade invadida. Ainda que o Brasil seja signatário de tratados
internacionais que asseguram ao preso o direito a uma audiência logo
após a detenção, ainda há focos de resistência à medida na magistratura.
Riscos no transporte dos custodiados e congestionamento das varas
penais estão entre os problemas alegados.
Pesquisa divulgada esta semana mostrou que 40% das vagas são ocupadas
por presos provisórios, que ainda não têm sentença condenatória. O CNJ
está convencido de que muitos deles não deveriam estar atrás das grades,
mas a palavra final cabe ao juiz do primeiro grau, o mesmo que agora
será confrontado com o pedido da Defensoria.
Fonte: O Globo