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sexta-feira, 27 de março de 2015

Justiça abre cinco processos disciplinares contra magistrado que usou Porsche de Ei



Juiz Flávio Roberto de Souza responde pelo desvio de mais de um milhão de reais em bens sob cautela da 3ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro
O Órgão Especial do Tribunal Regional Federal da 2ª Região decidiu abrir cinco processos disciplinares contra o juiz federal Flávio Roberto de Souza, que foi flagrado usando o Porsche do empresário Eike Batista e confessou, segundo o Ministério Público, o desvio de recursos apreendidos sob cautela da 3ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro. Na sessão desta quinta-feira, o Órgão Especial também decidiu manter o magistrado afastado de suas atividades por tempo indeterminado.

Souza passou a ser investigado desde que foi fotografado ao volante do carro de Batista, no caminho de sua casa para a sede da Justiça Federal no Rio de Janeiro. Reportagem de VEJA revelou que evaporaram da 3ª Vara Federal parte dos 116.000 reais recolhidos na casa de Eike e 600.000 reais apreendidos do traficante espanhol Oliver Ortiz de Zarate Martin. De acordo com o Ministério Público Federal, o magistrado já admitiu que desviou mais de um milhão de reais em bens sob cautela da 3ª Vara, da qual era titular.

Dos cinco processos disciplinares abertos contra Souza, um procedimento vai tratar especificamente do uso indevido do carro e do piano de Batista. Outro vai avaliar as polêmicas declarações do magistrado, de que o uso de bens por magistrados é uma prática normal. Também vai ser analisada em processo específico o desvio de 150 mil dólares e 108 mil euros, apreendidos em um processo contra um traficante internacional. Um procedimento vai tratar dos recursos apropriados de Batista e o quinto processo vai tratar do dinheiro desviado da 3ª Vara Federal Criminal com a venda antecipada de bens apreendidos em uma ação penal.

O juiz também é alvo de uma ação cautelar, que poderá originar uma ação penal no Tribunal Regional Federal da 2ª Região. O advogado de Souza, Renato Tonini, alegou ao Órgão Especial que seu cliente merece a "aposentadoria por invalidez", por "problemas psiquiátricos". Essa foi a desculpa para as irregularidades praticadas nos processos sob a relatoria de Souza na 3ª Vara Federal Criminal.


segunda-feira, 23 de março de 2015

Juiz do “caso Porsche”, afastado do caso Eike, não teme ser preso



Aos 52 anos, Flávio Roberto de Souza está sozinho. A filha mais velha, de 25 anos, mora com ele, mas fica pouco em casa. Os outros três filhos pararam de visitá-lo. Às quintas-feiras, tem a companhia da faxineira, que vai uma vez por semana arrumar o apartamento de 100 metros quadrados na Barra da Tijuca. No condomínio, com imóveis avaliados em quase R$ 1 milhão, há um restaurante que entrega comida na porta. Peixe grelhado com salada verde é o pedido mais frequente. À noite, fica à caça de seriados gringos: Game of Thrones, Once Upon a Time, Girls. O mais novo vício é a série americana de suspense policial Grimm: assistiu a 45 episódios de uma vez só, depois que foi afastado do cargo de juiz titular da 3ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, no início de março, e do caso que lhe tirou do anonimato: o processo contra o ex-bilionário Eike Batista.
No último dia em que acordou para ter uma rotina normal de trabalho, o juiz dirigiu por 28 quilômetros até a sede do Tribunal de Justiça no Centro do Rio. O caminho, naquele 24 de fevereiro, era o de sempre, mas o carro, não. Ele estava ao volante do Porsche Cayenne Turbo branco do empresário, apreendido duas semanas antes por determinação do próprio juiz. Na chegada, às 10h30, já era aguardado por jornalistas e fotógrafos, avisados pelos advogados de Eike de que o magistrado seguia para o trabalho no Porsche blindado. O carro estava estacionado no condomínio do juiz, assim como a Range Rover do filho do empresário. Os veículos tinham sido apreendidos numa operação da Polícia Federal para garantir o pagamento de indenizações caso Eike Batista fosse condenado por crimes contra o mercado financeiro e iriam a leilão na semana seguinte.

A imagem do magistrado ao volante do carro de R$ 860 mil era inusitada não apenas por ser o motorista o juiz de um dos processos de maior repercussão no País nos últimos tempos. Mas porque, em sua vida privada, ele adotava uma postura que em nada condizia com o que estava fazendo, segundo um desembargador colega de Souza. Budista tibetano, Flávio de Souza faz de dois a três retiros espirituais por ano, prega uma vida simples e tem planos de se tornar monge. Medita pela manhã e às seis da tarde diante de um altar com budas coloridos, incenso e orquídeas brancas, num canto da sala, que em nada é luxuosa - a estante de livros está bagunçada e há caixas de remédios espalhadas pela mesa.

De justiceiro, Souza passou a aproveitador para a opinião pública. O magistrado argumentou que havia pedido autorização do Detran para que os carros do empresário pudessem ser usados pela Justiça Federal. E disse que levou os veículos para a sua garagem "para não deixá-los sujeito a danos no pátio do tribunal, sob chuva, sol e poeira". O piano de cauda que decorava a sala de Eike Batista estava no apartamento de um vizinho do juiz. A repercussão foi imediata. Dois dias depois, a corregedora nacional, ministra Nancy Andrighi, determinou que a o magistrado fosse afastado do caso e que uma sindicância fosse aberta para apurar os fatos. Na decisão, ela disse que "não há nem pode haver" possibilidade de um juiz "manter em sua posse um patrimônio de particular". As declarações feitas pelos desembargadores a partir daquele momento deram ideia do clima que tomou conta do tribunal: "a situação é embaraçosa", "sem cabimento", "mancha a imagem do Poder Judiciário", afirmaram alguns deles antes mesmo de virem à tona as suspeitas de que Souza teria cometido crimes de peculato, fraude processual, subtração de autos e lavagem de dinheiro. Dos R$ 116 mil apreendidos de Eike Batista, R$ 27 mil desapareceram. Outros R$ 600 mil recolhidos do traficante espanhol Oliver Ortiz de Zarate Martin, preso em 2013, sumiram. Segundo o Ministério Público Federal, o juiz confessou à corregedoria ter desviado US$ 150 mil e 108 mil dos cofres da 3ª Vara. Os procuradores chegaram a pedir a prisão preventiva do juiz - o que foi negado pela Justiça.