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segunda-feira, 31 de julho de 2023

O direito de renunciar ao julgamento perante o Tribunal do Júri

Na última terça-feira, ganhou notoriedade na imprensa o acordo de colaboração premiada celebrado entre o Ministério Público do Rio de Janeiro e Élcio de Queiroz, acusado de participar do assassinato da vereadora Marielle Franco. Dentre os detalhes divulgados na mídia, destacou-se que, com o acordo, Élcio obteria o benefício de não ir a julgamento perante o Tribunal do Júri.

Na data de ontem (26/7), todavia, o MPRJ negou que tenha oferecido o referido benefício ao acusado. Em nota, afirmou que retirar do Tribunal do Júri a prerrogativa de julgar um acusado de homicídio ‘feriria a própria Constituição da República, retirando dos jurados a competência que ali lhes foi assegurada’[1].

Nesse contexto, aproveita-se a oportunidade para fomentar o seguinte debate: renunciar ao julgamento perante o Tribunal do Júri fere a Constituição Federal?

Diaulas Costa Ribeiro, Promotor de Justiça de carreira e atualmente Desembargador do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, em artigo intitulado “Júri: um direito ou uma imposição”[2], escrito nos idos de 1998, assentou que “se o júri no Brasil é um direito garantido, se é um direito individual por classificação constitucional, não pode ser impositivo; não pode ser obrigatório”.

De fato. Como bem ponderou Vladmir Aras, Procurador da República, no artigo intitulado “Renúncia ao julgamento pelo júri no processo penal brasileiro”[3], “a ideia de o réu, com assistência de seu defensor, poder renunciar ao júri não é absurda, primeiro porque o julgamento pelos pares é um direito individual listado no art. 5o da CF. Depois, porque o réu pode abdicar de outros direitos processuais”.

Se o tribunal do júri está listado no rol de direitos e garantias fundamentais do indivíduo, parece possível que se opte pelo não exercício, assim como o acusado pode optar por não exercer o direito de ficar em silêncio, de não produzir provas contra si, até mesmo por não exercer (plenamente) o direito ao contraditório e à ampla defesa, como se tem visto em inúmeros acordos de colaboração premiada.

Poder-se-ia dizer que o julgamento perante o tribunal do júri não é puro direito subjetivo do acusado, mas uma regra de competência e, mais do que isso, um instrumento por meio do qual o povo exerce diretamente o poder em nome da sociedade vitimada.

Sobre o primeiro ponto, destaca-se que a existência de exceções à competência do tribunal do júri evidencia que não se trata de regra absoluta. Aliás, o Supremo Tribunal Federal, nos precedentes correlatos à edição da Súmula Vinculante n. 45[4], decidiu que a competência do tribunal do júri não é absoluta, sendo afastada nas hipóteses em que a Constituição Federal, em face da dignidade de certos cargos e da relevância destes para o Estado, prevê a competência de tribunais.

Sobre o segundo aspecto, o Tribunal do Júri não é garantia da sociedade vitimada, é garantia individual do acusado, ainda que a compreensão que se tem mais indique figurar como um dever fundamental do réu de ser julgado perante o júri e uma prerrogativa conferida à sociedade.

Dentro desse panorama, é possível que a primeira reflexão seja no sentido de que o acusado, mesmo tendo a opção da renúncia, certamente irá optar pelo julgamento perante o tribunal do júri, naturalmente em função da possibilidade de se explorar circunstâncias que, apesar de não estarem propriamente ligadas aos fatos, contribuem para que se trace uma linha em direção à empatia do jurado, que decide conforme a sua íntima convicção e não fundamenta ou publiciza a sua decisão.

Mas a verdade é que há casos em que a submissão ao julgamento perante o Tribunal do Júri representa, de antemão, a “quase certeza” da injustiça.

O primeiro exemplo que vem à mente é o caso da Boate Kiss, este que une duas das circunstâncias mais sugestivas para a discussão acerca da renúncia ao tribunal do júri: teses jurídicas de elevada complexidade e massiva exposição e exploração midiática.

No referido caso, tem-se, por exemplo, a discussão acerca de uma das distinções mais problemáticas no âmbito do direito penal material: a tênue linha que separa a culpa consciente do dolo eventual.

Há obras de elevada densidade jurídica que se dedicam exclusivamente a esse tema. No caso concreto, é unânime que a distinção entre os dois institutos é problemática. Imagine, então, conferir essa tarefa a sete cidadãos possivelmente – mas não obrigatoriamente – leigos.

E mais: sete jurados que terão a incumbência de digerir toda a explanação técnica em torno da matéria e, sem a necessidade de fundamentar, somente acompanhados de sua intima convicção, decidir no caso concreto se a hipótese é de dolo eventual ou culpa consciente. Isso tudo previamente alimentado pela ampla exposição midiática do caso.

Quanto ao último ponto, cabe dizer que nem mesmo o instituto do desaforamento[5], em tempos atuais, é capaz de resolver o problema do viés condenatório do corpo de jurados em determinados casos, naturalmente em razão do amplo acesso informacional e da absoluta facilidade com que a difusão massiva de dados alcança a todos. Há casos em que nem mesmo na mais distante comarca do estado é possível selecionar sete jurados com verdadeira isenção de ânimo.

Dentre desse panorama, aponta Vladmir Aras[6]:

Em casos de grande exposição midiática, capazes de minar a imparcialidade dos jurados, em função da massificação e teatralização da cobertura jornalística, o acusado deve ter o direito de renunciar ao julgamento pelo júri, a fim de assegurar o fair trial. Julgamento haverá, mas perante o juiz togado.

Sabe-se, é verdade, que o julgamento perante o juiz togado não constitui garantia da plena isenção de ânimo ou de ideias preconcebidas, tampouco de razoável neutralidade, mas a distinção crucial decorre da necessidade de fundamentação da decisão, o que possibilita o controle epistemológico das razões de decidir.

Ademais, o filtro processual estabelecido na decisão de pronúncia também tem se mostrado incapaz de poupar o corpo de jurados da apreciação de temas complexos como a distinção entre o dolo eventual e a culpa consciente no caso concreto, sobretudo em razão do reduzido standard probatório que tem sido exigido para a submissão a julgamento perante o tribunal do júri.

Dessa forma, o acusado é submetido a julgamento popular a partir de uma decisão resultante de uma análise perfunctória do caso e a decisão imotivada dos jurados, albergada pela soberania dos veredictos, tende a prevalecer.

Acredita-se que há espaço para evoluir na interpretação do instituto do tribunal do júri, sobretudo no que diz respeito ao seu status de garantia fundamental e à possibilidade de não a exercer, a exemplo do instituto do waiver to trial by jury[7], presente no direito norte-americano, o qual poderá ser mais bem abordado em outra oportunidade.

Sem qualquer pretensão de esgotar o assunto ou de externar uma opinião imutável acerca dessa complexa discussão, esta singela reflexão é apenas um convite ao debate. 
Se o julgamento perante o tribunal do júri é uma garantia do acusado, se a competência do tribunal do júri não é absoluta, se é dado ao acusado o direito de não exercer garantias fundamentais, se há casos em que a complexidade da discussão e a ampla exposição midiática tornam injusto o julgamento perante o júri, não parece razoável a possibilidade de renúncia?

De toda forma, a realidade é que a legislação brasileira nada dispõe acerca dessa possibilidade e que o acusado de crime doloso contra a vida, na atual conjuntura, não dispõe da alternativa de ser julgado por um juiz togado, de modo que o júri, ainda que listado no rol de direitos e garantias fundamentais, é obrigatório, mais se assemelhando a um dever fundamental do acusado, ou um direito-dever.

 Blog Jus Braziliense - Correio Braziliense

 

terça-feira, 3 de maio de 2016

Seria ridículo se não fosse trágico



É inaceitável que o bloqueio ao WhatsApp, que afeta tanta gente, não seja esclarecido em seus mínimos detalhes
E, mais uma vez, os cem milhões de brasileiros usuários do WhatsApp foram prejudicados por um juiz de interior que ainda não entendeu como a tecnologia funciona — ou, se entendeu como a tecnologia funciona, certamente ignora como funciona a sociedade brasileira, cada vez mais dependente do aplicativo através do qual se comunica com rapidez e economia.

A ação por trás da suspensão do WhatsApp corre em segredo de Justiça. Sabe-se, vagamente, que tem a ver com uma investigação sobre drogas e sobre crime organizado na cidade de Lagarto, que tem pouco mais de cem mil habitantes — mas nem eles mereciam esse castigo. O juiz Marcelo Montalvão, que ordenou a suspensão, disse, através de nota, que não vai se manifestar a respeito do assunto; e, ato contínuo, tirou a segunda-feira de folga.

Está tudo — absolutamente tudo — errado nessa história. Um serviço essencial como o WhatsApp não pode sair do ar por causa dos caprichos de uma única pessoa, seja ela ou não um juiz togado. Além disso, suspender um serviço de comunicação do qual tanta gente depende, sob a alegação de que a empresa que o oferece não prestou certas informações, equivale a suspender o fornecimento de água ou de luz à população porque as concessionárias se recusam a cumprir uma eventual ordem judicial. Ou proibir a circulação de táxis porque criminosos às vezes usam táxis para fugir da polícia. A decisão penaliza os usuários, que não têm nada a ver com o caso.

Há ainda a agravante de que o WhatsApp não pode fornecer à justiça informações de que não dispõe. Mensagens não ficam registradas nos seus servidores. E, mesmo que ficassem, não poderiam ser abertas, já que são criptografadas. Tudo isso já foi repetido à exaustão pelos executivos da empresa e por especialistas consultados a respeito do assunto. A essa altura, todo mundo sabe disso. Isso é, todo mundo, menos, aparentemente, o juiz Montalvão, da comarca de Lagarto, que mais uma vez expõe a sua cidade (e o nosso país) ao ridículo.

Um serviço como o WhatsApp só poderia ser suspenso em circunstâncias excepcionalíssimas — e, ainda assim, tenho minhas dúvidas se há exceção que justifique essa brutalidade. Mas não tenho dúvida alguma de que, aceitando-se que o serviço possa ser suspenso, tal decisão deveria ser muito bem pensada, passando por quantas instâncias superiores existam.

Também é inaceitável que um ato que afeta tanta gente não seja esclarecido em seus mínimos detalhes. Hoje já não se entendem decisões tomadas “porque sim”: se vamos ficar sem um serviço essencial, precisamos saber por que isso aconteceu. Além disso, quem dá uma ordem dessas, através da qual tanta gente é prejudicada, precisa, no mínimo, prestar contas à população — e não mandar dizer, por nota, que “não vai comentar o caso”. Do jeito que aconteceu, a suspensão do WhatsApp mais parece uma grande chantagem coletiva do que uma decisão judicial racional, baseada na letra da lei.

A situação é tão bizarra que, no meio da tarde, o site do Tribunal de Justiça de Sergipe caiu. Ou foi vítima de ataque de hackers ou não aguentou a quantidade de buscas feitas por pessoas que queriam saber por que estavam sendo tolhidas no seu direito. E por onde a Justiça sergipana se manifestou, alternativamente? Pelo Facebook, dono do WhatsApp. Sorte a sua que o Facebook estava no ar. Porque, do jeito que as coisas vão, ele também podia estar suspenso, graças à ação de um outro juiz qualquer: afinal, existem no país 16.429 deles.

Fonte: O Globo