É
inaceitável que o bloqueio ao WhatsApp, que afeta tanta gente, não seja
esclarecido em seus mínimos detalhes
E, mais
uma vez, os cem milhões de brasileiros
usuários do WhatsApp foram prejudicados por um juiz de interior que ainda não
entendeu como a tecnologia funciona — ou, se
entendeu como a tecnologia funciona, certamente ignora como funciona a
sociedade brasileira, cada vez mais dependente do aplicativo através do
qual se comunica com rapidez e economia.
A ação
por trás da suspensão do WhatsApp corre em segredo de Justiça. Sabe-se,
vagamente, que tem a ver com uma investigação sobre
drogas e sobre crime organizado na cidade de Lagarto, que tem pouco mais
de cem mil habitantes — mas nem eles mereciam esse castigo. O juiz Marcelo
Montalvão, que ordenou a suspensão, disse, através de nota, que não vai se
manifestar a respeito do assunto; e, ato contínuo, tirou a segunda-feira de
folga.
Está tudo
— absolutamente tudo — errado nessa
história. Um serviço essencial como o WhatsApp não pode
sair do ar por causa dos caprichos de uma única pessoa, seja ela ou não um juiz togado. Além disso, suspender um
serviço de comunicação do qual tanta gente depende, sob a alegação de que a
empresa que o oferece não prestou certas informações, equivale a suspender o fornecimento de água ou de luz à população
porque as concessionárias se recusam a cumprir uma eventual ordem judicial.
Ou proibir a circulação de táxis porque
criminosos às vezes usam táxis para fugir da polícia. A decisão penaliza os
usuários, que não têm nada a ver com o caso.
Há ainda a agravante de que o
WhatsApp não pode fornecer à justiça informações de que não dispõe. Mensagens
não ficam registradas nos seus servidores. E, mesmo que ficassem, não
poderiam ser abertas, já que são criptografadas. Tudo isso já foi repetido à
exaustão pelos executivos da empresa e por especialistas consultados a respeito
do assunto. A essa altura, todo mundo sabe disso. Isso
é, todo mundo, menos, aparentemente, o juiz Montalvão, da comarca de Lagarto,
que mais uma vez expõe a sua cidade (e
o nosso país) ao ridículo.
Um serviço como o WhatsApp só
poderia ser suspenso em circunstâncias excepcionalíssimas — e, ainda assim, tenho minhas
dúvidas se há exceção que justifique essa brutalidade. Mas não tenho dúvida
alguma de que, aceitando-se que o serviço possa ser suspenso, tal decisão
deveria ser muito bem pensada, passando por quantas instâncias superiores
existam.
Também
é inaceitável que um ato que afeta tanta gente não seja esclarecido em seus
mínimos detalhes. Hoje já
não se entendem decisões tomadas “porque
sim”: se vamos ficar sem um serviço essencial, precisamos saber por que
isso aconteceu. Além disso, quem dá uma ordem dessas, através da qual tanta
gente é prejudicada, precisa, no mínimo, prestar contas
à população — e não mandar dizer, por nota, que “não vai comentar o caso”. Do jeito que aconteceu, a suspensão do WhatsApp mais parece uma
grande chantagem coletiva do que uma decisão judicial racional, baseada na
letra da lei.
A situação é tão bizarra que, no
meio da tarde, o site do Tribunal de Justiça de Sergipe caiu. Ou foi vítima de ataque de
hackers ou não aguentou a quantidade de buscas feitas por pessoas que queriam
saber por que estavam sendo tolhidas no seu direito. E por onde a Justiça sergipana se manifestou, alternativamente? Pelo Facebook, dono do WhatsApp. Sorte a sua que o Facebook
estava no ar. Porque, do jeito que as coisas vão, ele também podia estar suspenso, graças à ação de um outro
juiz qualquer: afinal, existem no
país 16.429 deles.
Fonte: O Globo
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