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terça-feira, 17 de julho de 2018

Sol Nascente, Brasília - DF, a favela que caminha para se tornar a maior do Brasil

A 35 quilômetros da Praça dos Três Poderes, em Brasília, área da comunidade é maior que 1.000 campos de futebol. Estimativa é que cem mil pessoas habitem hoje a região invadida 

No início dos anos 2000, Maria Iraneide Jacaúna pegou R$ 3 mil e comprou um lote de 300 metros quadrados numa área recém-batizada de Sol Nascente. Era uma invasão que se formava no meio do mato nos confins de Ceilândia, a maior cidade-satélite de Brasília, com altos índices de violência. No local, só havia luz de vela, a água tinha de ser buscada na casa de parentes ou conhecidos, o transporte público não chegava. As empresas de ônibus se recusavam a abrir uma nova linha e alegavam que lá só havia meia dúzia de pessoas. O argumento indignava Jacaúna. “Onde já se viu dizer que tinha pouca gente para atender?”, lembra a cearense de Crateús, que esteve à frente da reivindicação por ônibus.

Naquela época, classificar a população do Sol Nascente como grande ou pequena dependia dos interesses de cada lado — moradores versus companhias de transporte. Hoje, menos de 20 anos depois, a comunidade se impõe como candidata a maior favela do Brasil. O posto de segunda colocada no ranking foi alcançado em 2010, quando o último Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontou que o Sol Nascente, com 56.483 moradores, só perdia em número de habitantes para a Rocinha, no Rio de Janeiro, que abrigava 69.161 pessoas.

Enquanto o morro carioca se mantém sem surtos de expansão territorial nos últimos anos, a favela horizontal em solo plano, a apenas 35 quilômetros do Palácio do Planalto e do Congresso Nacional, não para de crescer. Apesar da fiscalização do governo do Distrito Federal, que já fez derrubadas de casas e barracos no local, o Sol Nascente vai se espalhando para além do tamanho oficial, delimitado ainda em 2009, de 934,4 hectares — tamanho de quase 1.000 campos de futebol. A estimativa é que hoje 100 mil pessoas habitem a área invadida. É gente que, apesar da proximidade com o poder, em geral só circula nos palácios, prédios tombados e quadras planejadas de Brasília prestando serviços de baixa qualificação, como domésticas, pedreiros, copeiras e ambulantes.

O Sol Nascente está organizado em três trechos. O de número 3 é o maior, mais populoso e com menos infraestrutura. Foi lá que Jacaúna, a mulher que liderava a briga pelo transporte público, comprou seu lote parcelado a um valor correspondente a cerca de 16 salários mínimos da época. Ela queria, como todos os demais aventureiros que rumavam com as famílias para um lugar sem qualquer estrutura, fugir do aluguel. “Quando a gente tem uma oportunidade de ter nosso teto, de ter a casa própria, a gente agarra. Por mais difícil que seja no início”, diz a moradora de 60 anos, que aos 32 deixou Crateús e o primeiro marido, que a maltratava, em busca de oportunidades melhores na capital do país. A cearense conta que, por alguns anos, faziam “gambiarra” para ter água e luz. Até que, entre 2006 e 2007, depois de muita pressão, conseguiram o serviço oficial. “Todo mundo queria ter sua conta, legalmente. Nós compramos os hidrômetros, corremos atrás da estrutura.”

Jacaúna tem cabelos tingidos em tom avermelhado com a raiz branca aparente, pálpebras que pesam sobre os olhos e uma risada sonora. É vista como uma líder comunitária. Enxerga-se apenas como mais uma entre a “mulherada potente” que batalhou melhorias na região. Vivendo de fazer marmitas e vender alho amassado, hoje ela gasta boa parte da energia coordenando a construção, dentro de seu terreno, de quitinetes para as quatro filhas, os cinco netos e o primeiro bisneto — ainda na barriga de Poliana, de 16 anos.

De um azul-claro que faz doer a vista, o céu contrasta com a poeira que sobe das avenidas esburacadas do Sol Nascente. O trecho 3 praticamente não tem asfalto. No setor 2, são cerca de 50% de vias cobertas. E, no setor 1, 100%. Nas vias pavimentadas se concentra o comércio da região. O movimento de moradores é intenso. Botecos, muitos com mesas de sinuca, dividem espaço com salões de beleza, armarinhos, lanchonetes e mercadinhos. Há alguns restaurantes modestos e mercados maiores.

A concentração de igrejas é, porém, o que mais chama a atenção. Na única avenida pavimentada do trecho 3, de 900 metros, há 16 templos. Alguns estão divididos por um mesmo muro. As opções são muitas: Igreja Internacional Sementes da Fé, Igreja Plenitude da Graça, Igreja Batista Gênesis. Em geral, ocupam espaços minúsculos com fachadas malconservadas. A exceção é um galpão amplo, ainda em construção, atribuído à Universal do Reino de Deus.

Da porta do Salão Beleza Natural, uma das sócias do negócio, Girlene Ferreira Santana, pragueja contra as montanhas de lixo largado por moradores no canteiro central da avenida. No Sol Nascente, apenas 25% da população tem coleta na porta de casa. O restante joga os resíduos em estruturas semienterradas colocadas pelo governo para o recolhimento pela companhia de limpeza ou, simplesmente, larga-os em qualquer local, fazendo de várias esquinas e áreas vazias pequenos lixões dentro da favela. “Já colocaram contêiner aqui, mas roubaram”, reclama Santana, que aproveita para criticar o comportamento de parte da população: “Aqui tem gente boa, mas tem gente que não presta”. Moradora do Sol Nascente desde 2004, a maranhense de 37 anos, que largou o serviço como diarista para ser manicure e depois ter o próprio negócio, está o tempo todo dando tchauzinho a quem passa na avenida — de ônibus, de carro, a pé.

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Ações de criminosos que frequentemente entravam nos comércios, pegavam o que queriam, consumiam o que bem entendiam e saíam sem pagar não ocorrem há algum tempo na favela. A violência, porém, continua uma marca da região. Ceilândia, onde o Sol Nascente está inserido, ocupa a 10ª posição entre 31 cidades do Distrito Federal na taxa dos crimes violentos letais intencionais (homicídio, latrocínio e lesão seguida de morte), com 16,4 ocorrências por 100 mil habitantes, segundo a Secretaria de Segurança Pública do DF. De janeiro a abril, houve registro de nove assassinatos somente na área do Sol Nascente, em comparação a seis no mesmo período do ano passado. No mesmo período, os estupros passaram de oito para nove, e os roubos caíram de 265 para 165, um número ainda bastante elevado.

Nos muros da favela, embriões de facções parecem disputar espaço e status. Não é raro, ao circular pelas ruas mais afastadas, ver pichações sobrepostas do CSN (Comando do Sol Nascente), Os Cão do Inferno (OCI) e Os Moleque Doido (OMD). Por mais infantis que pareçam as denominações, as pequenas gangues já mostraram potencial de aterrorizar moradores e comerciantes, com assaltos e homicídios tendo como pano de fundo o comércio de drogas e, de alguns anos para cá, a grilagem.
“São criminosos que perceberam que a grilagem de terras, além de mais rentável, prevê uma pena bem menor que o tráfico”, afirma o delegado Fernando Fernandes, da 19ª Delegacia de Polícia, responsável por uma parte da Ceilândia que engloba o Sol Nascente. Ao andar pelas ruas da comunidade, de cabelos espetados modelados com gel, o policial é parado por crianças e senhorinhas para um abraço ou aperto de mão.

Matéria Completa, em Época