FMI empresta dólares a juros baixos, mas governo precisará aprofundar o ajuste fiscal e macro. Nada fácil politicamente
O presidente
argentino, Mauricio Macri, deu azar. A política econômica que tentou —
do ajuste gradual ou do liberal com coração — só daria certo em um
ambiente externo muito favorável aos países emergentes, como ocorreu até
pouco tempo. Ou seja, a aposta de Macri não era maluca. Fazia sentido.
Mas não contava com o aquecimento da economia americana e com tensões
internacionais. O mundo estava assim: dólar barato e abundante, disponível para
investimentos e empréstimos; juros internacionais muito baixos; forte
crescimento global, elevando demanda e preços de comodities. Com isso, Macri conseguiu regularizar a situação externa
do país - encerrando uma moratória de décadas e captando empréstimos
novos de nada menos que US$ 100 bilhões. Havia confiança no governo e na
sua política de desmontar os estragos da era Kirchner, promovendo o
equilíbrio das contas internas e externas de maneira gradual.
Foi um erro, muitos dizem hoje. Mas, na hora, quando se
elegeu em 2015, era diferente. Os preços estavam congelados; as tarifas
eram baratas à custa de subsídios pagos pelo governo; este se
financiava com dívida cada vez mais cara ou, especialmente, imprimindo
dinheiro e fazendo uma baita inflação. E, para completar, os Kirchner
haviam feito uma intervenção no IBGE deles e entregavam números falsos. A
inflação real passava dos 50%. No oficial, aparecia como menos de 15%. Esse populismo funciona por algum tempo, ganha eleições e
depois desaba , deixando uma conta pesada para o sucessor. Aconteceu no
Brasil também , mas com limites: a inflação Dilma estourou, mas com 11%,
e sem roubo nos dados. Em resumo, a Argentina precisava de um choque de realismo e de verdade.
Mas se Macri descongelasse todos os preços, cortasse todos
os subsídios e reduzisse fortemente o gasto público - isso produziria
um pico de inflação, a tal inflação corretiva, que não poderia mais ser
mascarada. Um golpe brutal: todos os preços subindo ao mesmo tempo, com o
governo gastando menos inclusive em programas sociais. Donde: recessão. Muitas vezes, esse caminho é inevitável, quando a crise
avança a tal ponto que o ajuste se faz na marra. Não é que o governo
decide gastar menos. Simplesmente acaba o dinheiro. Como contava com os dólares baratos, Macri tentou o
gradualismo. A inflação, por exemplo, cairia para 40% em 2016, para 17%
no ano seguinte e assim por diante, até chegar a civilizados 5% em 2019. Assim, nem todos os preços foram descongelados, muitos
foram liberados aos poucos, os subsídios públicos foram reduzidos, mas
não eliminados. Resultado: a inflação caiu, mas não no ritmo desejado ou
necessário. Estava, por exemplo, em 25% antes da crise atual.
Ainda assim, Macri estava dobrando a aposta. Iniciou um
programa para estimular o crescimento, confiando que as peças se
encaixariam em 2019, a tempo das eleições. Começou a dar errado a partir dos Estados Unidos. A
economia americana já estava em aceleração, crescendo mais que os outros
desenvolvidos, e pegou embalo com duas políticas de Trump, a redução de
impostos (que deixou para empresas e pessoas mais dinheiro para
investimento e consumo) e o aumento do gasto público. Logo, todo mundo
concluiu, a inflação vai reaparecer e o Fed, o banco central deles, vai
subir os juros. No mercado, os juros já estavam em alta. O título de dez
anos do Tesouro americano, durante muito tempo com rendimento perto de
zero, já está pagando 3% ao ano. O papel alemão equivalente dá 0,5%. Sim, nos emergentes os títulos públicos rendem mais, mas
ganhar 3% em dólares, sendo credor do Tesouro americano, é mais atraente
do que 6% em reais. Ou 40% em pesos argentinos, na situação de hoje.
Se os capitais vão para os EUA, o dólar se valoriza contra
todas as demais moedas, especialmente dos países com mais fragilidades.
Forte desvalorização da moeda é inflação e aumento da dívida pública,
pois o governo argentino, no caso, precisa de mais pesos para comprar os
dólares com os quais cumpre os compromissos externos. Com desajuste de contas públicas e inflação ainda elevada,
a coisa desandou. O recurso ao FMI é correto e, para falar a verdade, o
único caminho. O Fundo empresta dólares a juros baixos. Mas o governo
vai precisar aprofundar o ajuste fiscal e macro. Nada fácil
politicamente.
Mas não tem outro jeito. E tem boa chance de sucesso. O Brasil está longe disso. Praticamente não tem déficit
externo, as reservas em dólares são maiores que a dívida, a inflação
está no chão e o déficit público, ainda alto e ruim, pelo menos está
contido. Nossa equipe econômica foi melhor? Sim, mas o estrago Dilma foi
bem menor que o de Cristina. De todo modo, que fique de alerta: a gente vai adiando as
reformas, especialmente da Previdência, e olha o que pode acontecer.