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quarta-feira, 8 de novembro de 2023

Faca sem cabo e sem lâmina - Percival Puggina

         Conta-se que uma fábrica de facas reuniu seus executivos para estudar uma forma de se tornar mais competitiva.  
Era imperioso diminuir o custo de suas facas. 
No meio da reunião, um dos participantes, cogitando da hipótese de que o custo do cabo afetasse demasiadamente o custo da faca, perguntou: “Quanto custaria nossa faca, se fosse fabricada sem o cabo?”
Alguém da contabilidade fez as contas e concluiu que essa faca sem cabo custaria 80% da faca inteira. Um outro foi além: “E quanto custaria cada faca se a fizéssemos sem lâmina?”. 
Por curiosa que fosse a ideia de uma faca sem lâmina, a contabilidade fez os custos e informou que ela sairia por 60% de uma faca completa.

Por fim, a pergunta aparentemente mais delirante: “E se fizéssemos a faca sem lâmina e sem cabo, qual seria seu custo?” O chefe da contabilidade, calculadora em punho, informou, irritado, que aquela hipótese de faca, “essa coisa sem cabo e sem lâmina, custaria 40% da faca inteira”.

O diálogo serviu para mostrar a todos que os custos fixos, incluídos impostos e salários, inclusive o deles, chegava a 40% do preço da faca. Mesmo sem fazer nenhuma faca, ainda assim a fábrica tinha um gasto elevado
Se quisessem baixar o preço da faca teriam que reduzir as despesas da administração.
 
Isto é um aviso para todos nós e para o Brasil. Num processo de crescimento lento, ou recessivo, podem acontecer duas coisas e nenhuma é boa. Na primeira alternativa, os preços sobem porque os custos fixos têm que ser repartidos entre uma quantidade menor de produtos vendidos. Nós já tivemos isso: recessão e inflação. O que é uma loucura. 
Na segunda hipótese, o governo ou os cidadãos passam a importar de onde os produtos, sem inflação e sem recessão, custam menos. E aí a indústria nacional quebra.

O Estado brasileiro é uma fábrica de facas sem cabo e sem lâmina. Custa caríssimo para existir e sua entrega é desproporcional à sua despesa. O pouco que entrega é caro demais.

Por isso, as pessoas de bom senso insistem na necessidade de reforma administrativa para reduzir o tamanho do Estado e na redução do gasto público como forma de diminuir a carga tributária – sem dúvida o maior estímulo ao consumo e à produção. 
O baixo crescimento econômico é sinônimo de desemprego ou subemprego; sinônimo, também, de maior índice de pobreza, ou seja, de aumento do gasto público, situação em que uma faca, sem cabo e sem lâmina, na mão do Estado, corta nosso pescoço.

Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

terça-feira, 11 de julho de 2023

A esquerda contra o Banco Central - Editorial - Gazeta do Povo - 9 julho 2023

Opinião


Roberto Campos Neto
Presidente do Banco Central terá de ir ao Senado novamente explicar manutenção da taxa básica de juros a 13,75%.- Foto: Pedro França/Agência Senado

Se há um fenômeno político que se repete com indefectível constância por todo o mundo é governos de esquerda brigarem com a lógica econômica e tomarem medidas inflacionárias e prejudiciais aos próprios objetivos com que as tomam: melhorar a vida dos pobres
As medidas mais imprudentes, que sempre acabam em inflação e menos crescimento, vêm sempre sob o discurso de que austeridade e controle de gastos públicos significam prejudicar os programas sociais e combate à pobreza. 
Em um país onde há 25% da população classificada como pobre e 9% como miserável, qualquer medida proposta sob o argumento de melhoria social é sempre apresentada como “inquestionável”, fazendo que sejam tachados de insensíveis e desumanos aqueles que a contestam.
 
A perspectiva de que a inflação de junho seja baixao último IPCA-15, que se refere à segunda quinzena de maio e à primeira de junho, foi de 0,04% – deve levar a uma retomada das farpas disparadas pelo presidente Lula contra o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, dando sequência ao que já fazia antes de tomar posse e continuou fazendo após assumir a Presidência, inclusive no exterior. Fazendo coro e de olho na exposição midiática, a presidente do Partido dos Trabalhadores, deputada federal Gleisi Hoffmann (PT-PR), passou a imitar Lula nas críticas contra o BC e seu presidente.  
O deputado federal Lindbergh Farias (PT-RJ) apresentou proposta para que o Conselho Monetário Nacional (CMN) inicie um processo de demissão de Campos Neto, já que o presidente e os diretores do órgão gozam de estabilidade e têm mandato fixo nos termos da lei que deu autonomia ao BC.

    Uma das explicações do BC para a manutenção da taxa Selic nos 13,75% ao ano é que não são boas as projeções de déficits fiscais derivados do excesso de gastos públicos feitos justamente pelos governantes que criticam a taxa de juros

A campanha de Lula e seus asseclas contra Campos Neto é causada pelo nível da taxa básica de juros, a Selic, atualmente em 13,75% ao ano, taxa essa que foi mantida nas sete últimas reuniões do Conselho de Política Monetária (Copom), órgão do BC composto por nove membros. A taxa de juros, no entanto, não é definida por uma canetada pessoal do presidente do BC, justamente para evitar que uma decisão tão importante para a economia seja feita por uma única autoridade isoladamente. 
O BC tem a função de administrar a moeda circulante, regular e fiscalizar o sistema financeiro e zelar por seu bom funcionamento e saúde, a fim de promover três objetivos macroeconômicos: o controle da inflação (este, o objetivo prioritário, segundo a própria lei da autonomia do BC), o crescimento econômico e o aumento do nível de emprego.
 
A inflação, pela capacidade de corroer o poder de compra dos salários e outras rendas, e por causar atraso econômico, inclusive recessão, é o primeiro fenômeno que o BC e o Copom têm a missão de combater, e para isso o instrumento principal é a taxa básica de juros. 
O mundo está cheio de exemplos, como ocorreu aqui mesmo durante o governo Dilma Rousseff, mostrando que a gestão demagógica de manter o juro abaixo da inflação desestimula a poupança, corrói os capitais acumulados e freia o crescimento econômico e prejudica os que a demagogia afirma defender: os pobres, os assalariados e os pequenos poupadores.  
A taxa de juros é um remédio usado no mundo desenvolvido para enfrentar a inflação – esta, sim, um grande mal.
 
O principal argumento usado contra a atual taxa Selic é o de que a inflação anual brasileira deve ficar em torno de 6%, para o que a taxa de juros de 13,75% é considerada alta.  
Entretanto, o primeiro ponto a destacar é que a taxa Selic sobre títulos da dívida pública é a taxa bruta paga aos aplicadores nesses títulos, e não significa a taxa de juros líquida recebida pelos investidores, pois, sobre o rendimento do aplicador, há Imposto de Renda que pode ficar entre 15% e 22,5%, conforme o prazo do título. O segundo ponto é que o rendimento real – ou seja, o ganho efetivo em termos de acréscimo de patrimônio – equivale à taxa Selic menos os impostos sobre os ganhos e menos a taxa de inflação.
 
Aqui surge um problema: a inflação atual é obtida a partir dos índices passados já conhecidos – de onde também saem as projeções de inflação futura –, enquanto a taxa Selic fixada pelo Copom é paga em grande parte das operações de crédito e investimentos financeiros a partir da entrada em vigor da nova Selic. 
Por isso, a Selic é definida pelo Copom mediante projeções da inflação de longo prazo, em cujos cálculos entram as expectativas sobre o orçamento fiscal do governo. 
Uma das explicações do BC para a manutenção da taxa Selic nos 13,75% ao ano é que não são boas as projeções de déficits fiscais derivados do excesso de gastos públicos feitos justamente pelos governantes que criticam a taxa de juros.
 
O governo Lula, desde que foi eleito, vem se colocando contra o controle nos gastos do governo, como ficou claro com a extinção da lei do teto de gastos aprovada no governo Temer.  
Lula insiste que o governo pode fazer déficit público enquanto houver pobres, sem deixar claro que o atraso econômico, que prejudica os pobres, tem como uma de suas principais causas exatamente o descontrole das contas públicas. 
Essa situação não é nova para Lula, pois ele foi protagonista do mesmo problema em seus dois últimos anos de governo, 2009 e 2010, quando a gastança levou o governo a ter déficits que vinham empurrando a inflação para cima
O aumento da gastança nos dois últimos anos do governo Lula contribuiu para pôr fogo na inflação; os índices de preços aumentaram e o problema foi jogado no colo de Dilma.

Lula e o PT, dentro do espírito do esquerdista autoritário, não se conformam que a diretoria do BC tenha mandato fixo e autonomia para cumprir as funções do banco sem o risco de demissão a qualquer hora por mera vontade do presidente da República

Por ironia, o ministro da Fazenda de Dilma, o economista Guido Mantega, se viu na difícil tarefa de explicar a inflação e os déficits públicos para a presidente e discutir eventuais cortes nos gastos, quando era ele próprio o ministro da Fazenda de Lula na fase do estouro nos gastos do governo.  
Na época, para tirar de si a responsabilidade pelo problema, Mantega tentou convencer a presidente de que a inflação era resultado da elevação dos preços internacionais das commodities; logo, a causa estaria fora do Brasil.  
Naquela época, coube ao presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, convencer a presidente de que o aumento da inflação não era efeito dos preços das commodities, mas resultava do aumento na demanda interna em função dos gastos excessivos do governo e do consumo das famílias, movido a facilidades para compras a crédito.

Tombini tentava convencer Dilma Rousseff que cortes orçamentários eram necessários, sobretudo para amenizar a pressão sobre o aumento dos juros e evitar a inflação. O presidente do BC teve êxito em sua análise e na proposta de cortes no orçamento de gastos do governo federal, o que acabou sendo feito, embora com alguma timidez, pois seria ruim para a presidente começar seu mandato com piora da inflação, inibição do crescimento econômico e sacrifício dos mais pobres.

A história se repete agora, com a diferença de que Lula não pode demitir o presidente do BC em uma canetada, pois a lei de autonomia do BC fixou mandatos para os diretores do BC, e o de Roberto Campos Neto vai até o fim de 2024. 
Na essência, Lula e o PT, dentro do espírito do esquerdista autoritário, não se conformam que a diretoria do BC tenha mandato fixo e autonomia para cumprir as funções do banco sem o risco de demissão a qualquer hora por mera vontade do presidente da República.
 Em resumo: Lula não se conforma em não ter poder total e ilimitado de demitir o presidente e os diretores da instituição.


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Editorial - Gazeta do Povo 
 
 
 

sábado, 1 de abril de 2023

Em busca de mais impostos ou mais inflação - Carlos Alberto Sardenberg

O novo arcabouço fiscal só funciona, mantendo as contas públicas em razoável equilíbrio, na ocorrência de três situações:

1) expressivo ganho de arrecadação do governo federal;

2) forte crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) ou;

3) alta inflação.

O ajuste proposto se baseia no ganho de arrecadação. O corte de despesa só ocorre, quer dizer, só seria necessário em circunstância difícil de acontecer. Na verdade, o programa como que protege o crescimento da despesa, chegando mesmo a estabelecer uma expansão mínima de 0,6% em termos reais. 
Também fixa uma meta de investimentos, corrigida anualmente pela inflação. 
 
Sim, sabemos que o governo tem mesmo de gastar, especialmente nos programas sociais. Sim, investimentos geram crescimento, emprego e renda. E, finalmente, não há como cortar radicalmente a despesa
Os gastos obrigatórios (Previdência, salários do funcionalismo, programas sociais, educação e saúde) consomem cerca de 95% da receita. 
Tudo isso subirá com o aumento real [R$ 18,00] do salário mínimo e o reajuste do funcionalismo. Sem contar as diversas promessas de campanha.

Isso posto, também é preciso admitir: qualquer que seja a boa intenção, chame-se a coisa de gasto ou investimento, o governo precisa colocar dinheiro. E de onde vem? Da arrecadação, óbvio. Não por acaso, o ministro Haddad, ao apresentar o programa, acentuou esse ponto. Assegurou que não criará novos impostos nem aumentará alíquotas, mesmo assim sugeriu que pode [??? pode,em nossa imaginação podemos tanto... só que na real nada podemos,] obter logo um ganho de R$ 150 bilhões.

Quem pagará isso? O ministro responde: quem deveria e não está pagando impostos. Diversos setores econômicos recebem incentivos fiscais, são autorizados por lei a não pagar ou a recolher menos impostos, taxas e contribuições. Exemplo maior: as empresas instaladas na Zona Franca de Manaus. Mas há muito mais. O obstáculo está exatamente aí: são setores protegidos por lei, logo devem ser desprotegidos por novas leis aprovadas no Congresso. E lá o governo enfrentará os mesmos lobbies que conseguiram as vantagens. Não será fácil. 
 
Também não recolhem impostos as grandes empresas da área de tecnologia. A pessoa compra uma roupa num site chinês — ou de qualquer outra origem — e recebe em casa a mercadoria produzida noutro país, por empresa sediada em algum paraíso fiscal. 
Há uma discussão no mundo todo sobre como taxar esses negócios via “big techs”. Está difícil. 
Sempre haverá um país disposto a oferecer incentivo para receber a sede fiscal e a base operacional desses gigantes corporativos. 
Proibir que essas empresas façam negócios por aqui? 
Só prejudicaria os consumidores, além, claro, de o país não recolher um centavo de impostos. Aliás, perde aquele que se recolhe nas atividades paralelas. 
 
Eis o ponto: o arcabouço fiscal depende de forte ganho de arrecadação, difícil de realizar. 
E, realizado, aumenta o custo Brasil para empresas e cidadãos.  
Uma forte expansão do PIB resolve isso automaticamente. Mais crescimento e renda, mais receitas para o governo. Problema: as projeções mostram expansão pífia para os próximos anos, em torno de 1%. Dirão: se o governo gastar mais e estimular a economia, o PIB responde. Mas, para isso, o governo precisa recolher todo aquele dinheiro. Difícil, de novo. [o objetivo principal, a meta primeira, do arcabouço fiscal é possibilitar ao Lula, que comandou a maior roubalheira já havida no Brasil, quebrar um outro recorde: o de Sarney, maior inflação já havida. 
 Caso o arcabouço fiscal tenha sua minuta aprovada, e vire lei, o Sarney perde o recorde de maior inflação e a inflação do Brasil supera a da  Venezuela. 
A única solução para evitar a a tragédia  é rasgar o projeto de arcabouço apresentado,  ainda não é lei e sim uma simples minuta que são feitas quase sempre para serem rasgadas ou modificadas.]

A reforma tributária pode melhorar o ambiente de negócios e, pois, estimular investimentos privados —, mas no médio prazo, para além do atual governo. E precisaria ser votada no Congresso.

Resta a inflação, sim, a própria. Inflação eleva o PIB nominal, logo aumenta a arrecadação
Além disso, a moeda desvalorizada diminui o valor real das despesas do governo, de modo que a mágica se completa: mais receita, mais espaço para gastar. Já aconteceu e sabemos como termina: inflação saindo do controle e corroendo a renda das famílias. 
Será que deixarão acontecer novamente? 
Por isso a bronca com o Banco Central? 
 [PARABÉNS ao ilustre articulista; que desmontou o plano do 'poste' lulista com a mesma eficiência que Deltan Dallagnol destruiu o DESgoverno Lula e o próprio, em brilhante matéria em sua coluna VOZES - Gazeta do Povo.]
 
 Suspeitas, claro, mas não despropositadas. Os obstáculos são reais.
 
Carlos Alberto Sardenberg, jornalista - Coluna em O Globo
 
 

sexta-feira, 27 de janeiro de 2023

O verdadeiro Lula - Carlos Alberto Sardenberg

O presidente Lula considera uma bobagem esse negócio de banco central independente. Diz que o sistema não está funcionando porque a meta de inflação é muito baixa, a inflação real está elevada e os juros muito altos. Arremata dizendo que no tempo do seu primeiro governo o BC não era independente e conseguiu derrubar inflação e juros.

         Confusão danada.

         Começando pelo fim: o banco central nos dois primeiros mandatos de Lula, de fato, não tinha autonomia ou independência formal. Mas Henrique Meirelles, então um deputado tucano e ex-presidente mundial do Bank of Boston, só aceitou o convite de Lula para assumir o BC se tivesse plena independência. Lula prometeu e cumpriu.

         Meirelles, também sustentado pelo então poderoso ministro da Fazenda Antônio Palocci, escolheu sua diretoria e administrou a política monetária segundo a teoria e a prática de um banco central moderno.

         Quando Palocci caiu, Guido Mantega assumiu a Fazenda e tentou derrubar Meirelles. Queria colocar no lugar Luiz Gonzaga Belluzzo, da Unicamp, com propostas opostas às de Meirelles. Quase conseguiu. Preocupado com a reação dos mercados e dos operadores da economia real, Lula manteve o ex-banqueiro.

         Desfazendo a primeira confusão: Lula reclama hoje da independência, legal, do BC e argumenta que no tempo dele funcionou bem … com independência. Só que era uma independência na prática, concedida pelo presidente. Assim como fora na época de FHC.

         Essa independência era uma fragilidade, demonstrada na gestão de Dilma. A presidente interferiu direto na política monetária, ordenando uma redução de juros quando não havia condições para isso e que veio a dar na inacreditável combinação de inflação alta, juros altos e recessão.

         Provou por que o BC deve ser independente. Fica imune às políticas eleitoreiras e/ou populistas do governante de plantão. A lei de independência do BC brasileiro foi votada pelo Congresso em 2021. Determina que o BC deve perseguir a meta de inflação, definida pelo Conselho Monetário Nacional, e fixa o mandato dos diretores do banco. Assim, o atual presidente do BCB, Roberto Campos Neto, tem mandato até dezembro de 2024, para cumprir metas já fixadas.

Mas a confusão armada por Lula começa em outro ponto da política econômica, o estado das contas públicas. O presidente ataca o teto de gastos e a exigência de responsabilidade fiscal, diz que os fiscalistas são contra os gastos sociais e logo em seguida assegura que seu primeiro governo praticou a responsabilidade fiscal.

         Este último ponto é verdade. Por influência de Palocci e Meirelles, Lula cumpriu a Lei de Responsabilidade Fiscal, entregando superávits elevados todos os anos. Repararam? Lula está invocando seu passado responsável de respeito à autonomia do BC e produção de superávits fiscais – para rechaçar qualquer regra nesses itens.  
Só que agora é para tolerar uma inflação mais alta, BC à parte, e obter uma licença para gastar e produzir déficits elevados.

         O que está por trás dessa confusão?

         É que o Lula do primeiro governo não era o verdadeiro. Ele praticou políticas responsáveis, ortodoxas, por medo da reação dos meios econômicos. Tanto que começou a mudar a postura no segundo mandato, quando se sentiu mais seguro. Tudo considerado, Dilma foi o verdadeiro Lula, com a gastança do governo, suas estatais e seus bancos.

         É o que Lula quer reviver, mas as circunstâncias mudaram. No primeiro governo, Lula recebeu a casa arrumada e um presente da globalização: o mundo todo em crescimento, com o boom das comodities trazendo dólares ao Brasil.

         Agora, o mundo desacelera, os juros são altos para combater a inflação. Aqui também. Por isso Lula não precisa reclamar da meta de inflação. A inflação real e que atinge os mais pobres já está bem acima da meta.

         Pode apostar: vai sobrar para o BC independente. 

Carlos Alberto Sardenberg, jornalista

Coluna publicada em O Globo / Economia / Política

 

sábado, 4 de dezembro de 2021

Perdeu o juízo - Carlos Alberto Sardenberg

Será que o ministro Paulo Guedes acredita mesmo que a economia brasileira está decolando ou apenas tenta criar uma narrativa otimista para esconder um enorme fracasso?

É intrigante: não há como responder.

Por um lado, os números são avassaladores. Eliminados os indicadores que parecem positivos por causa da comparação com uma base muito baixa, a do ano passado, o resto aponta para uma paradeira inequívoca. Na verdade, a discussão relevante entre economistas do primeiro time – e de visões variadas – trata do seguinte: o Brasil se encaminha para a estagnação, a recessão ou estagflação?

Sim, porque a inflação, passando dos 10% ao ano, já comeu nada menos que 11% da renda do trabalho, reduzindo drasticamente a capacidade de consumo das famílias.  Como o ministro Guedes poderia desconhecer estes fatos? E entretanto, na última quinta, ao comentar os dados do PIB, disse que a B3 (a bolsa brasileira) havia subido 3% em comemoração aos bons resultados da economia real e do equilíbrio das contas públicas.

[economia é mais uma área alcançada pela nossa notória ignorância e completa ausência do saber, no caso,  econômico.
O importante, o fato que não pode ser ignorado,  é que a queda na economia em 2020 teve causa certa e indiscutível = a maldita pandemia; 
só que em 2021 os números não apenas parecem, SÃO POSITIVOS, modestamente, mas melhores  que se fossem negativos. Com a persistência da peste, seria de se esperar até mesmo queda igual ou maior que a de 2020.
O que acontece é a regra seguida pela MÍDIA MILITANTE e que consiste em qualquer notícia envolvendo o governo Bolsonaro tem que ser narrada de forma a MAXIMIZAR os aspectos negativos ou menos positivos menos positivo e MINIMIZAR os aspectos positivos. Tal conduta vale para qualquer notícia, seja de  que área. 
Exemplo: A primeira-dama, Michelle Bolsonaro, evangélica de carteirinha, aplaudiu a aprovação de André Mendonça para o Supremo - normal, natural, além do indicado ter as condições (com sobras) para exercer o elevado cargo, "é irmão de fé" da primeira-dama.
Só que a mídia militante procura narrar dando destaque a um eventual  um lado 'negativo'. 
Vejam uma das manchetes: "Michelle chora, pula e reage com ‘glória a Deus’ aprovação de Mendonça ao STF; veja vídeo"Não será surpresa se um desses partidecos de nada, ingressar com ação no STF pedindo a revogação da decisão do Senado que aprovou a indicação de Mendonça. 
Motivo: PREVARICAÇÃO do presidente, já que indicou André Mendonça para satisfação pessoal da Michele.]

Quanto às contas públicas, ficou evidente que a PEC dos precatórios é uma manobra para legalizar o estouro dos gastos e o rompimento do teto orçamentário. [sem a PEC dos Precatórios mais de 17.000.000 de FAMÍLIAS FAMINTAS teriam sua fome aumentada. Ou a mídia militante apoia um HOLODOMOR alcançando quase cinco vezes o número de vítimas na Ucrânia? 
Quando a econometria ir devagar, quase parando, é melhor que parada ou mesmo em queda.]

Com esse conjunto de indicadores, é preciso concluir que Guedes sabe, sim, que a economia vai devagar quase parando, mas inventa uma narrativa para agradar o chefe e sua turma. É verdade que esse pessoal é ignorante em economia (e em muitas outras coisas, inclusive saúde), mas a narrativa é tão descolada da realidade, tão absurda, que leva as pessoas de mínimo bom senso a perguntar: o ministro perdeu o juízo?

Ou, por outro lado: não é possível que Guedes, com seu conhecimento de economia e mercados, acredite que alguém (fora da turma de fanáticos) vai acreditar nessa incrível farsa.

Então, como ficamos?

Hipótese: a economia brasileira deteriorou-se muito rapidamente neste segundo semestre. No início do ano, esperava-se um PIB crescendo acima de 5% e mais 2,5% em 2022, com inflação controlada e juros reais baixos. Hoje, mudou tudo. A inflação segue em alta persistente e espalhada, os juros em rota de elevação, o risco Brasil também subindo e o real sendo a moeda mais desvalorizada entre os emergentes. Mesmo com o avanço da vacinação.

De onde vem essa deterioração? Há fatos: a crise hídrica, que fez aumentar a tarifa de energia,  e a alta do petróleo (e, pois, da gasolina, do gás e do diesel). Mas o preço da energia em geral subiu no mundo todo e muitos países relevantes, mesmo com inflação mais alta, mantêm bom ritmo de crescimento. [a crise hídrica que, para tristeza de muitos, está cedendo graças as chuvas abundantes, não pode ser atribuída ao governo Bolsonaro. Outro absurdo é criticar o governo brasileiro - assaltado nos treze anos de governo petista, tenha uma economia que reaja a uma inflação mais alta com um bom ritmo de crescimento = só alcançado, como bem diz o articulista, nos países mais relevantes.]

Qual a diferença? O governo. A gestão Bolsonaro não é “apenas” politicamente  equivocada. É de uma incompetência brutal. E destruidora. Acrescente a isso a entrega dos cofres públicos à turma do Centrão – e, pronto, está explicada a enorme falta de confiança que se observa no país. Isso deve ter virado no avesso a cabeça do ministro Guedes. Ou o que mais seria?

E por falar em cabeças viradas no avesso, Lula entrou no debate para dizer que o Brasil estava num momento raro, histórico, de crescimento zero. Deve estar fazendo contas de 2017 para cá, pois em 2015 e 16 o país acumulou uma queda de quase 8% do PIB, consequência da gestão devastadora de Dilma Roussef. [foi este o Brasil que Bolsonaro recebeu em 1º janeiro 2019 - Temer não teve tempo de governar. Além do mais, foi perseguido pelo 'enganot' e o STF, em decisão monocrática da ministra Carmem Lúcia,  chegou a impedi-lo de nomear ministros para seu governo.]

Lula também não lembra da corrupção na Petrobras, assim como os Bolsonaros juram que não tem rachadinha. [até agora nada foi provado sobre a rachadinha atribuída aos Bolsonaros,  e convenhamos se Lula foi descondenado por ter sentado na vara errada, nada mais justo que o principio de "inocente até que se prove o contrário" se aplique aos familiares do presidente Bolsonaro.
Falando em rachadinha... a do senador Alcolumbre vai ser esquecida? não será investigada? Alcolumbre  não será julgado, condenado e preso? não perderá o mandato?]

É isso aí. Estamos entre birutas, esquecidos e/ou farsantes.

Carlos Alberto Sardenberg, jornalista

Coluna publicada em O Globo - Economia 4 de dezembro de 2021

 

quinta-feira, 22 de julho de 2021

Cármen Lúcia nega pedido para determinar análise de impeachment por Lira - Valor Econômico

Luísa Martins
A ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Cármen Lúcia negou um pedido feito à Corte para determinar ao presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, analise pedido de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro. 
 
A ação é de autoria do ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad e do deputado Rui Falcão, ambos do PT. Eles alegavam que, passado mais de um ano do protocolo da denúncia na Câmara, esta ainda não havia sido apreciada. [por isso, é urgente que a 'cláusula de barreira' entre  em vigor e acabe com esses partidecos insignificantes, sem votos, sem noção, sem programa de governo e que perdem as eleições e querem governar via Poder Judiciário.
Excrescências do tipo só servem para sobrecarregar o Poder Judiciário.  Tiveram que engolir a vitória do presidente Bolsonaro e agora o poste derrotado e um deputado desconhecido, querem o impeachment do Presidente da República Federativa do  Brasil, JAIR MESSIAS BOLSONARO - eles tem o maior pavor, se borram ao constatar que o fim da RECESSÃO e o término do DESEMPREGO (heranças malditas  do nojento  'perda total' )- que ocorrerão em 2022, como consequência do fim da PANDEMIA, levarão Bolsonaro à reeleição e  que devem ser resolvidas pelo Poder Legislativo. 
Apesar de todo o esforço de alguns juízes para trazer o infeliz perda total em 2022, não terão êxito, a cláusula de barreira sepultará de vez com esses partidecos que agonizam.
Os peticionários, são tão sem noção, que esquecem que mesmo a ministra deferisse o pedido e, arbitrariamente, obrigasse Lira a colocar o impeachment em votação, faltam a eles - os inimigos do Brasil e dos brasileiros = inimigos do presidente Bolsonaro - os  342 votos necessários, indispensáveis, para que o pedido de impeachment se torne um processo na Câmara dos Deputados.]

Para a ministra, deferir o pedido seria uma violação ao princípio da separação dos poderes. "A jurisprudência deste Supremo consolidou-se no sentido de se estabelecer a autocontenção do exercício jurisdicional constitucional", escreveu. Os petistas apresentaram a denúncia por crime de responsabilidade depois que Bolsonaro participou de um ato antidemocrático, em que manifestantes pediam, por exemplo, a volta do AI-5, instrumento de repressão da ditadura.Para eles, a presidência da Câmara estaria cometendo abuso de poder e "desvio de finalidade nítido, no exercício passivo de atribuições cogentes vinculadas a funções de desempenho obrigatório".

Atualmente, estão parados na Câmara mais de 120 pedidos de impeachment contra Bolsonaro. Na semana passada, o presidente do Supremo, ministro Luiz Fux, entendeu não ser urgente uma solicitação do PDT semelhante à dos petistas. Ele afirmou que não decidiria durante o recesso do Poder Judiciário e devolveu a bola ao relator original do caso, ministro Nunes Marques, que retorna aos trabalhos no Supremo a partir de 2 de agosto. O PDT cita que Lira vem ignorando o regimento interno da Câmara, segundo o qual denúncia contra presidente da República por suposto crime de responsabilidade deve ser lida "no expediente da sessão seguinte" e despachada à Comissão Especial eleita para analisá-la.

Luísa Martins, Valor Econômico

quinta-feira, 4 de março de 2021

Cada um por si - William Waack

O Estado de S. Paulo

A pandemia acelerou a já existente perda de autoridade do governo [Tudo a seu tempo - cada passo ao seu tempo;  agora provocam, após fracassar em todas as tentativas, na tentativa de que a pretexto de provar que não perdeu autoridade, o governo busque o autoritarismo.
Para que? interpretar como autoritarismo o que nada produz e quando produz algo são  arbitrariedades que se esvaem por si!]

Já é lugar comum afirmar que o maior efeito da pandemia ao redor do mundo foi o de acelerar ou agravar problemas já existentes. No caso do Brasil, ela escancarou a falta de governo, além da desigualdade, miséria e ignorância, mazelas bem antigas. No Brasil, a pandemia não “inventou” a má gestão pública nem o desperdício de recursos. Ela ensinou que não há governo efetivo sem capacidade de liderança política – outro problema do qual padecemos há tempos. 

A extraordinária incapacidade de Jair Bolsonaro para liderar e coordenar criou com a pandemia um fenômeno novo na política brasileira. É o cada um por si dos entes da Federação, e a instituição da dupla de primeiros ministros nas figuras dos presidentes das casas legislativas. Em linguagem militar, talvez ainda familiar a alguns ocupantes do Planalto, o Estado Maior da crise não está como deveria estar na Casa Civil e no Ministério da Saúde (instâncias do Executivo sob o comando nominal de generais) mas, na prática, foi para o Congresso

É nas casas legislativas que se decide agora o essencial para se tentar minorar os devastadores efeitos da maior tragédia da nossa história recente. É para lá que correm prefeitos e governadores na linha de frente do combate ao vírus. [chegam de mãos vazias e saem de mãos abanando] É lá que se negocia a aprovação de um mínimo de ajuda que impeça pessoas de morrer de fome. É lá que existe pressa e urgência para flexibilizar e acelerar a aquisição de imunizantes por quem quer que seja, incluindo empresas privadas. O arcabouço jurídico foi criado pelo STF, que transformou um de seus integrantes em virtual ministro da Saúde. [só que as decisões do virtual ministro da Saúde, imposto pelo STF, que tudo indica é o ministro MD Lewandowski, tem sua ação limitada ao estabelecimento de prazos para apresentação pelo ministro da Saúde,  presencial, de cronogramas de vacinação.

Na maior parte das vezes não tem sido atendido de forma exitosa, visto que o ponto de partida de qualquer cronograma é a data do inicio que, no caso dos 'planos de vacinação',  depende da data exata da chegada dos fármacos ao Brasil - data que está sob controle de outros países, especialmente a China, país que prioriza os SEUS interesses aos de outras nações.]

Um resultado evidente dessa situação cujo alcance Bolsonaro não parece ter percebido ainda é a profunda desmoralização política associada a um governo visto como incompetente. Presidentes anteriores já foram desmoralizados por eventos abrangentes em parte piorados por eles mesmos, como ocorreu com Sarney/Collor (hiperinflação)Dilma (recessão). No caso de Bolsonaro, além do estelionato econômico eleitoral do qual Paulo Guedes está se tornando cúmplice, é a pandemia que acelera perigosa desmoralização. 

A confluência de crise econômica, tragédia de saúde pública e incapacidade de liderança política (com seus graves riscos de populismo fiscal) compõe a “tempestade perfeita” mencionada por agências de classificação de risco ao publicarem no começo da semana cenários a curto prazo para o Brasil. O agravamento da crise de saúde pública faria as demandas sociais crescerem em ritmo mais rápido do que o “tempo político” necessário para a aprovação de medidas de contrapartida à continuidade da ajuda emergencial, trazendo ainda mais insegurança aos agentes na economia. 

Bolsonaro está no modo de sempre, dedicado a buscar culpados e livrar-se de responsabilidades. A aparente tranquilidade com que enfrenta um quadro que se agrava nitidamente vem de dois fatores proporcionados por sua estreita visão da realidade. O primeiro é a percepção de garantia política dada pela dupla de primeiros ministros – que, na verdade, mal controlam as próprias casas, como ficou demonstrado no episódio da PEC da imunidade ou impunidade dos parlamentares. 

[Felizmente, existe a opinião pública - ou publicada (copiamos do Alon Feuerwerker) e a da presente matéria é a publicada]

O segundo é o aparente conforto trazido pelo aparelhamento das instâncias superiores do Judiciário – nomeações “casadas” para o STJ e STF, em estreito entendimento com os movimentos políticos evangélicos. Percalços jurídicos policiais de curto prazo em relação à família do presidente estão afastados, ao mesmo tempo em que não existe nada remotamente parecido à presença de uma Lava Jato para criar dificuldades políticas agudas para o atual governo (como aconteceu com Dilma). 

Desmoralização é um fenômeno político forte e de difícil reversão, que costuma nascer e se propagar primeiro nos vários componentes de elites (administração pública, setores empresariais e financeiros, profissionais liberais, elites culturais em sentido amplo). A perda de autoridade de Bolsonaro já se fazia sentir antes da pandemia, fato demonstrado pela maneira como o Legislativo e o STF encurtaram seu poder. A pandemia, como se diz, acelerou o que já existia.

William Waack,  jornalista - O Estado de S. Paulo

 

quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

O bicho da inflação - J.R. Guzzo

O Estado de S. Paulo

Brasil se acostumou a ficar arisco quando ouve falar em aumento de preços, mas os investidores, até o momento, não parecem realmente aflitos

Para um país que viveu sob a gestão econômica do presidente José Sarney, de seus ministros seriais da Fazenda e dos planos de professor Pardal que anunciavam de meia em meia hora para salvar a economia – e cuja única distinção era darem sempre errado –, o Brasil se acostumou a ficar arisco quando ouve falar em inflação. A última vez foi em 2015, já na agonia, paixão e morte do governo Dilma Rousseff. Comparada com os números espetaculares e inesquecíveis de Sarney, a inflação de Dilma foi uma mixaria – mas, ainda assim, ninguém gostou do que viu. Agora, já ao final deste primeiro ano de devastação da covid-19, turbinada pela promoção do pânico, pela demagogia dos governos e por sua inépcia na administração do problema, o bicho volta a se fazer notar.

As últimas cifras a respeito são uma brincadeira, é claro, diante das memórias vivas da inflação brasileira0,90% de aumento do IPCA no mês de novembro, acima do índice de outubro, e 4,30% nos últimos doze meses, o que é mais do que os 4% pretendidos pelas metas do Banco Central
Mas 4 vírgula pouco no ano é melhor do que 40% no mês, como nos tempos da inflação de verdade. Ao final de 2020, de janeiro a dezembro, o resultado deve ficar em algo mais que 3%. Bico.

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Mas aí é que está: no Brasil de hoje, o único que interessa, nada é bico quando se trata de inflação – basta o índice deixar de cair, ou deixar de ficar parado, para os decisores se preocuparem e para os escritórios de análise econômica ouvidos pela mídia começarem a anunciar que o tempo está ficando ruim. Os investidores, até o momento, não parecem realmente aflitos. A Bolsa de Valores está operando acima dos 114.000 pontos, depois de ter ficado abaixo dos 70.000 em março. Está se aproximando do seu recorde de 120.000 pontos em janeiro – e Bolsa em alta nunca foi sinal de inflação, recessão, Tesouro em recuperação judicial e outras desgraças desse tipo. Os primeiros sinais de recuperação da economia, ao mesmo tempo, já começaram a aparecer. 
Mas, como dito acima, inflação é inflação.

Todo o mundo, é claro, vai estar atento à evolução das próximas semanas e do começo de 2021. A gestão econômica do governo não deve ter maior impacto nos índices de inflação – tem limites para diminuir, e não tem planos para aumentar. Mas isso é coisa que não se esconde, e nem se inventa. A situação da economia será exatamente a que os fatos mostrarem.

J.R. Guzzo, jornalista - O Estado de S. Paulo

 

quinta-feira, 24 de setembro de 2020

O imposto da reeleição - Nas entrelinhas

Guedes voltou a defender a reforma tributária. Agora, pretende aumentar o peso do Estado na economia e não o contrário, como anunciou nos tempos áureos de Posto Ipiranga

Há quase um consenso no Ministério da Economia de que a antecipação do projeto de reeleição do presidente Jair Bolsonaro, em meio à pandemia, tornou-se o maior complicador da política econômica. Muito do comportamento errático do ministro Paulo Guedes decorre dessa contingência política, que não tem nada a ver com as necessidades dos agentes econômicos. Ontem, ao afirmar que indexadores não resolvem os problemas, que a solução dos mesmos é sempre política, citando as medidas de “economia de guerra” adotadas pelo Congresso, Guedes jogou a tolha: já não lidera a política econômica do governo, rendeu-se ao“dispositivo parlamentar” montado por Bolsonaro e os generais que hoje mandam na Esplanada dos Ministérios.
[o presidente Bolsonaro tem uma certa dificuldade em entender que muitas prioridades exigem sua atenção e a reeleição ocorrem daqui a dois anos e está em suas mãos - desde que certos problemas, especialmente da economia, sejam resolvidos = com o país em recuperação, sua popularidade em alta, será bem mais fácil ratificar sua reeleição em 2022.
Para o que resta de 2020 e os primeiros meses de 2021, o que importa  é neutralizar os inimigos do Brasil - que também são os seus - e também os 'quinta coluna' que atuam (muitas vezes com boas intenções, das quais o inferno está cheio) prejudicando o seu governo.
Felizmente, seus filhos se adaptaram a ideia de que o Brasil não é uma monarquia e eles não são os herdeiros do trono - reduziram em muito as interferências, os palpites, que tanto atrapalhavam o governo - e o guru de Virginia também está sob controle.
Presidente, o mais urgente agora é demitir sumariamente o Paulo Guedes - ele ficando o Brasil fica no prejuízo, fica no buraco, e sua reeleição vai para o espaço.
A escolha é do senhor, assim como colher os  bônus que dela decorram.]

Os líderes do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR); no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE); e no Congresso, senador Eduardo Gomes (MDB-TO), são raposas políticas experientes, operam em conexão direta com os ministros da secretaria de Governo, general Luiz Ramos; da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas; e do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, para viabilizar desde já o projeto de reeleição de Bolsonaro, em troca de apoio nas eleições municipais para os candidatos ligados ao Centrão, o bloco político que ancora o governo no Congresso. Guedes foi engolido por esse grupo.

A política, em última instância, é a economia concentrada, mas a experiência mostra que a blindagem da política econômica é que garantiu o sucesso do Plano Real, no governo Fernando Henrique Cardoso, com o economista Pedro Malan no Ministério da Fazenda, e do governo Lula da Silva, com Guido Mantega comandando a economia. Em ambos casos, porém, o projeto de reeleição teve um custo muito alto. No governo Bolsonaro, a equipe econômica, em vez de ser blindada, está sendo implodida pelo próprio presidente da República.

Ontem, por exemplo, o “dispositivo parlamentar” — como não lembrar, com sinal trocado, do “dispositivo militar” do presidente João Goulart, que não impediu sua deposição —, anunciou junto a Guedes que o governo desistiu de manter o veto do presidente Jair Bolsonaro à prorrogação da desoneração da folha de pagamentos de 17 setores da economia intensivos em mão de obra. A decisão foi tomada porque o governo concluiu que já estava derrotado no Congresso. Guedes, que orientou o veto presidencial, é o grande perdedor. Agora, o Palácio do Planalto quer fazer do limão uma limonada. Como? Usando a derrubada do veto como justificativa para criar um novo imposto sobre operações financeiras. Ou seja, o governo pretende aumentar a carga tributária, com um imposto com efeito cascata.

Investimentos
O objetivo é gerar uma sobra de caixa para a implantação do programa Renda Brasil, a transferência de R$ 300 para a população de baixa renda hoje atendida pelo Bolsa Família e o abono emergencial. Concebido para ser o carro chefe da campanha de reeleição de Bolsonaro, o programa ainda não tem viabilidade, por falta de recursos no Orçamento. Para pôr de pé a proposta, Guedes voltou a defender a reforma tributária. Agora, pretende aumentar o peso do Estado na economia e não o contrário, como anunciou nos tempos áureos de Posto Ipiranga.

O resultado da movimentação errática do governo na economia está sendo a volta da inflação, a queda da Bolsa e a alta do dólar, como mostram os indicadores anunciados ontem. O pior ainda está por vir: a taxa recorde de desemprego, que deve chegar a 18% da população economicamente ativa, considerando-se apenas os que procuram emprego, o critério adotado pelo IBGE. Nesse rumo, logo o Banco Central (BC) terá que aumentar a taxa de juros, hoje em 2%, o que é muito bom diante da recessão causada pela pandemia, mas começa a ser pressionada pelos juros nas operações de venda de títulos públicos, por perda de confiança dos investidores.

O Banco Central anunciou, ontem, uma queda de 26,6% nos investimentos diretos, que somaram US$ 22,8 bilhões no primeiro semestre, contra US$ 31,1 bilhões no mesmo período do ano passado. Neste ano, ao contrário do que o presidente Bolsonaro disse em seu discurso na ONU, os investidores já retiraram R$ 88,9 bilhões da Bovespa, o dobro do volume registrado no ano passado: R$ 44,5 bilhões. É o pior desempenho em 11 anos. A pandemia e a recessão mundial têm culpa nesse cartório, assim como é compreensível que o ministro Guedes tente vender otimismo e anuncie uma recuperação em V da economia brasileira, mas não está sendo convincente. Ainda não caiu a ficha de que a falta de confiança dos investidores é resultado do comportamento errático do governo na economia, das crises criadas pelo próprio presidente Bolsonaro e de uma política ambiental desastrosa. Criar um imposto para garantir a reeleição do presidente da República não resolve o problema.

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo, jornalista - Correio Braziliense


domingo, 5 de julho de 2020

A lei vale para todos, a depender da interpretação – Editorial

 O Globo


Divisão no STF indica necessidade de emenda constitucional para tornar realista o conceito da irredutibilidade do salário

A sessão de julgamento do Supremo Tribunal Federal da quarta-feira da semana retrasada foi cercada de excepcionalidades. A começar pelo fato de retomar a apreciação de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) instaurada na Corte há 18 anos, por iniciativa de partidos políticos e associações de servidores públicos, contra dispositivos da Lei de Responsabilidade Fiscal, então recém-aprovada para servir de lastro do controle das contas públicas, afinal conseguido depois de um longo período de crises em que houve recessão, estagnação e uma hiperinflação que chegou perto dos 3.000% em 1993.




A importância do tema em julgamentoa possibilidade de a Federação, diante de novo risco de descontrole fiscal, estabelecer cortes de jornadas dos servidores públicos, com reduções proporcionais de seus salários — se deve à necessidade de o administrador público tomar medidas para manter o equilíbrio fiscal, e não deixar que graves e crescentes déficits desemboquem em surtos inflacionários, que é a maneira selvagem com que as economias consertam esta disfunção.
Infelizmente, por 7 a 4, o relator do processo, ministro Alexandre de Moraes, foi derrotado no seu voto pela rejeição do pedido de inconstitucionalidade, sendo acompanhado por Dias Toffoli, presidente da Corte, Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes, votos insuficientes para rejeitar a ADI, apoiada por Rosa Weber, Edson Fachin, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio Mello, Luiz Fux, Celso de Mello e Cármen Lúcia, esta em parte, porque admitiu a redução de jornada.

O tamanho do equívoco cometido pela maioria do plenário do STF também é demonstrado por números, não só por argumentos jurídicos considerando uma adequada interpretação do que estabelece a Constituição sobre as contas públicas, de forma articulada com a LRF. Se não houvesse uma outra leitura consistente da Carta, não haveria quatro ministros favoráveis à manutenção dos dispositivos contestados da Lei de Responsabilidade.

O principal problema nas finanças do Estado brasileiro são as despesas obrigatórias por lei, que se expandem autonomamente. A principal delas, as da Previdência, obriga os países, não apenas o Brasil, a ajustar suas regras de seguridade de tempos em tempos, conforme a demografia exige, com o aumento do contingente de aposentados. É o que foi feito em 2019. Outro foco de dificuldades, no caso brasileiro, é a folha de salários do funcionalismo, que tem dinâmica própria de crescimento — reajustes por tempo de serviço, além de revisões feitas sob pressão das fortes corporações sindicais do setor, por inspirações populistas. Esta conta representa na União o segundo item mais importante nos gastos primários, excluindo o pagamento dos juros da dívida pública. Não é muito diferente em estados e municípios.

Como a folha de salários é gasto engessado, ela continua a subir haja ou não crise, com falta de recursos ou não. Há unidades da Federação em que os inativos já custam mais para os contribuintes do que os ativos. Na União, estados e municípios, a despesa com servidores passou de 12,3% do PIB em 2014 para 13,6% em 2018, segundo dados do Tesouro. E continua em ascensão, pressionando por mais recursos em detrimento de áreas estratégicas como saúde e educação. Entre países desenvolvidos, este índice fica entre 5% e 10%. As estatísticas do Fundo Monetário Internacional (FMI) mostram que são raros os países que destinam mais de 13% do PIB ao funcionalismo.


Não apenas argumentos de natureza fiscal e com base em estatísticas sustentam um outro entendimento da arguição da constitucionalidade da LRF. Em seu voto, o relator Alexandre de Moraes registra que o artigo 169 da Constituição, ao qual se relaciona a Lei de Responsabilidade, estabelece regras para a redução das despesas com pessoal, se elas ultrapassarem limites estabelecidos em lei complementar, a LRF. Caso não seja possível reenquadrar esses gastos dentro dos limites legais, servidores estáveis poderão ser demitidos em uma situação extrema. Está escrito. 
[o oportuno está escrito, acima destacado, nos anima a perguntar:
- será que não está na hora da opção ser efetuar modificações mais abrangentes no texto constitucional, deixando de lado   modificações pontuais, via PEC?
Não se pode desprezar o fato que a atual 'constituição cidadã' usa e abusa da concessão de privilegiar a interpretação do que está escrito, relegando a segundo plano o que está escrito.
Já vivemos em uma democracia que viola direitos assegurados na Constituição Federal a pretexto de impor o respeito aos mesmo direitos.
No mesmo diapasão deixamos de seguir o que está escrito para seguir a interpretação do que está escrito.
O Supremo é guardião e intérprete da Carta Magna - está escrito - só que artigos de redação considerada confusa, são deixados de lado, ainda que ratificados por Lei posterior, editada exatamente para complementar o dispositivo de redação 'confusa'
Um exemploartigo 142,  'caput', seu parágrafo primeiro, da Constituição Federal em vigor,  combinado com artigo 15, 'caput',  da Lei Complementar nº 97, em plena vigência.]

Faz sentido, portanto, assim como defenderam Moraes e os ministros que o acompanharam, que em vez da demissão o servidor possa ter o emprego garantido pela redução da jornada e do salário. Quem pode mais, pode menos. Se é possível demitir, deve ser permitido criar um estágio anterior para a redução dos gastos. A tese foi rejeitada no julgamento, mas espera-se que o melhor entendimento dessa questão amadureça com o tempo. Para o bem do próprio servidor. Diante deste desencontro no STF, que se faça então emenda constitucional para condicionar a irredutibilidade dos salários à vida real.

Convenciona-se dizer que no Brasil primeiro veio o Estado, representado pela Coroa portuguesa, e depois o povo. Substituída a Monarquia pela República, na parte de cima desta construção social, onde estavam marqueses, condes, barões, estabeleceram-se elites diversas, com destaque para uma burocracia pública diversificada. São funcionários de diversas formações profissionais, próximos ao poder. Em Brasília, a proximidade aumentou. Nos extratos superiores deste edifício da burocracia, pagam-se bons salários com generosos penduricalhos, há carreiras que evoluem sem sustos e promoções garantidas. Na planície está a grande maioria da população constituída por assalariados do setor privado, cujos salários e jornadas de trabalho estão sendo cortados devido à crise, pela mesma fórmula incluída na LRF, agora declarada inconstitucional. A lei vale para todos, mas a depender da interpretação.

Editorial - Jornal O Globo