Fake News - Liberdade de expressão
Neste ano de campanha eleitoral acirrada,
o conceito de liberdade de expressão será testado com frequência. As
discussões em andamento sobre Telegram, fake news e outros fenômenos da
pós-verdade mostram que esse assunto dominará o ambiente social
brasileiro. Fake news, aliás, não deve ser traduzido por notícia falsa,
na verdade é notícia fraudulenta, com potencial danoso muito maior. É a
arquitetura da internet que deve ser regulada, com vista à
transparência e à lisura, o que tenta fazer o projeto de lei das “Fake
News” que está parado na Câmara.
Na
regulação da liberdade de expressão, o Brasil está mais próximo do
modelo europeu do que do americano. A visão americana é mais libertária,
toleram-se as manifestações intolerantes até o momento em que
representem ameaça concreta à vida ou à ordem pública. Mas nem nos
Estados Unidos a liberdade é absoluta. Há uma gradação entre o discurso
de ódio (“hate speech”, ou a advocacia de ideias abjetas), a incitação
(“fighting words”, o discurso de rebelião ou insuflação à violência) e o
“perigo claro e iminente” (o uso das palavras como gatilho para a
violência).
Apenas nesse último caso, quando há um ataque a
pessoas ou alvos determinados, com risco iminente, ou quando houver uma
rebelião que resulte em destruição da vida ou patrimônio, o discurso
pode ser cerceado. Na Europa, em contraste, a compreensão da liberdade
de expressão é bem mais restritiva. Na vasta maioria dos países
europeus, “hate speech” e “fighting words” também são proibidos.
Não temos — nem teremos — liberdade
absoluta, mas se estabeleceu a precedência da liberdade de expressão
sobre outros direitos e princípios constitucionais. As redes sociais
trouxeram novos desafios para fazer valer direitos individuais ou
coletivos. São um foro público de debate sobre o qual o estado deve ter
algum tipo de ingerência. O caso do Telegram é exemplar: não pode atuar
no país se não se submeter às nossas leis. Emissoras e jornais estão
sujeitos a todo o arcabouço regulatório, na internet não pode ser
diferente. Os algoritmos são criados para favorecer conteúdos mais
atraentes, portanto impõem crivo editorial. Nesse ponto, o Marco Civil
da Internet adota uma postura pusilânime, segundo muitos especialistas,
pois as plataformas só têm responsabilidade a partir do momento em que
há decisão judicial mandando retirar o conteúdo ofensivo.
O
sistema mais avançado é o da União Europeia, e o país na vanguarda é
Alemanha. O princípio correto é conhecido como “notice and take down”: a
partir do momento em que uma rede social recebe notificação de que
veiculou conteúdo que gerou problema, deveria passar a ser
corresponsável.
Merval Pereira, colunista - O Globo