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domingo, 27 de maio de 2018

Utilidade Pública - Toda atenção à febre amarela

Registro de ocorrências além do período típico de transmissão indica necessidade de esforços adicionais para prevenir novos casos. Além da vacinação oferecida pelo SUS, há outros cuidados que devem ser tomados pela população

O primeiro caso humano do atual ciclo da febre amarela no Brasil ocorreu no mês de julho de 2016, em Guapimirim, cidade localizada na Mata Atlântica do Rio de Janeiro. A região Sudeste, que não registrava nenhuma ocorrência havia décadas, protagonizou o surto mais expressivo da doença entre dezembro de 2016 e julho de 2017, com 3.564 casos suspeitos, sendo 779 confirmados e 262 óbitos decorrentes da infecção. Das matas da região Sudeste, que abrigam ampla diversidade de macacos e mosquitos silvestres (potenciais vetores dessa doença), a circulação viral se ampliou e está percorrendo caminhos de dispersão nos sentidos sul e leste do país, fazendo a temida aproximação com regiões infestadas pelo Aedes aegypti, principal transmissor do vírus nas áreas urbanas.

Até o dia 8 de maio deste ano, segundo dados do Ministério da Saúde, 1.261 casos foram confirmados no país e, destes, 409 pessoas morreram. Conter esse avanço exige atenção das autoridades de Saúde e da população como um todo.  Por ora, a expansão da circulação do vírus se dá apenas em matas adentradas pelo homem, não havendo indícios de sua classificação como urbana. Porém, ocorrências em macacos e também humanos notificados nas regiões Centro-Oeste, Norte, Nordeste, Sul e Sudeste, denotam avanço a locais densamente povoados por pessoas não vacinadas. Para fins de notificação, o Ministério da Saúde adota como contaminadas as pessoas com quadro febril agudo (até 7 dias) acompanhado de dores de cabeça e no corpo em geral e de vômitos. Casos mais graves apresentam regressão temporária de sintomas, seguido de recaída súbita acrescida de icterícia (pele e olhos amarelados) e hemorragias gástricas.

Os processos de transmissão costumam ocorrer de dezembro a maio, mas no surto atual foram observadas epizootias (nome técnico para doenças que acometem primatas não humanos) em épocas consideradas de baixa ocorrência, indicando a necessidade de esforços adicionais para controlar e prevenir novos casos. A principal estratégia tem sido a ampliação da oferta de vacinas nos municípios onde a doença ainda deve passar. Viajantes e turistas, sobretudo aqueles que pretendem ir para áreas rurais ou de mata, são alertados sobre a importância da imunização com pelo menos 10 dias de antecedência da viagem.

Segura e eficaz
A vacina, além de segura, é o meio mais eficaz de evitar a infecção. O Sistema Único de Saúde (SUS) oferece a imunização com esquema de apenas uma dose durante toda a vida, medida que atende as recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS). Já o fracionamento aplica uma dose menor do que a prescrita tradicionalmente, de forma que um frasco com cinco doses da vacina padrão pode imunizar até 25 pessoas. De acordo com o Ministério da Saúde, a medida foi adotada em razão do surto da doença no país e tem mostrado exatamente a mesma eficácia que a dose integral.

Sendo uma vacina viva, alguns grupos etários precisam tomar precauções específicas, como idosos com 60 anos ou mais e bebês com menos de seis meses. Além desses casos, pessoas com problemas de saúde e baixa imunidade também devem evitar viagens a locais de maior risco para a doença. Caso a ida seja inevitável ou o idoso resida em área endêmica, recomenda-se o uso de métodos de barreira, como telas de proteção contra mosquitos, repelentes e roupas longas.

A dose padrão da vacina protege uma pessoa por toda a vida, enquanto a fracionada dura por pelo menos oito anos. Estudos estão avaliando os efeitos em longo prazo da dose fracionada e é possível que ela imunize contra o vírus por períodos ainda maiores. Os efeitos colaterais mais comuns são dor, inchaço e vermelhidão no local de aplicação. Manifestações gerais, como febre, moleza e dores de cabeça e muscular também podem surgir, mas duram no máximo um ou dois dias.

Os surtos recentes surpreenderam os estudiosos. Uma das características que muda todo o histórico é a atual força de transmissão do vírus, que justifica a urgência em evitar que ele se prolifere nas cidades. O último surto urbano foi em 1942 e, por enquanto, os esforços para limitar a transmissão na forma silvestre foram bem sucedidos. O problema é que as fronteiras entre cidades e florestas se confundem cada vez mais, aumentando a chance da disseminação urbana se tornar realidade. Descobrir o que provocou a chegada do vírus ao Sudeste e o aumento inesperado de casos é importante, segundo especialistas, para detectar por onde a doença ainda deve passar e antecipar medidas de imunização contra novos surtos.

IstoÉ


domingo, 26 de fevereiro de 2017

O Brasil amarelou! De novo!

Chegou às portas da locomotiva São Paulo, margeia as sinuosas praias nordestinas, tomou os vales campestres de Minas e ameaça se espalhar rapidamente como pandemia por esse Brasil varonil. A febre amarela retornou com tudo. E segue em franco avanço em meio às folias de Momo. De forma avassaladora. Já não pode ser ignorada como uma ameaça menor. É doença inacreditável para os atuais tempos de desenvolvimento. 


Estava relegada a sociedades que abandonaram ou nunca ofereceram qualquer condição mínima de higiene à população, saneamento básico e tratamento elementar nos sistemas de esgoto e limpeza de águas. Mas o Brasil de tantos descasos conseguiu. Voltou a figurar, com destaque, entre as nações que abrigam o mal. Já é o pior surto registrado em décadas, com focos de transmissão dispersos por inúmeras localidades, o que acendeu o alerta vermelho na Organização Mundial de Saúde. Viajantes brasileiros ou que aqui estiveram só poderão desembarcar em outras terras com a comprovação da vacina. A exigência acaba de entrar em vigor em muitas fronteiras. Suprema humilhação. A morte por um mosquito espreita agora em cada esquina, rua, floresta ou área urbana do País.

Explodem as estatísticas – lançadas na conta do famigerado Aedes Aegypti – dos casos de dengue, chicungunha, zika e, na nova temporada, da letal febre amarela. Abominável reviver a situação que acometeu gerações nos primórdios do século passado. Exatamente 100 anos se passaram desde que o médico infectologista, Oswaldo Cruz, redentor de milhares de brasileiros, debelou o mal com o combate sistemático às enfermidades decorrentes da negligência sanitária. Cruz trabalhou pela imunização obrigatória e estabeleceu parâmetros básicos para a erradicação da moléstia. Ao repetir a sina de um século atrás o País regride também a padrões rudimentares de atendimento à sociedade. Faltam vacinas. 

Não existe planejamento de combate sistemático à proliferação da doença. Sobram descaso e hesitação das autoridades competentes. Especialistas dizem que o Brasil está sentado em uma bomba-relógio prestes a explodir. Limita seu raio de ação ao mero monitoramento e registro das contaminações. O desafio aumenta na exata medida da demora para por em prática medidas mais eficazes de controle. Quase 300 confirmações da doença foram anotadas no Ministério da Saúde e o avanço territorial não para no mapa de risco dos focos. A Sociedade Brasileira de Virologia informou que o vírus “com certeza” dominará toda a mata atlântica em pouco tempo. O que falta exatamente para a mudança desse quadro dantesco

A migração da febre amarela de uma região a outra por pessoas infectadas tende a crescer em períodos de viagens e festejos como o atual. Apenas em Ribeirão Preto, no interior paulista, 35 macacos estão sendo analisados por suspeita de morte pela doença. Se nada for feito, decerto a realidade encontrada por Oswaldo Cruz nos idos de 1916 tenderá a se repetir de maneira mais dramática, dado o contingente potencial de atingidos nas diversas regiões. Uma triste perspectiva capaz de macular a memória daquele pioneiro médico que um dia promoveu expedições de vacina para vingar o sonho de salvar toda a população. Na luta contra o aedes pode se dizer, com perdão do trocadilho, que o Brasil amarelou de novo.

Fonte: Editorial - Isto É - Carlos José Marques