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sexta-feira, 25 de novembro de 2016

A corrida de políticos em busca da impunidade

Os acordos de delação da Odebrecht levam políticos a tentar a anistia de crimes eleitorais a qualquer custo, e isso deteriora ainda mais a imagem do Congresso

A entrada em fase conclusiva da delação premiada de dirigentes da Odebrecht — talvez a maior do mundo no universo corporativo, com implicações nos Estados Unidos e Suíça — colocou o Congresso em polvorosa, nas últimas 48 horas, e deverá continuar assim pelo menos até a semana que vem.

O que transcorria nos bastidores em torno de uma arquitetada anistia para quem usou dinheiro de caixa dois em campanhas explodiu à vista de todos nos debates em comissão e depois em plenário, na Câmara. A intenção óbvia é se precaver diante das denúncias que vêm aí de Marcelo Odebrecht e de dezenas de executivos da empreiteira.  A questão do caixa dois dinheiro de propina lavado na Justiça eleitoral ou doação apenas não registrada pelo político e empresa doadora merecia um debate sensato, mas infelizmente não é o que ocorre. 

Não bastasse a manobra orwelliana de usarem um conjunto de propostas anticorrupção, encaminhadas por procuradores, para, por meio de emendas, favorecer corruptos, tentou-se ontem fazer um adendo tão amplo ao projeto aprovado em comissão que perdoaria incontáveis crimes eleitorais. E a imagem do Congresso fica ainda mais arranhada.

À tarde, o próprio juiz Sérgio Moro, da Vara que julga acusados pela Lava-Jato em primeira instância, divulgou nota para alertar que “anistiar condutas de corrupção e de lavagem (de dinheiro)” afetaria não apenas as investigações da operação, “mas a integridade e a credibilidade, interna e externa, do Estado de Direito e da democracia brasileira”.

Num movimento em pinça, a Lava-Jato também é atacada pelo flanco no Senado, por meio do projeto do presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), proposto com o objetivo meritório de punir abusos de autoridade, mas que, na verdade, se trata de um escancarado troco na força-tarefa que atua a partir de Curitiba por ter investigado e denunciado o senador ao Supremo. Renan já enfrenta esta batalha em campo aberto, sem dissimulações, porque ele próprio trabalhou para que o projeto seja apreciado em regime de urgência. Parece partir para o tudo ou nada, como demonstram alguns deputados.


Mais sugestivo ainda é o fato de a presidente do STF, Cármen Lúcia, ter agendado para quinta que vem o julgamento de processo em que o senador pode ser convertido em réu — o caso do uso ilegal de dinheiro de empreiteira para pagar pensão a uma filha tida fora do casamento. Nesta hipótese, Renan deverá ser afastado da presidência da Casa, tão logo o ministro Dias Toffoli libere do pedido de vista processo já decidido a favor da retirada de réus da linha sucessória do presidente da República. 

As duas corridas contra o relógio, na Câmara e no Senado, podem também terminar em consultas ao Supremo. E que assim seja, em nome do princípio constitucional de que todos são iguais perante a Lei.

Fonte: Editorial - O Globo

terça-feira, 7 de abril de 2015

O Brasil nos tempos de cólera



Não há paralelo na história republicana. O governo perdeu a legitimidade e mal completou três meses.
Nunca na história recente do Brasil o interesse por política foi tão grande como agora. Fala-se de política em qualquer lugar e a qualquer hora. O chato é, neste momento, o brasileiro que não está nem aí para os rumos do nosso país. Esta sensação perpassa as classes sociais, as faixas etárias e as diversas regiões do país. É um sentimento nacional de ódio aos corruptos, ao seu partido e a suas lideranças, especialmente aquela que se apresentou durante anos como salvadora da pátria e, hoje, não tem coragem de caminhar, sem segurança, por uma simples rua de alguma cidade. Transformou-se em um espantalho. Só assusta — se assusta — algum passarinho desavisado.

Vivemos um impasse. E não há nenhum paralelo com qualquer momento da história republicana. O governo perdeu a legitimidade e mal completou três meses. E ainda faltam — impensáveis — 45 meses. Se as eleições fossem realizadas hoje, Dilma Rousseff sequer chegaria ao segundo turno. E o que fazer? É necessário encontrar uma saída para a greve crise que vivemos. Não cabe dar ouvidos aos covardes de plantão, aqueles que dizem que temos de tomar cuidado com a governabilidade, que não podemos colocar em risco a estabilidade econômica e que o enfrentamento aberto do projeto criminoso de poder é um perigo para a democracia. Devemos silenciar frente a tudo isso? Não, absolutamente não. Esta é a hora daqueles que têm compromisso com o Brasil. Protestar, ocupar as ruas é a tarefa que se coloca. É seguir a lição de Mário de Andrade. Não sejamos “espiões da vida, camuflados em técnicos da vida, espiando a multidão passar. Marchem com as multidões.” E no dia 12 as ruas estarão tomadas por aqueles que não querem simplesmente espiar a vida, mas desejam mudar a vida.

O projeto criminoso de poder acabou transformando a corrupção em algo natural. E o volume fabuloso de denúncias que horroriza a nação é visto positivamente, pois as denúncias estariam sendo apuradas. É inacreditável: em uma manobra orwelliana, o petrolão é definido como uma ação saneadora do Estado, e não como o maior desvio de recursos de uma empresa pública na história da humanidade. Seus asseclas — supostos intelectuais — buscaram algum tipo de justificativa. Como se no Brasil houvesse uma cultura da corrupção, um fator de longa duração. Erro crasso: imaginam que os brasileiros são à sua imagem e semelhança. Não são. Eles é que são corruptos — e nem precisam sair do armário. Já assumiram e faz tempo.

Cabe ressaltar que o movimento da História é surpreendente e imprevisível. No início de junho de 1992, quando a CPMI sobre as atividades de Paulo César Farias denunciadas por Pedro Collor, irmão do presidente — estava iniciando seus trabalhos, o senador Fernando Henrique Cardoso fez questão de declarar que “impeachment é como bomba atômica, existe para não ser usado.” O deputado peemedebista Nélson Jobim foi enfático: “O Congresso não pode fazer uma CPI para investigar o presidente. Se vocês insistirem nisso, eu vou ao Supremo.” Mais cordato, mas não menos conciliador, o senador Marco Maciel (PFL-PE) declarou que a “CPI não vai produzir sequelas, pois as acusações foram feitas sem provas.” 

Líderes empresariais saíram em defesa do presidente. Emerson Kapaz, candidato a presidente da Fiesp, disse que as denúncias eram “uma grande irresponsabilidade. As pessoas precisam medir seus atos para não causar mais turbulência no Brasil, já tão afetado pela crise econômica.” E até juristas criticaram Pedro. Um deles, Celso Bastos, declarou que o irmão do presidente era de “um egoísmo elevado à última potência” e que ele “nunca pensou nos interesses da nação.” Quatro meses depois, Fernando Collor não era mais presidente do Brasil.

Hoje vivemos uma situação muito distinta em relação a 1992. Entre outros fatores, um é essencial: as ruas. Desta vez, são elas que estão impulsionando o Parlamento, e não o inverso, como naquele ano. O que ocorreu pelo Brasil, no dia 15 de março, é fato único na nossa história. Eu testemunhei dezenas de milhares de pessoas se manifestando em absoluta ordem na Avenida Paulista. Com indignação — e justa indignação — mas também com bom humor. Foi um reencontro com o Brasil. A auto-organização da sociedade civil é o novo, só não reconhece quem está comprometido com o projeto criminoso de poder — e são tantos que venderam suas consciências.

Esta será uma semana de muita tensão. E isto é bom para a democracia. Ruim é o silêncio ou o medo. As ruas voltaram a ser do povo, e não mais monopólio daqueles que têm ódio à democracia. Nós temos tudo para construir um grande país, mas antes temos uma tarefa histórica: nos livrar dos corruptos. E sempre dentro da democracia, da lei e da ordem. São eles e existem sim o nós e eles que sempre desprezaram o Estado Democrático de Direito. Nunca é demais lembrar que o PT votou contra o texto final da Constituição.

Vivemos uma quadra histórica ímpar. Não é exagero que nós teremos muito a contar aos nossos filhos e netos. É aquele momento de decisão, de encruzilhada do destino nacional. Para onde vamos? Continuaremos a aceitar passivamente a destruição dos valores republicanos ou tomaremos uma atitude cívica, de acordo com bons momentos da nossa história?

Eles não passarão. E não passarão porque — paradoxalmente — uniram o Brasil contra eles. Ninguém aguenta mais. É hora de dar um passo adiante, de encurralar aqueles que transformaram o exercício de administração da coisa pública em negociata, em mercadoria. E deixar duas saídas: a renúncia ou o impeachment.

Por: Marco Antonio Villa,  historiador – O Globo