O Globo
Que o ex-secretário de Comunicação de
Bolsonaro Fabio Wajngarten mentiu na CPI da Covid, disso não há dúvida. [pergunta boba: mentiu em qual trecho do depoimento? o que ele disse a revista VEJA não implica necessariamente ser verdadeiro, expressar a verdade - foi uma mera entrevista em que o entrevistado tem, quando muito, um compromisso ético, político.] A
partir daí, é possível detectar como os senadores estão despreparados
para os interrogatórios e prospectar um resultado muito mais político do
que real, se não mudarem de postura. Um resultado político pode ser sem
grande valia, pois a própria característica da decisão poderá dar ao
presidente Bolsonaro uma escapatória, atribuindo às acusações da CPI um
teor eleitoral. [O Brasil já produziu a 'CPI do Fim do Mundo', o 'Inquérito do Fim do Mundo', a 'Comissão Nacional da (IN)verdade = mentira', o que impede de produzir a CPI da Vergonha''?]
Poucos foram como o senador Tasso Jereissati, que
citou uma campanha de volta ao trabalho — “O Brasil não pode parar”—,
claramente negacionista, feita pela Secom, em contraposição ao
depoimento do ex-secretário, que se apresentou como um seguidor da
ciência e favorável às medidas de prevenção, como o distanciamento
social.
Frequentemente as perguntas dos senadores eram confusas,
inclusive as do relator Renan Calheiros, que, por precipitação, perdeu
um grande momento quando pediu ao depoente que enviasse à CPI os e-mails
que ele dissera à revista “Veja” ter “guardado”. A primeira reação de
Wajngarten foi concordar, com um gesto de cabeça, para logo em seguida
se aproveitar da confusão reinante para dizer que os tinha guardado no
computador da Secom.
Mandar prender um depoente, mesmo que ele
seja um mentiroso [sic] evidente como Fabio Wajngarten, não resolveria a
situação da CPI, mas criaria um fato político que poderia reverter até
mesmo em favor do governo Bolsonaro. Mesmo que a lei permita que se dê
voz de prisão durante o depoimento, as mentiras de Wajngarten foram
tantas e tão evidentes que dispensam essa medida extrema.
Chega a
ser patética a falha do ex-secretário de Comunicação ao garantir que
nunca discutiu nenhuma campanha com o presidente Bolsonaro. Deu-se um
poder que nenhum secretário de Comunicação tem, nem mesmo no menor
município do país. Uma secretaria de Comunicação existe para explicar
aos cidadãos a política do presidente da República, que guia as ações de
um governo. Nem Goebbels, na loucura do nazismo, teve tanto poder
quanto Wajngarten atribuiu-se ridiculamente. Foram demitidos
sumariamente os que tentaram sair da linha de orientação de Bolsonaro,
um governante que sabidamente não admite contestações. Mesmo em governos
democráticos, e não é o caso deste de Bolsonaro, ministros discordam
entre si, mas a última palavra é do presidente.
Tomada uma
decisão, o ministro que publicamente a criticar estará fora. [e merecidamente; entendemos que se um ministro divergir do presidente da República, ele tem o DIREITO, o DEVER e até o PODER,de expor suas divergências ao presidente - em conversa franca, reservada e leal.
Havendo acordo, segue o acordado. Permanecendo a discordância o ministro tem o DEVER DE LEALDADE, Honra e Lealdade estão sempre lado a lado, de pedir demissão.
Só após a demissão anunciada e concretizada é que o ministro,melhor, o ex-ministro tem o DEVER e o DIREITO de convocar a imprensa e expor o acontecido.
Não pode é fazer como um ex-ministro, atualmente treinando para um campeonato de sinuca, que aproveitava reuniões de trabalho, públicas, com atenção especial da imprensa e sabotar o presidente.]
Disputas
entre ministros e ministérios são comuns, e muitos saem ao perder a
capacidade política de defender internamente suas ideias. Foi o caso de
Wajngarten, que tinha muito poder até a chegada ao governo do ministro
da Comunicação, Fábio Faria, que o dispensou depois de muitos atritos
entre os dois. Mesmo a carta da farmacêutica Pfizer que ele
entregou à CPI, considerada por seu presidente, senador Omar Aziz, o
grande achado do dia, já era de conhecimento de todos, e provavelmente o
diretor da Pfizer no Brasil, Carlos Murillo, que deporá hoje, daria
conhecimento dela à CPI.
No início do interrogatório, ninguém
tinha a íntegra da revista “Veja” para confrontá-la com o depoimento de
Wajngarten. Parece que os senadores estavam certos de que o depoimento
seria uma confirmação da entrevista à revista e não se prepararam para
uma reviravolta. Em beneficio dos senadores, é raro que uma
pessoa dê uma entrevista tão explícita quanto a que Wajngarten deu à
“Veja” e depois tente tirar dela o teor explosivo que contém. Quando, já
ao final da sessão, o senador do Cidadania Alessandro Vieira leu
integralmente as respostas do depoente, é que ele foi obrigado a admitir
algumas críticas.
O final da sessão deu-se em clima de baixaria,
com o bate-boca em que ambos, os senadores Flávio Bolsonaro e o relator
Renan Calheiros, se xingaram de “vagabundo”, sem que houvesse condições
de definir quem tinha razão. Ou se os dois estavam certos. [com certeza o senador Flávio Bolsonaro não é o 'vagabundo' - quando o relator o chamou de vagabundo, invocou para sustentar a acusação uma suspeita que paira sobre o senador que, vindo a ser provada, constitui crime e não contravenção.
Ambos são senadores e apesar da elevada carga de trabalho que é atribuída aos senadores, sempre eles conseguem executar, ainda que parcialmente, o que os isenta da infração a LCP.]
Merval Pereira, jornalista - O Globo