Alex Ribeiro
Mercado pressiona por aperto monetário forte e acelerado
O
mercado financeiro está pressionando o Banco Central para subir os juros com
mais vigor em reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) que começa
amanhã. Os juros futuros fecharam com forte alta na sexta-feira, precificando
quase 30% de chance de uma alta de 0,75 ponto percentual na Selic. Os ativos
gritam para que o BC elimine rapidamente os estímulos monetários, levando a
taxa para 6% ao ano.
A
tese defendida por muitos no mercado é que uma alta forte e rápida da taxa
Selic vai ter efeitos positivos na atividade econômica. Ou seja, com movimentos
corajosos, o Banco Central vai convencer o mercado de que vai ser implacável
com a inflação, fazendo com que a curva de juros fique menos inclinada, o dólar
recue e as condições financeiras gerais da economia fiquem mais favoráveis - o
que é bom para a economia. “É um argumento completamente maluco”, diz um
experiente economista que deu aulas para muitos dos que operam hoje no mercado.
“Quanto mais ‘hawk’ você age, mais ‘dove’ você fica. Isso não faz sentido”,
afirma, usando o jargão dos economistas para banqueiros centrais inclinados ao
aperto monetário (“hawk”, falcão em inglês) e inclinados a distensão (“dove”,
ou pombo).
“O
aperto monetário não é expansionista no curto prazo”, diz outro especialista,
também ex-professor. “O Banco Central que é expansionista vai colher
repercussões expansionista para a atividade, o que for contracionista vai ter
repercussões contracionista.” Eventuais ganhos do bom manejo da política
monetária só aparecem no médio e longo prazos. Um banqueiro central hábil, que
sobe os juros no tempo certo e na medida certa, sem ser leniente nem exagerar
na dose, colhe ganhos de credibilidade e consegue ancorar mais facilmente as
expectativas. Isso, no longo prazo, reduz a taxa de sacrifício em termos de
crescimento para cumprir as metas de inflação.
E
qual é o ritmo correto de ajustar a política monetária? Os operadores do mercado,
em geral, defendem rapidez. Eles tendem a olhar as repercussões de curto prazo
das ações do BC nas telas dos terminais, em ativos como juros e câmbio. O
perigo de agir de forma açodada é errar. Quando se está no mercado, isso pode
ser corrigido fechando posições. Se os banqueiros centrais agirem assim, a
economia real vai sofrer solavancos à toa.
Nós
ultimos anos, houve pelo menos dois momentos em que os mercados pediram mais
ação do BC e estavam errados. Em setembro de 2015, queriam que então presidente
do BC, Alexandre Tombini, subisse os juros dos 14,25% ao ano então vigentes
para perto de 20% ao ano. A economia já estava em recessão. Tombini disse numa
entrevista que não iria sancionar os preços de mercado, e a curva de juros
futuros caiu rapidamente.
Em
2018, foi a vez de Ilan Goldfajn ser pressionado a subir os juros fortemente,
depois que a taxa de juros disparou, acompanhando o dólar. A economia, na
época, crescia muito pouco, lembra um ex-integrante do colegiado. O BC de Ilan
indicou que só reagiria se a alta do dólar ameaçasse as expectativas de
inflação, o que nunca ocorreu.
Se
Tombini e Ilan tivessem sucumbido às pressões do mercado, a economia teria
sofrido ainda mais, e depois seria necessário mexer nos juros para desfazer o
malfeito. “Existe um livrinho básico do economista Alan Blinder sobre bancos
centrais que todos leem”, diz um especialista. “Nele, está escrito que o banco
central deve ser independente não só do governo, mas também dos mercados
financeiros.”
O
ritmo certo de alta de juros depende da situação. Quando a economia sofre um
grande choque, como foi a pandemia, faz-se um ajuste mais rápido para
contrapô-lo. Foi o que aconteceu no ano passado. Nessas condições extremas,
alguns membros do Copom defenderam fazer um ajuste de 1,5 ponto percentual de
uma vez, mas ainda assim venceu a posição cautelosa de dois movimentos de baixa
de 0,75 ponto. A boa prática diz que, uma vez feito o ajuste, segue vida
normal. O princípio básico é fazer movimentos de juros aos poucos, porque a economia
real é sempre cheia de incertezas.
Campos
Neto fez carreira no mercado financeiro, mas, no último recado público que deu
antes do período de silêncio do Copom, o estilo é de banqueiro central. “É
importante manter a calma, a tranquilidade”, afirmou. “Temos uma meta de
inflação de longo prazo e estamos olhando todas as variáveis, não só locais,
como as internacionais.”
O
costume do BC de Campos Neto tem sido seguir a retórica da reunião anterior do
Copom. Em janeiro, havia consenso de que seria adequado retirar os estímulos
monetários injetados durante a pandemia. A discussão foi sobre quando. Pelo
menos três membros do comitê defenderam o início de “um processo de
normalização parcial” em março. Ou seja, queriam subir de forma organizada (“um
processo”) para os níveis de antes da pandemia (4,25%). Nada indicava um ritmo
mais forte de subida de juros nem uma normalização completa. Já a maioria do
comitê, antes de decidir, gostaria de ver mais dados sobre “a evolução da
pandemia, da atividade econômica e da política fiscal”.
De
lá para cá esses indicadores não evoluíram da melhor maneira possível,
sobretudo a política fiscal. A visão otimista é que não houve ruptura, por isso
o BC não precisa reagir com desespero. A visão pessimista é que o balanço de
riscos ficou mais assimétrico, pendendo mais para o lado negativo.
A inflação
esperada subiu, e a alta de juros deve ser maior ou mais antecipada do que se
previa em janeiro. Daí os economistas de mercado, que diferentemente dos
operadores costumam pensar de forma parecida com o Banco Central, acreditarem
em altas de 0,5 ponto percentual na Selic.
Mas
uma incerteza importante é a evolução da pandemia. Há duas semanas apenas
Campos Neto previa um “lockdown” ameno. “Se a gente tiver um maior lockdown que
o esperado, não é o nosso cenário central, pode gerar um primeiro semestre um
pouquinho pior”, disse. Alguns economistas acham que vale esperar para ver se o
lockdown vai desacelerar a inflação. Outros acreditam que teremos uma
estagflação.
Bruno Carazza
Autonomia exige cautela de presidente do BC
No
seu discurso de fênix na quarta (10/03), Lula disse não saber por que o mercado
deveria ter medo de sua volta ao poder, diante de tudo o que ele e o PT fizeram
pelo empresariado. Em resposta à repórter Cristiane Agostine, do Valor, porém,
deixou explícita uma exceção: “Eu era e sou contra a autonomia do Banco
Central. É melhor o Banco Central estar na mão do governo do que estar na mão
do mercado. [...] A quem interessa essa autonomia? Não é ao trabalhador urbano,
não é ao sindicalista, é ao sistema financeiro”.[lembrem a esse ex-presidiário que sindicalista, sindicatos e coisas assemelhadas entraram em processo de extinção desde que o ex-presidente Michel Temer acabou com a mamata do imposto sindical.]
Embora
real, o risco de captura de órgãos reguladores por representantes de empresas é
difícil de ser comprovado. Seguir os caminhos do dinheiro, mapeando doações de
campanhas, ajuda bastante. Monitorar agendas públicas e verificar com quem eles
se sentam à mesa também. Outra estratégia que costuma funcionar é observar o
movimento das portas giratórias da administração pública, quando agentes do
mercado são nomeados para cargos nas agências reguladoras e, depois de um
tempo, retornam aos antigos empregadores.
O
pesquisador David Finer, da Chicago Booth School of Business, deu um passo
além. Utilizando a Lei de Acesso à Informação de Nova York, teve acesso a dados
anônimos de mais de um bilhão de viagens de táxi ocorridas na maior cidade dos
Estados Unidos entre 2009 e 2014, incluindo as coordenadas de GPS, data e
horário do início e do fim de cada deslocamento.
Interessado
em mapear o relacionamento entre funcionários do Banco Central americano e
executivos das grandes instituições financeiras, Finer analisou cuidadosamente
os padrões dos trajetos dos famosos táxis amarelos entre o prédio do FED, na 33
Liberty Street, e as sedes de gigantes como Bank of America, Citigroup, Goldman
Sachs e Morgan Stanley. Lembrando que os encontros também podem se dar fora dos
escritórios, o pesquisador incluiu no seu rastreamento as viagens que partiam
de ambos os endereços para um terceiro destino (que poderia ser um restaurante
ou um bar, por exemplo) num curto espaço de tempo.
Buscando
minimizar o risco de vazamento de informações que podem abalar o mercado (e
enriquecer muita gente), o FED impõe restrições a seus diretores e
funcionários, como um período de silêncio em que são proibidas reuniões com o
público externo e declarações à imprensa nos dias que antecedem os encontros do
Comitê de Política Monetária (o FOMC, na sigla em inglês).
Após
garimpar uma montanha de dados, Finer obteve evidências de que as movimentações
entre as sedes do FED e dos bancos, ou de ambos para centros de lazer e
alimentação, se intensificam na proximidade das datas em que as taxas de juros
básicas são estabelecidas, particularmente no horário de almoço. Há também um
aumento atípico nas corridas entre os mesmos destinos nas primeiras horas da
madrugada após o encerramento do período de silêncio - o que sugere uma busca
de integrantes do mercado por explicações sobre as decisões tomadas pela
autoridade monetária.
Com
uma metodologia inovadora, a pesquisa de David Finer aponta para a necessidade
de se aprofundar os instrumentos para que a independência dos Bancos Centrais
seja para valer e valha para ambos os lados - perante o governo e o mercado. No
Brasil, depois de pelo menos duas décadas de discussão legislativa, somente no
final do mês passado a autonomia operacional do Bacen virou lei. Embora nosso
Banco Central já tenha incorporado muitas das melhores práticas internacionais,
como o próprio período de silêncio antes das decisões do Copom, ainda temos um
longo caminho a percorrer para torná-la efetiva.
Não
é preciso GPS para observar que são cada vez mais frequentes os deslocamentos
feitos pelo presidente Roberto Campos Neto entre o Setor Bancário Sul, onde se
localiza a sede do Banco Central, e a Praça dos Três Poderes, para atender a
chamados de Jair Bolsonaro, Arthur Lira e Rodrigo Pacheco. É
bem verdade que o BC brasileiro possui atribuições que extrapolam aquelas
típicas de uma autoridade monetária - como a regulação e a fiscalização do
sistema financeiro - e a nova Lei Complementar nº 179/2021 ainda exige que a
instituição zele para suavizar as flutuações da atividade econômica e fomente o
pleno emprego, ao lado de manter a inflação sob controle. Tudo isso acaba
exigindo que o presidente do Bacen compareça ao Palácio do Planalto ou ao
Congresso Nacional para prestar contas de suas decisões.
O
grande problema é que Roberto Campos Neto, pela sua capacidade técnica e
habilidades interpessoais, tem entrado de cabeça na negociação política da
agenda econômica do governo - e com isso tem avançado perigosamente a linha de
independência exigida de um central banker.
Na
semana passada, quando o governo se dividia entre as votações da PEC
Emergencial e as tratativas com a farmacêutica Pfizer para a compra de um novo
lote de vacinas, Roberto Campos Neto esteve duas vezes com Jair Bolsonaro no
Palácio do Planalto. Além disso, visitou o presidente da Câmara em sua
residência oficial para convencer diversos deputados da necessidade de aprovação
de dispositivos de ajuste fiscal como contrapartida à nova rodada do auxílio
emergencial.
Não
há dúvidas que o presidente do BC tem um excelente trânsito com os
parlamentares e tem se mostrado um ativo valioso do governo para construir
pontes e aparar as arestas, muitas vezes afiadas, criadas por Paulo Guedes nas
suas relações com o Congresso. Mas não pode se prestar a esse papel, sob pena
de perder sua credibilidade.
Caso
queira continuar contando com a capacidade técnica e o fino trato do neto de
Bob Fields nas negociações de sua agenda econômica, Bolsonaro tem uma saída. O
art. 8º da lei da autonomia lhe deu 90 dias para referendar a atual diretoria
do Bacen e empossá-los nos novos mandatos. Com
os rumores cada vez mais constantes de que Paulo Guedes balança no cargo, de
repente a solução para uma transição suave, que não assuste o mercado e ainda
agrade ao Centrão, está mais próxima do que se imagina. Nem precisa chamar um
táxi.
Brasil - Valor Econômico