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quinta-feira, 13 de maio de 2021

CPI da COVID - Mentiras perigosas - Merval Pereira

O Globo

Que o ex-secretário de Comunicação de Bolsonaro Fabio Wajngarten mentiu na CPI da Covid, disso não há dúvida. [pergunta boba: mentiu em qual trecho do depoimento? o que ele disse a revista VEJA não implica necessariamente ser verdadeiro, expressar a verdade  - foi uma mera entrevista em que o entrevistado tem, quando muito, um compromisso ético, político.] A partir daí, é possível detectar como os senadores estão despreparados para os interrogatórios e prospectar um resultado muito mais político do que real, se não mudarem de postura. Um resultado político pode ser sem grande valia, pois a própria característica da decisão poderá dar ao presidente Bolsonaro uma escapatória, atribuindo às acusações da CPI um teor eleitoral. [O Brasil já produziu a 'CPI do Fim do Mundo', o 'Inquérito do Fim do Mundo', a 'Comissão Nacional da (IN)verdade = mentira', o que  impede de produzir a CPI da Vergonha''?]

Poucos foram como o senador Tasso Jereissati, que citou uma campanha de volta ao trabalho — “O Brasil não pode parar”—, claramente negacionista, feita pela Secom, em contraposição ao depoimento do ex-secretário, que se apresentou como um seguidor da ciência e favorável às medidas de prevenção, como o distanciamento social.

Frequentemente as perguntas dos senadores eram confusas, inclusive as do relator Renan Calheiros, que, por precipitação, perdeu um grande momento quando pediu ao depoente que enviasse à CPI os e-mails que ele dissera à revista “Veja” ter “guardado”. A primeira reação de Wajngarten foi concordar, com um gesto de cabeça, para logo em seguida se aproveitar da confusão reinante para dizer que os tinha guardado no computador da Secom.

Mandar prender um depoente, mesmo que ele seja um mentiroso [sic] evidente como Fabio Wajngarten, não resolveria a situação da CPI, mas criaria um fato político que poderia reverter até mesmo em favor do governo Bolsonaro. Mesmo que a lei permita que se dê voz de prisão durante o depoimento, as mentiras de Wajngarten foram tantas e tão evidentes que dispensam essa medida extrema.

Chega a ser patética a falha do ex-secretário de Comunicação ao garantir que nunca discutiu nenhuma campanha com o presidente Bolsonaro. Deu-se um poder que nenhum secretário de Comunicação tem, nem mesmo no menor município do país. Uma secretaria de Comunicação existe para explicar aos cidadãos a política do presidente da República, que guia as ações de um governo. Nem Goebbels, na loucura do nazismo, teve tanto poder quanto Wajngarten atribuiu-se ridiculamente. Foram demitidos sumariamente os que tentaram sair da linha de orientação de Bolsonaro, um governante que sabidamente não admite contestações. Mesmo em governos democráticos, e não é o caso deste de Bolsonaro, ministros discordam entre si, mas a última palavra é do presidente.

Tomada uma decisão, o ministro que publicamente a criticar estará fora. [e merecidamente; entendemos que se um ministro divergir do presidente da República, ele tem o DIREITO, o DEVER e até o PODER,de expor suas divergências ao presidente - em conversa franca, reservada e leal.

Havendo acordo, segue o acordado. Permanecendo a discordância o ministro tem o DEVER DE LEALDADE, Honra e Lealdade estão sempre lado a lado, de pedir demissão. 

Só após a demissão anunciada e concretizada é que o ministro,melhor, o ex-ministro tem o DEVER e o DIREITO de convocar a imprensa e expor o acontecido.

Não pode é fazer como um ex-ministro, atualmente treinando para um campeonato de sinuca, que aproveitava reuniões de trabalho, públicas, com atenção especial da imprensa e sabotar o presidente.] 

Disputas entre ministros e ministérios são comuns, e muitos saem ao perder a capacidade política de defender internamente suas ideias. Foi o caso de Wajngarten, que tinha muito poder até a chegada ao governo do ministro da Comunicação, Fábio Faria, que o dispensou depois de muitos atritos entre os dois.  Mesmo a carta da farmacêutica Pfizer que ele entregou à CPI, considerada por seu presidente, senador Omar Aziz, o grande achado do dia, já era de conhecimento de todos, e provavelmente o diretor da Pfizer no Brasil, Carlos Murillo, que deporá hoje, daria conhecimento dela à CPI.

No início do interrogatório, ninguém tinha a íntegra da revista “Veja” para confrontá-la com o depoimento de Wajngarten. Parece que os senadores estavam certos de que o depoimento seria uma confirmação da entrevista à revista e não se prepararam para uma reviravolta. Em beneficio dos senadores, é raro que uma pessoa dê uma entrevista tão explícita quanto a que Wajngarten deu à “Veja” e depois tente tirar dela o teor explosivo que contém. Quando, já ao final da sessão, o senador do Cidadania Alessandro Vieira leu integralmente as respostas do depoente, é que ele foi obrigado a admitir algumas críticas.

O final da sessão deu-se em clima de baixaria, com o bate-boca em que ambos, os senadores Flávio Bolsonaro e o relator Renan Calheiros, se xingaram de “vagabundo”, sem que houvesse condições de definir quem tinha razão. Ou se os dois estavam certos. [com certeza o senador Flávio Bolsonaro não é o 'vagabundo' - quando o relator o chamou de vagabundo, invocou para sustentar a acusação uma suspeita que paira sobre o senador que, vindo a ser provada, constitui crime e não contravenção.
Ambos são senadores e apesar da elevada carga de trabalho que é atribuída aos senadores, sempre eles conseguem executar, ainda que  parcialmente, o que os isenta da infração a LCP.
]

Merval Pereira, jornalista - O Globo


segunda-feira, 15 de março de 2021

Mercado pressiona por aperto monetário forte e acelerado E Mais próximo do que se imagina - Valor Econômico

Alex Ribeiro

Mercado pressiona por aperto monetário forte e acelerado

 O mercado financeiro está pressionando o Banco Central para subir os juros com mais vigor em reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) que começa amanhã. Os juros futuros fecharam com forte alta na sexta-feira, precificando quase 30% de chance de uma alta de 0,75 ponto percentual na Selic. Os ativos gritam para que o BC elimine rapidamente os estímulos monetários, levando a taxa para 6% ao ano.

A tese defendida por muitos no mercado é que uma alta forte e rápida da taxa Selic vai ter efeitos positivos na atividade econômica. Ou seja, com movimentos corajosos, o Banco Central vai convencer o mercado de que vai ser implacável com a inflação, fazendo com que a curva de juros fique menos inclinada, o dólar recue e as condições financeiras gerais da economia fiquem mais favoráveis - o que é bom para a economia.  “É um argumento completamente maluco”, diz um experiente economista que deu aulas para muitos dos que operam hoje no mercado. “Quanto mais ‘hawk’ você age, mais ‘dove’ você fica. Isso não faz sentido”, afirma, usando o jargão dos economistas para banqueiros centrais inclinados ao aperto monetário (“hawk”, falcão em inglês) e inclinados a distensão (“dove”, ou pombo).

“O aperto monetário não é expansionista no curto prazo”, diz outro especialista, também ex-professor. “O Banco Central que é expansionista vai colher repercussões expansionista para a atividade, o que for contracionista vai ter repercussões contracionista.” Eventuais ganhos do bom manejo da política monetária só aparecem no médio e longo prazos. Um banqueiro central hábil, que sobe os juros no tempo certo e na medida certa, sem ser leniente nem exagerar na dose, colhe ganhos de credibilidade e consegue ancorar mais facilmente as expectativas. Isso, no longo prazo, reduz a taxa de sacrifício em termos de crescimento para cumprir as metas de inflação.

E qual é o ritmo correto de ajustar a política monetária? Os operadores do mercado, em geral, defendem rapidez. Eles tendem a olhar as repercussões de curto prazo das ações do BC nas telas dos terminais, em ativos como juros e câmbio. O perigo de agir de forma açodada é errar. Quando se está no mercado, isso pode ser corrigido fechando posições. Se os banqueiros centrais agirem assim, a economia real vai sofrer solavancos à toa.

Nós ultimos anos, houve pelo menos dois momentos em que os mercados pediram mais ação do BC e estavam errados. Em setembro de 2015, queriam que então presidente do BC, Alexandre Tombini, subisse os juros dos 14,25% ao ano então vigentes para perto de 20% ao ano. A economia já estava em recessão. Tombini disse numa entrevista que não iria sancionar os preços de mercado, e a curva de juros futuros caiu rapidamente.

Em 2018, foi a vez de Ilan Goldfajn ser pressionado a subir os juros fortemente, depois que a taxa de juros disparou, acompanhando o dólar. A economia, na época, crescia muito pouco, lembra um ex-integrante do colegiado. O BC de Ilan indicou que só reagiria se a alta do dólar ameaçasse as expectativas de inflação, o que nunca ocorreu.

Se Tombini e Ilan tivessem sucumbido às pressões do mercado, a economia teria sofrido ainda mais, e depois seria necessário mexer nos juros para desfazer o malfeito. “Existe um livrinho básico do economista Alan Blinder sobre bancos centrais que todos leem”, diz um especialista. “Nele, está escrito que o banco central deve ser independente não só do governo, mas também dos mercados financeiros.”

O ritmo certo de alta de juros depende da situação. Quando a economia sofre um grande choque, como foi a pandemia, faz-se um ajuste mais rápido para contrapô-lo. Foi o que aconteceu no ano passado. Nessas condições extremas, alguns membros do Copom defenderam fazer um ajuste de 1,5 ponto percentual de uma vez, mas ainda assim venceu a posição cautelosa de dois movimentos de baixa de 0,75 ponto. A boa prática diz que, uma vez feito o ajuste, segue vida normal. O princípio básico é fazer movimentos de juros aos poucos, porque a economia real é sempre cheia de incertezas.

Campos Neto fez carreira no mercado financeiro, mas, no último recado público que deu antes do período de silêncio do Copom, o estilo é de banqueiro central. “É importante manter a calma, a tranquilidade”, afirmou. “Temos uma meta de inflação de longo prazo e estamos olhando todas as variáveis, não só locais, como as internacionais.”

O costume do BC de Campos Neto tem sido seguir a retórica da reunião anterior do Copom. Em janeiro, havia consenso de que seria adequado retirar os estímulos monetários injetados durante a pandemia. A discussão foi sobre quando. Pelo menos três membros do comitê defenderam o início de “um processo de normalização parcial” em março. Ou seja, queriam subir de forma organizada (“um processo”) para os níveis de antes da pandemia (4,25%). Nada indicava um ritmo mais forte de subida de juros nem uma normalização completa. Já a maioria do comitê, antes de decidir, gostaria de ver mais dados sobre “a evolução da pandemia, da atividade econômica e da política fiscal”.

De lá para cá esses indicadores não evoluíram da melhor maneira possível, sobretudo a política fiscal. A visão otimista é que não houve ruptura, por isso o BC não precisa reagir com desespero. A visão pessimista é que o balanço de riscos ficou mais assimétrico, pendendo mais para o lado negativo
A inflação esperada subiu, e a alta de juros deve ser maior ou mais antecipada do que se previa em janeiro. Daí os economistas de mercado, que diferentemente dos operadores costumam pensar de forma parecida com o Banco Central, acreditarem em altas de 0,5 ponto percentual na Selic.

Mas uma incerteza importante é a evolução da pandemia. Há duas semanas apenas Campos Neto previa um “lockdown” ameno. “Se a gente tiver um maior lockdown que o esperado, não é o nosso cenário central, pode gerar um primeiro semestre um pouquinho pior”, disse. Alguns economistas acham que vale esperar para ver se o lockdown vai desacelerar a inflação. Outros acreditam que teremos uma estagflação.

Bruno Carazza

Autonomia exige cautela de presidente do BC

No seu discurso de fênix na quarta (10/03), Lula disse não saber por que o mercado deveria ter medo de sua volta ao poder, diante de tudo o que ele e o PT fizeram pelo empresariado. Em resposta à repórter Cristiane Agostine, do Valor, porém, deixou explícita uma exceção: “Eu era e sou contra a autonomia do Banco Central. É melhor o Banco Central estar na mão do governo do que estar na mão do mercado. [...] A quem interessa essa autonomia? Não é ao trabalhador urbano, não é ao sindicalista, é ao sistema financeiro”.[lembrem a esse ex-presidiário que sindicalista, sindicatos e coisas assemelhadas entraram em processo de extinção desde que o ex-presidente Michel Temer acabou com a mamata do imposto sindical.]

Embora real, o risco de captura de órgãos reguladores por representantes de empresas é difícil de ser comprovado. Seguir os caminhos do dinheiro, mapeando doações de campanhas, ajuda bastante. Monitorar agendas públicas e verificar com quem eles se sentam à mesa também. Outra estratégia que costuma funcionar é observar o movimento das portas giratórias da administração pública, quando agentes do mercado são nomeados para cargos nas agências reguladoras e, depois de um tempo, retornam aos antigos empregadores.

O pesquisador David Finer, da Chicago Booth School of Business, deu um passo além. Utilizando a Lei de Acesso à Informação de Nova York, teve acesso a dados anônimos de mais de um bilhão de viagens de táxi ocorridas na maior cidade dos Estados Unidos entre 2009 e 2014, incluindo as coordenadas de GPS, data e horário do início e do fim de cada deslocamento.

Interessado em mapear o relacionamento entre funcionários do Banco Central americano e executivos das grandes instituições financeiras, Finer analisou cuidadosamente os padrões dos trajetos dos famosos táxis amarelos entre o prédio do FED, na 33 Liberty Street, e as sedes de gigantes como Bank of America, Citigroup, Goldman Sachs e Morgan Stanley. Lembrando que os encontros também podem se dar fora dos escritórios, o pesquisador incluiu no seu rastreamento as viagens que partiam de ambos os endereços para um terceiro destino (que poderia ser um restaurante ou um bar, por exemplo) num curto espaço de tempo.

Buscando minimizar o risco de vazamento de informações que podem abalar o mercado (e enriquecer muita gente), o FED impõe restrições a seus diretores e funcionários, como um período de silêncio em que são proibidas reuniões com o público externo e declarações à imprensa nos dias que antecedem os encontros do Comitê de Política Monetária (o FOMC, na sigla em inglês).

Após garimpar uma montanha de dados, Finer obteve evidências de que as movimentações entre as sedes do FED e dos bancos, ou de ambos para centros de lazer e alimentação, se intensificam na proximidade das datas em que as taxas de juros básicas são estabelecidas, particularmente no horário de almoço. Há também um aumento atípico nas corridas entre os mesmos destinos nas primeiras horas da madrugada após o encerramento do período de silêncio - o que sugere uma busca de integrantes do mercado por explicações sobre as decisões tomadas pela autoridade monetária.

Com uma metodologia inovadora, a pesquisa de David Finer aponta para a necessidade de se aprofundar os instrumentos para que a independência dos Bancos Centrais seja para valer e valha para ambos os lados - perante o governo e o mercado. No Brasil, depois de pelo menos duas décadas de discussão legislativa, somente no final do mês passado a autonomia operacional do Bacen virou lei. Embora nosso Banco Central já tenha incorporado muitas das melhores práticas internacionais, como o próprio período de silêncio antes das decisões do Copom, ainda temos um longo caminho a percorrer para torná-la efetiva.

Não é preciso GPS para observar que são cada vez mais frequentes os deslocamentos feitos pelo presidente Roberto Campos Neto entre o Setor Bancário Sul, onde se localiza a sede do Banco Central, e a Praça dos Três Poderes, para atender a chamados de Jair Bolsonaro, Arthur Lira e Rodrigo Pacheco.  É bem verdade que o BC brasileiro possui atribuições que extrapolam aquelas típicas de uma autoridade monetária - como a regulação e a fiscalização do sistema financeiro - e a nova Lei Complementar nº 179/2021 ainda exige que a instituição zele para suavizar as flutuações da atividade econômica e fomente o pleno emprego, ao lado de manter a inflação sob controle. Tudo isso acaba exigindo que o presidente do Bacen compareça ao Palácio do Planalto ou ao Congresso Nacional para prestar contas de suas decisões.

O grande problema é que Roberto Campos Neto, pela sua capacidade técnica e habilidades interpessoais, tem entrado de cabeça na negociação política da agenda econômica do governo - e com isso tem avançado perigosamente a linha de independência exigida de um central banker.

Na semana passada, quando o governo se dividia entre as votações da PEC Emergencial e as tratativas com a farmacêutica Pfizer para a compra de um novo lote de vacinas, Roberto Campos Neto esteve duas vezes com Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto. Além disso, visitou o presidente da Câmara em sua residência oficial para convencer diversos deputados da necessidade de aprovação de dispositivos de ajuste fiscal como contrapartida à nova rodada do auxílio emergencial.

Não há dúvidas que o presidente do BC tem um excelente trânsito com os parlamentares e tem se mostrado um ativo valioso do governo para construir pontes e aparar as arestas, muitas vezes afiadas, criadas por Paulo Guedes nas suas relações com o Congresso. Mas não pode se prestar a esse papel, sob pena de perder sua credibilidade.

Caso queira continuar contando com a capacidade técnica e o fino trato do neto de Bob Fields nas negociações de sua agenda econômica, Bolsonaro tem uma saída. O art. 8º da lei da autonomia lhe deu 90 dias para referendar a atual diretoria do Bacen e empossá-los nos novos mandatos. Com os rumores cada vez mais constantes de que Paulo Guedes balança no cargo, de repente a solução para uma transição suave, que não assuste o mercado e ainda agrade ao Centrão, está mais próxima do que se imagina. Nem precisa chamar um táxi.

Brasil - Valor Econômico