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sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

Os enjeitados

Para que servem Direitos Humanos, Meio Ambiente, mulheres e Funai?

Não foi por acaso que a Funai virou batata quente e os ministérios de Meio Ambiente e de Direitos Humanos ficaram no fim da fila da composição do futuro governo. Simplesmente, esses são temas desconhecidos pelo presidente eleito, Jair Bolsonaro, e por todo seu grupo de poder. Eles rejeitam tudo o que foi feito nas três áreas, mas não sabem exatamente o que por no lugar.

Em suas declarações, Bolsonaro reclama que índio não pode ser tratado como “animal de zoológico”, tem de ser assimilado, ter direitos [e deveres] iguais aos de todos os cidadãos e poder explorar e plantar ou arrendar as suas terras. E reclamou que a Funai atrasa e dificulta os alvarás para empreendimentos e obras no País.

Se o chefe pensa assim, nenhum chefiado queria assumir a Funai, as reservas, os índios, os alvarás. Sérgio Moro (Justiça) já está “muito sobrecarregado”, segundo o próprio Bolsonaro. Tereza Cristina (Agricultura) ponderou que não seria adequado cuidar de dois polos tão conflitantes (agricultura e índios vivem de terras, ou melhor, disputam terras). [convenhamos que uma reserva indígena que propicia 50.000 hectares para 12 índios é algo absurdo.] A sensação era de que o abacaxi acabaria no Planalto. Caiu em Direitos Humanos.

Quanto ao Meio Ambiente, ficou realmente difícil arranjar alguém para desmontar tudo o que foi feito nessa área. Que ambientalista assumiria jogar para o alto a candidatura do Brasil para sediar a COP 25? [o Brasil petista pagou para sediar a Copa Fifa 2014, as Olimpíadas 2016, e o único resultado foi o aumento da roubalheira pela corja petista.] Ou discutiria a retirada do Acordo de Paris, para o qual o País se empenhou tanto? Logo, o futuro ministro teria de ser do agronegócio, evangélico, da bancada da bala ou delegado.

[Priorizar 'direitos humanos' no Brasil quase sempre é interpretado pelos executores da política de priorização, como priorizar os direitos dos MANOS -  a forma de evitar excessos a favor dos MANOS é deixar tais direitos aos cuidados de no máximo uma Secretaria integrada ao organograma do Ministério da Cidadania;

Meio Ambiente é importante, mas, pode ser preservado por uma Secretaria ligado ao Ministério da Agricultura; 

Mulheres - merecem toda a nossa consideração (fiquem certas que não as consideramos úteis apenas para a função prevista  no estilo Ciro Gomes) e entendemos que são inteligentes o suficiente, empreendedoras e competentes, para não precisarem de apoio excessivo exagerado -devem ter o mesmo tratamento (respeitando algumas limitações,  óbvias, à condição feminina) que os homens, os cidadãos, e estes não possuem nenhum órgão específico para cuidar deles;

Indios -  já passa da hora de deixarem de ser considerados cidadãos de segunda classe, ou mesmo não cidadão, e ter tratamento igual aos demais brasileiros - precisam, mais do que nunca, serem tratados como brasileiros (direitos e deveres iguais) - nada justifica um órgão específico - excesso de proteção muitas vezes desestimula a independência.

Talvez, exista algum grupo de índios isolados, inculto, que devem ser integrados ao Brasil e para tanto não é necessário uma estrutura ministerial.]


Na opinião do presidente eleito, meio ambiente existe para duas coisas: atravancar o progresso, impondo obstáculos à construção de estradas, pontes e viadutos, e enriquecer essas ONGs esquerdistas que não servem para nada a não ser tomar dinheiro público. [exatamente,  exato.] Por isso, sua primeira tentativa foi submeter a área à Agricultura. Como não deu certo, mantém-se o ministério. Mas que ministério?

Já as manifestações do seu futuro ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, denotam uma aversão mais grave e profunda. O “ambientalismo” seria instrumento do comunismo internacional para subjugar os países e dominar o mundo. Logo, o ministro do Meio Ambiente teria de ser alguém radicalmente contra o meio ambiente? Fica a dúvida.

Quanto aos Direitos Humanos, a questão é ainda mais complexa, porque em todos os governos pós-redemocratização o foco esteve na reabertura dos arquivos da ditadura militar e na denúncia aos desaparecimentos, mortes e torturas. Obviamente, não será mais assim, não só porque Bolsonaro é militar reformado como se cercou de generais e fez manifestações de apoio à tortura e ao coronel Brilhante Ustra. [o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, não foi, uma única vez sequer, condenado em segunda instância pelos supostos crimes que injustamente lhe são atribuídos;
uma ou duas condenações em primeiro grau foram revistas nas instâncias competentes.]

Então, manter ou não um ministério para Direitos Humanos? A discussão afunilou para o Ministério de Família, Mulheres e Direitos Humanos, com a Funai de apêndice, mas a coisa encrencou quando o pastor e senador Magno Malta, que perdeu a eleição, foi preterido para o cargo e a agora poderosa bancada evangélica resolveu se meter. O senador não podia, mas a pastora Damares Alves, assessora dele, pôde. Por tabela.

Montagem de ministério – como, de resto, de qualquer equipe – é sempre difícil, mexe com interesses, ambições, vaidades, amizades, inimizades. Logo, é compreensível que Bolsonaro tenha varado novembro sem conseguir fechar todos os 22 nomes e passado a ouvir muito antes de decidir. [a montagem do ministério Bolsonaro está sendo realizada de forma transparente, aberta e onde muitos participam atrasos são normais.] Mas, mais do que nomes, aguardam-se informações sobre as intenções do novo governo para meio ambiente, índios, direitos humanos, família, mulheres. Vamos combinar, entra governo, sai governo, e todos esses temas têm a ver diretamente com as pessoas, o Brasil de hoje e o do futuro. Aliás, não só o Brasil, mas o mundo.

Eliane Cantanhêde - O Estado de S. Paulo