As gregas fizeram a greve delas, mas as brasileiras obrigaram os maridos a fazer outra greve, proibida pela Constituição
As esposas dos policiais do Espírito
Santo, estas novas “mulheres de Atenas”, cansadas de outra guerra,
mostraram ser boas alunas de Lisístrata, uma personagem do grego
Aristófanes. Na peça, ela lidera uma greve de sexo em 411 a.C., com o
propósito de pôr fim às hostilidades que estavam arruinando a Grécia
ontem. Hoje, outras guerras devastam o Brasil. Lisístrata significa em
grego “desorganizadora do exército”, papel que não foi cumprido por
nossas Lisístratas…
Há muitas outras diferenças que separam
as antigas gregas das capixabas nesses mais de 2.400 anos. As
divergências começam pela greve, que não foi das espírito-santenses e
não foi de sexo. As gregas fizeram a greve delas, mas as brasileiras obrigaram os
maridos a fazer outra greve, proibida pela Constituição. Assim
procedendo, transformaram seus cônjuges em amotinados. Nós precisamos
dar às coisas os nomes que as coisas têm e pelos quais são conhecidas.
Greve é uma coisa, motim é outra.
As capixabas não fizeram greve, palavra vinda do Francês grève,
nome de uma praça forrada de areia às margens do rio Siena, em Paris,
onde trabalhadores se reuniam para reivindicar seus direitos,
interrompendo o trabalho. As mulheres dos policiais amotinados
foram designadas abundantemente na mídia por “mulheres”, nem “esposas”,
nem “senhoras”. Esta sutileza diz muito dos lugares atribuídos à mulher
na sociedade brasileira. E às vezes os conceitos e os preconceitos vêm
tão escondidos que requerem uma leitura da estrutura profunda onde se
homiziaram.
A palavra mulher veio do Latim mulier para
o Português e tornou-se hegemônica sobre seus sinônimos para designar o
feminino de homem, mas há complexas variações no uso dos sinônimos
quando a mulher é referida em outros contextos. Lembremos que a matriz latina de mulier para designar o mundo feminino é substituída quando a mulher recorre a médicos ou médicas ginecologistas para um exame ginecológico ou para fazer uma ginecoplastia. Daí o étimo é o Grego gynaikós, equivalente a “mulier” e “femina” no Latim.
Desde sempre as mulheres têm
desempenhado papel importante em momentos decisivos de nossa História.
No real, de que são exemplos Ana Quitéria, Bárbara Heliodora, Chica da
Silva e Anita Garibaldi, entre muitas outras. E no imaginário com obras
artísticas e literárias famosas, como as três personagens emblemáticas
de Jorge Amado, títulos de grandes romances: Gabriela Cravo e Canela, Teresa Batista Cansada de Guerra e Tieta do Agreste.
Mas, como, segundo Hegel, a História só
se repete como farsa, desta vez as senhoras do Espírito Santo, esposas
de militares, representaram uma farsa e deram ao mundo mais um exemplo
do jeitinho brasileiro: seus esposos as contrataram e terceirizaram a
greve! [só que as mulheres dos militares não fizeram greve, o que elide a alegada terceirização; elas apenas bloquearam as saídas do quartel e não existe nenhuma forma de considerar tal ato uma greve.
Não existe o menor ampara para alguma instância judicial considerar greve a conduta das mulheres capixabas.] Com tal procedimento, disfarçaram o motim, que tem punições muito
mais rigorosas do que a greve.
Transcrito da Coluna do Augusto Nunes